O Século acabou...

Escrito por Fábio Rockenbach

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Dr. Frame ou Como Parei de me Preocupar e Passei a Amar o Cinema

O novo blog é mantido em parceria com Marcus Vinícius, estudante de jornalismo, membro da equipe d'Os Armênios e do Caminhante Noturno

A partir de hoje, é tudo com o Dr. Frame.
Abraços e aguardo vocês lá.


O Sequestro do metrô 123 (2009)

Escrito por Fábio Rockenbach





Quem agüenta, ainda, o malabarismo visual de Tony Scott? O cara acha que colocar um filtro amarelado, granular a imagem e fazer aqueles movimentos de “acelera, pára bruscamente” na imagem é construção de estilo, e que isso é cool demais. Pior pra ele, vai continuar no limbo. Scott fez coisas razoáveis na carreira (Fome de Viver, Maré Vermelha) mas tem se especializado em destruir o pouco de bom que construiu com coisas lamentáveis como esse Seqüestro do Metrô 123. Pior é que arrasta outras pessoas juntas. Não teve sequer a capacidade de perceber como o filme ganha em vida com a presença de James Gandolfini: ele não explora 10% do que poderia com a presença do ator, o roteiro joga pelo ralo a chance de aproveitar Luiz Guzmán e o subterfúgio da webcam ligada é de uma inutilidade atroz: a única função desse elemento que toma boa parte do filme poderia ser feito pelos atiradores de elite que miram os sequestradores dentro do ônibus. Mas talvez sirva para atestar a falta de neurônios do roteirista – se as imagens foram para a web, fatalmente iriam também para noticiários online e na TV, que os seqüestradores estavam acompanhando. Scott tentou modernizar a história filmada nos anos 70 e se embrenhou mais ainda no fundo do poço...
São tantos furos, elementos e pessoas mal utilizados que chega a ser irritante. A salada de frutas mistura vários elementos em uma trama só, mas não consegue criar um todo consumível. Pra piorar, constrói cenas de tensão para destruí-las com a inserção de pontos chave frustrantes – o maior deles, o clímax geral do filme, sem graça para um diretor que alimentou expectativas em torno de seus personagens e de seus malabarismos visuais ao longo de toda a projeção.Tiro no pé, e mal dado ainda...

Os Profissionais (1966)

Escrito por Fábio Rockenbach





É quase como um filme de guerra ambientado no deserto escaldante do México. No lugar dos castelos na Áustria, uma hacienda mexicana. No lugar dos nazistas, revolucionários mexicanos. Em vez do sotaque alemão, o carregado idioma espanhol. E o que se nota é que Lee Marvin, Burt Lancaster, Robert Ryan e Woody Strode se divertiram à beça filmando “Os Profissionais”. Legal, já que do lado de cá, a gente se diverte também. E não por nenhum ineditismo, já que muito antes da se revelar, a grande surpresa do filme já é bem previsível, mas porque é divertido pra caramba. Marvin, com seu jeitão taciturno, parece ser quem mais se diverte. Às vezes, ele parece a ponto de estourar em uma gargalhada contida, mesmo com aquele jeitão de avô bravo. Isso é alto astral. Burt Lancaster, ao menos, pôde rir à vontade – seu personagem é um bonachão. O mais deslocado é Robert Ryan, que não sabe como compor seu personagem, parece ser o elemento deslocado de toda equação. Os três, junto com Woody Strode, são os melhores naquilo que fazem, profissionais contratados por um barão do gado para resgatar sua jovem esposa ( Claudia Cardinale ) seqüestrada por um bandido mexicano ( Jack Palance ) que os personagens de Marvin e Lancaster conhecem bem: foi seu companheiro de luta durante a revolução mexicana.
Boa parte do filme se desenvolve em meio à jornada do recém formado grupo e na relação de Marvin e Lancaster – dois amigos que não dão muita bola para os outros, mas respeitam a palavra empenhada de um para outro, principalmente Lancaster, o menos confiável. O resgate em si, e toda a operação que o antecede, lembra um típico filme de aventura ambientado na segunda guerra mundial, território que Marvin conheceu bem em sua carreira. Mas o melhor, mesmo, vem após o resgate, na fuga em direção á fronteira e o embate de Lancaster com a guerrilheira, Chiquita, um affair sem apego dos tempos da revolução, e um desesperado Palance. Algumas coisas soam forçadas demais – “Por que descobri o que faz uma mulher valer 100 mil dólares” – mas nada disso tira a graça e o charme de um western que merecia ser (muito) mais conhecido. Talvez tenha faltado um nome mais conhecido na direção ( e, sim, isso foi hipocrisia da minha parte, tendo Richard Brooks, diretor de "A Sangue Frio" e "Gata em teto de Zinco Quente" assinando a direção)

O Dia dos Mortos (1985)

Escrito por Fábio Rockenbach





Há um sadismo perverso rondando cada frame do terceiro filme de George Romero sobre os zumbis – e na soma das histórias, “O Dia dos Mortos" complementa a narrativa dos filmes anteriores do mestre de forma episódica – não são os mesmos personagens, mas é a mesma trama de fundo, é como se todos fossem interligados pelo mesmo background aterrorizante. A crítica da época buscou – e boa parte da crítica de hoje ainda busca – a mesma profundidade metafórica de “O Despertar dos Mortos”, mas Romero foi mais sutil e mais gráfico. Bastou para que seu terceiro filme fosse elevado à condição de “comercial demais”. Besteira, o cara continua falando o mesmo idioma.
O mundo de Romero acabou, tornou-se uma terra fantasma sem idiomas ou diferenças raciais na superfície. Os homens se escondem como ratos, se acotovelam em subterrâneos, olham o mundo atrás de grades. A ironia dessa situação é que o homem, que se esconde aterrorizado de medo dos mortos vivos que dominam o mundo e perambulam cambaleantes e sorrateiros é o mesmo homem que trata os zumbis como animais. Há uma dubiedade fascinante nesse cenário criado por Romero. Somos os aterrorizados e nos escondemos, mas também laçamos os zumbis como gado, os tratamos como meros pedaços de carne ambulante. Essa dubiedade de discurso é o grande valor dos filmes de Romero - o que era uma trilogia tornou-se já um sexteto de discurso afinado e inimitável.
O Dia dos Mortos” é, da trilogia clássica, o mais nauseante e explícito. Mas se Romero se absteve das parábolas sociais mais elevadas – presentes em “O Despertar dos Mortos”, seu filme mais “leve”e ainda assim, o melhor – manteve a carga de ironia indissociável do seu discurso, se fartou no grotesco - as mortes nunca tinham sido tão explicitas. O filme apavorou platéias em 1985 e nas locadoras chegou a ter sua locação proibida para menores – e disso eu lembro bem. Corpos rasgados ao meio, cabeças arrancadas, vísceras expostas... Cenas comuns em alguns filmes de terror hoje, mas estamos falando, vejam, de 1985... quase 25 anos atrás, quando quem arriscava esse tipo de subterfúgio vinha de fora do esquemão hollywoodiano, se escondia na periferia ou assinava com sobrenome italiano.
Em “O Dia dos Mortos”, civis e militares dividem uma instalação subterrânea, esperando não se sabe o que, para que um dia possam fugir, mas sem saber para onde. Não há destino definidos, apenas a busca por mais pessoas e por algo que faça os dias parecerem menos opressores. Essa opressão fará a diferença e será o estopim para que tudo desmorone. Quer dizer... é o fim do mundo, quase literalmente. Ninguém troca idéias sobre seus planos para o futuro, e o que o diretor joga no liquidificador é tensão e diálogos rápidos. É confronto em todas as suas instâncias. É o cientista contra os militares, homem(ns) contra mulher, negro contra brancos, pacifistas idealistas contra reacionários sádicos... vivos contra mortos.
Aliás, o cientista que usa cadáveres e zumbis capturados para tentar entender seu comportamento é o eco de ironia que Romero insere no seu pequeno mundo virado de ponta cabeça. O diretor se dá ao luxo de, pela primeira vez, tornar um Zumbi personagem, é Bub é um personagem de tanta força que captura a platéia, elemento essencial para que qualquer intenção narrativa funcione. No fundo, ele tem mais profundidade que a quase totalidade dos humanos do seu filme, e isso não foi um desvio acidental... Romero é o cara.

Geleiras do Inferno

Escrito por Fábio Rockenbach



“Geleiras do Inferno ( Island in the Sky, 1953 ) não parece um filme de William Wellman em termos de “tamanho”, mas é perfeitamente compreensível para o ex-piloto da primeira guerra mundial, que transformou a aviação em uma de suas paixões. E “Geleiras do Inferno” é um tributo a esse tipo de profissional, ao senso de família, à camaradagem explícita. Wellman faz questão de transformar essa camaradagem no principal ator do filme – mais do que John Wayne. Wayne é, no caso, o estopim e o motivo das demonstrações de irmandade. O resto é desculpa para o diretor de “Asas” visitar, novamente, os céus – agora, no gelado Alasca, para reproduzir a missão de resgate de um grupo que cai com um avião de reconhecimento em uma região remota.

A missão de resgate, aliás, resume-se às idas e vindas dos vôos de resgate dos companheiros de Dooley (Wayne) e, principalmente, da luta pela sobrevivência dele e dos seus companheiros, perdidos num tapete de gelo. Mas “Geleiras do Inferno” também remete à sua época e envelheceu muito. A construção dramática em torno da situação dos sobreviventes é tão pálida que não chega a afetar ao público – falta o senso de urgência que poderia trazer algum drama real, palpável, à história. O conto de sobrevivência arquitetado por Wellman soa mais agradável como homenagem à classe do que como hino de coragem. É uma história de camaradagem simpática – e com um John Wayne tentando, mas não conseguindo, sair de seu personagem habitual: Dooley comanda as ações, com o mesmo peso no sotaque de quando Wayne anda pelo velho oeste, mas com menos rudeza. Parece um homem mais moderno, sem as armas e o chapéu... troca a areia pelo gelo, mas no fundo calça as mesmas botas.

Falando Grego

Escrito por Fábio Rockenbach


“Falando Grego” é a prova de como algumas pessoas se apegam a uma fórmula e têm

a) dificuldade para trabalhar fora delas

b) predisposição de sugar delas o máximo que puder

Nia Vardalos foi “descoberta” por Tom Hanks e sua esposa, Rita Wilson, quando atuava na peça original que deu origem ao filme “Casamento Grego”. O casal gostou tanto que financiou a ida de Vardalos para o cinema. O filme foi um sucesso, muito graças aos coadjuvantes hilários, aos costumes gregos traduzidos a um nível nonsense e à própria Vardalos, que não é engraçada, mas sabe como poucas interagir em torno de elementos terceiros. Esses elementos são piadas relacionadas aos modos e costumes típicos da sua Grécia, com a qual ela brinca.

Pois “Falando Grego” pode ser um aviso à carreira de Vardalos no cinema, se ela quiser manter uma: é hora de se reciclar. A fórmula que ela criou continua funcionando para boa parte do público, sem o mesmo charme de sua estréia e com um desenvolvimento fraco em algumas idéias do roteiro, que são óbvias ao extremo já na metade do filme - mas isso pouco interessa ao seu público cativo, que irá embarcar no conto de fadas de “Falando Grego”, e que vai rir de muitas de suas tiradas sobre os costumes gregos, agora “in loco”. Sua guia de turismo para os tours em Atenas, que precisa conviver com todo o tipo de turista e busca o amor e a felicidade profissional é uma desculpa para, mais uma vez, flutuar em torno de coadjuvantes que são os verdadeiros donos do filme, que validam a trajetória de sua personagem - uma trajetória que é óbvia, escancarada e desde os primeiros minutos, tem seu destino decidido e afirmado. A única questão é como ela conseguirá o que busca.

“Falando Grego” vai agradar seu público alvo, mas Vardalos precisa mostrar se tem algo a dar fora do terreno seguro de sua Grécia natal. Vai chegar um momento em que o estoque de piadas sobre o país vai se esgotar e não vai restar nada senão ela fazer piada sobre as piadas que ela fez anteriormente.

Daney e a arte de escrever sobre cinema

Escrito por Fábio Rockenbach


Um pequeno exemplo da razão por que Serge Daney é tão idolatrado por críticos da velha guarda - muitos da nova geração não conhecem seus trabalhos. Daney se mostra, no texto abaixo, assustado pelo fato de ter largado de mão “8 1/2″ de Fellini para permanecer absorto em frente à televisão assistindo a “O Veredito”, filme do começo dos anos 80 de Sidney Lumet que tem como principal atração a atuação depressiva e melancólica - acrescenta-se o “ótima” - de Paul Newman. Daney não gosta do filme, diz que é “mal filmado, mal contado, tudo” mas é absorvido. Assiste até o fim e tenta teorizar do porquê, de tentar entender encaixar na sua linha de raciocínio as razões de a televisão e sua programação pobre absorverem o público.

No fim, uma palhinha de porquê ele foi um dos grandes críticos de cinema: ele se apega a uma cena em particular de “O Veredito”, simples, despercebida para quase todos, para analisar de forma sucinta de uma forma que poucos conseguiriam fazer. Daney foi ótimo. A cortesia é do “Dicionários de Cinema“, que há um bom tempo vem traduzindo o que há de bom nos escritos sobre cinema do século passado.

26 Março 1988 – Ontem, entre a tarde e a noite, em frente à TV. Abandono rapidamente 8 ½, mesmo que nunca o tenha visto, mas me exaspera e me pego assistindo até o fim um filme que objetivamente acho mal feito, mal contado, mal tudo: O Veredicto de Sidney Lumet. Esquizofrenia da televisão: nós não só assistimos o que não é bom (não é bem feito), mas nós vemos até melhor do que no cinema (edição, por exemplo), e mesmo assim nós preferimos ver um filme mal feito do que um bem feito. Ou ainda: os conceitos de “bem feito” e “mal feito” não são relevantes na televisão. Ou o filme tem uma força tamanha que se impõe ou nós estamos na relatividade de um mundo de imagens, numa banheira do imaginário, onde tudo é interessante. Isso depende do clima do momento. Ontem eu preferi assistir Mason e especialmente Newman compondo com idade, com tudo. Lumet é o arquetípico cineasta que filma do ponto de vista de ninguém, portanto com uma eficiência abstrata, tão abstrata que é reduzida ao nonsense de roteiro. Ele acelera quando não há razão pra isso. Um belo momento. Newman finalmente encontrou a enfermeira que “sabe” o que aconteceu. Ela cuida de crianças em Chelsea. Ela tem uma bela face de santa de sindicato. Ela está no playground; Newman, que chegou de Boston, está abordando-a desajeitadamente. Close-up no bilhete Boston-Nova Iorque, que cai de seu bolso. E lá, um pequeno truque do velho Lumet, um pouco da verdadeira velocidade: contracampo em Newman que não está mais aparecendo: “Você vai me ajudar?” Ela vai ajudá-lo, não porque o roteiro exige isso, mas porque nós fomos colocados no lugar dela (pela mise en scène) e ela no nosso, e porque o desejo de que ela o ajude foi inscrito no filme. Coisas velhas mas existentes, pelo amor de Deus!
O exemplo do filme de Lumet, uns dias atrás (“Você vai me ajudar?”) soma tudo isso. É impuro ( ou pouco refinado) mas suficiente. O plano de Newman – de um Newman que pede ajuda e pede duas vezes: para o outro personagem (off) e a mim que – por um instante – fui capaz de me colocar no filme no lugar desse personagem ausente da imagem. E ele será ajudado duas vezes: no roteiro e por mim (neste momento, eu aceito seguir com o filme, e então fazê-lo funcionar

O Demônio da Noite

Escrito por Fábio Rockenbach

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A idéia de um filme quase de “não-ficção” em uma produção de estúdios seria ousada em termos de retorno nas bilheterias hoje. O que dirá de 1948, quando “O Demônio da Noite” foi produzido e lançado pelo Eagle-Lion, pequeno estúdio britânico que se especializou em pequenos filmes “B”, alguns com notável valor artístico, e foi encerrado em 1954. Assisti “O Demônio da Noite” há duas semanas, mas somente neste final de semana me lembrei do filme quando vi “Um Certo Capitão Lockhart”, de Anthony Mann. O fato é que Mann seria o diretor não-creditado que responde por “O Demônio da Noite” - e a magnífica cena final nos esgotos de Los Angeles seria um belo indicativo de que Mann assina pela produção, efetivamente, mais do que Alfred Werker.

Há três elementos que se sobressaem em “O Demônio da Noite”. O primeiro deles é a fotografia em claro-escuro que marcou o cinema noir, mas Werker ( ou Mann ) não utilizam o contraste para acentuar nenhuma personalidade, nenhum personagem ou nenhuma intenção: é apenas um estilo que, num todo, não traz implicações na compreensão dos elementos do filme. Richard Basehart faz isso por si próprio, criando um personagem - o assassino procurado pela polícia - baseado em uma personalidade inconstante e imprevisível ( mas é bom ressaltar o belo trabalho de profundidade de campo que Orson Welles revolucionou em 1941, e que Werker - ou Mann - trabalham de forma eficiente, apesar de vazia de significado, em muitos momentos )

O segundo elemento é a frieza trazida pela decisão de fazer, do filme, quase um documentário sobre o processo de investigação forense da polícia atrás de seu assassino - baseado em um caso real ocorrido nos anos 40 em Los Angeles. Esse processo também sucumbiu ao tempo, não como estilo de narrativa, mas como elemento da narrativa: é ingênuo e documental demais, principalmente em seu argumento.

O terceiro elemento é o senso de urgência que, mesmo na frieza, gera sequências que definem o que há de melhor no filme: sua técnica. O cerco à casa do assassino, após um policial se disfarçar de entregador de leite, e a climática sequência final - já se comentou de como ela decorre dos clímax dramáticos de filmes dos anos 30 - nos esgotos de Los Angeles são cenas marcantes demais para relegarem ao filme o papel de obscurantismo que ele ganhou com o passar dos anos. A ironia é que, se fosse assinado por Anthony Mann, seria lembrado como um passo fora da estrada do diretor, mas um passo bem dado. Como é assinado por Werker, é um filme “interessante” mas relegado ao esquecimento.

Não é uma obra-prima, mas mostra como o talento pode fazer a diferença, mesmo tocando de leve a superfície.

Os homens que dizem Nii

Escrito por Fábio Rockenbach

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O humor nunca mais foi o mesmo depois de 05 de outubro de 1969, quando um sexteto anárquico e irreverente surgiu pela primeira vez na televisão britânica. O “Monty Python” revolucionou o humor unindo sarcasmo e diálogos cortantes durante 4 anos, invadiu o cinema com duas obras-primas nos anos 70 e deixou um legado que foi mal mantido: o humor tornou-se visual e o besteirol descerebrado tomou o lugar das referências culturais. Uma pena, mas o original está ao alcance de todos.

Digam “Nii!!” em uníssono na próxima segunda, fãs da comédia. O dia 05 de outubro é a data em que o humor mundial alcançou a maioridade, que o humor moderno começou a engatinhar e, ironicamente, em que ele também começou a morrer - porque basta surgir para que se esteja datado para, um dia, ser (mal) imitado, e se tornar lugar comum.

O dia 05 de outubro marca a primeira aparição do grupo inglês Monty Phyton na televisão britânica, com o irreverente “Monty Python’s Flying Circus”, o show de comédia televisiva que inaugurou o que ficou conhecido como “humor britânico” - e o momento em que nasceu as bases do humor que tem¬perou coisas como “TV Pirata”, “Casseta & Planeta” e os filmes dos irmãos Zucker e Abrahams nos anos 80 ( Top Secret, Apertem os Cintos o Piloto Su¬miu e Corra que a Polícia vem Aí). A receita implantada pelo Monty Python acabou se deturpando pela mediocridade, deu origem ao besteirol, tornou-se dependente ( e muito ) do humor visual e deixou de lado o humor verbal e inteligente, marcas do grupo. Não são poucos, hoje, os que não entendem o humor do Monty Python. É um reflexo de uma criatura que eles próprios criaram e que foi sendo transformada para pior.

Como série televisiva, “Monty Python’s Flying Circus” consistiu de 45 episódios divididos em 4 temporadas que ampliaram a influência do grupo para outras mídias. Durou de 1969 a 1974, e o impacto do sexteto se expandiu também com a invasão dos cinemas a partir de “Monty Phyton e o Cálice Sagrado”, de 1975, e “A Vida de Brian”, de 1979, as obras-primas do humor que se elevam na filmografia que tem momentos irregulares, como “O Senti-do da Vida” e “Ao Vivo do Hollywood Bowl”. Separados, Eric Idle, Graham Chapman, John Cleese, Michael Palin, Terry Jones e Terry Gilliam investiram em outros filmes como “Erik, o Viking” e “Um Peixe Chamado Wanda”. Nada comparado ao impacto do humor anárquico exercitado nos 4 anos da série e nas duas obras dos anos 70: o número de gags por minuto é incomparável em produções onde os Phyton’s brincam até mesmo com a precariedade das produções.
Em “A Vida de Brian”, eleito pela Tottal film, Channel 4 e Channel 5 a melhor comédia da história e o 6º melhor filme britânico de todos os tempos, o grupo brinca com dogmas católicos ao colocarem um pobre coitado sendo confundido com Jesus Cristo desde o momento em que nasce até sua morte. “O Cálice Sagrado” tira onda de personagens caros à história mitológica britânica. Nada que importe para eles: as risadas do público sempre soaram mais altas do que qualquer protesto. Seguem soando ainda hoje, 40 anos depois. Digam “Nii!!” então, na segunda-feira. O grupo completa 40 anos de humor…

O MELHOR DO PYTHON

A PIADA MAIS ENGRAÇADA DO MUNDO
A piada mais engraçada do mundo mata qualquer um que a lê, e é até usada no cam¬po de batalha da segunda guerra mundial. Um dos mais famosos quadros do grupo, presentes no primeiro episódio do programa.





FUTEBOL DOS FILÓSOFOS
Brilhante esquete que coloca em um cam¬po de futebol pensadores alemães contra os pensadores gregos: Kant, Marx e outros enfrentando Platão, Sócratos, Aristóteles e cia, em um jogo arbitrado por Confúcio. Os comentários - “O time alemão destruiu o meio campo inglês de Bertrand, Locke e Hobbes no jogo passado” - são geniais para quem aprendeu alguma coisa sobre os grandes pensadores.






DÉJA VU
O apresentador de um programa científico começa a falar sobre porque sentimos a sensação de “Déja Vu” e… bom, só assistindo. Filmes como “Feitiço do Tempo” surgiram baseados no que se vê aqui – e o final é hilário.





O HOMEM QUE TERMINA AS SENTENÇAS
- Um esquete do Monty Python sobre um homem que ajuda as pessoas a…
- …terminar suas sentenças?
- Sim, obrigado.






COMO NÃO SER VISTO
O Monty Python mostra os segredos para não ser visto, sob uma narração que apresenta paisagens onde as pessoas “não estão”




Harryhausen é eterno

Escrito por Fábio Rockenbach

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Quem coleciona filmes precisa, desde o início, pensar em algumas questões logísticas: a idéia é criar uma coleção de respeito, como uma biblioteca, ou apenas um pequeno amontoado de DVDs guardados na estante da sala? Se a escolha é pela primeira opção, existe espaço para essa coleção respeitável ou por hora ele é limitado?

No meu caso, é limitado. Desde o início priorizei títulos mais difíceis de se achar a qualquer momento em alguma locadora. Mesmo assim, depois de 8 anos, quase mil filmes se tornaram um estorvo. Falta espaço.

O lado bom é que, como diz um conhecido, “sou eu quem escolhe, define a programação e assisto à meu canal particular de filmes”. Tenho programado para mim mesmo algumas “sessões” específicas de alguns temas. Para algumas delas, estou buscando filmes que não tenho - e a internet é ótima para isso. Tenho 3 conhecidos, um aqui no estado e outros 2 no Paraná, com quem costumo gastar alguma grana mensal nos correios trocando raridades. A busca da hora é pelo “Manuscrito de Saragoça”, filme polonês doido dos anos 60, e dois filmes de terror mais obscuros, “Haxan”, da década de 20, e um filme russo chamado “Vij - O Espírito do Mal”. Está difícil.

Mas a sessão do próximo final de semana está programada - trabalhando 14 horas por dia, meu programa no final de semana tem sido me largar em frente à TV, deitado no sofá. O ciclo de filmes de terror dos anos 60 e 70 está engatilhado, mas vi um vídeo no YouTube no final de semana sobre Ray Harryhausen e me bateu aquela saudade dos bons filmes de monstros criados com a ajuda desse mestre.

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“Sinbad e o Olho do Tigre” é o que mais me marcou a infância, apesar de que “Jasão e o Velo de Ouro” ( as duas cenas acima ) , e aquela cena da luta contra os esqueletos, ser meio icônica para Harryhausen. O gigante de bronze Talos, da ilha dos Deuses, despertado pela inconseqüência de Hércules, já foi considerada a melhor criação do stop-motion da história do cinema. A perseguição do gigante de bronze aos argonautas na praia e no mar é uma das cenas mais famosas do filme, outro pilar na carreira de HarryHausen.

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Os dois formam com “Fúria de Titãs”, meu preferido de sempre, a trilogia básica, algo como “conheça Harryhausen em 4 horas e meia”. “Fúria de Titãs” ( acima, a Medusa criada por Harryhausen, protagonista da mais tensa cena do filme) apresenta Laurence Olivier como Zeus, Maggie Smith como Thetis e traz o último dos Titãs, Pégasus, o unicórnio alado, as irmãs bruxas, escorpiões gigantes e corujas mecânicas (!!). É o sopro derradeiro de harryhausen, já nos anos 80, e jóia demais de assistir. Está com uma refilmagem sendo concluída nesse exato momento, com tudo para ser um filmaço se respeitar a diegética desse tipo de filme, que as produções de antigamente conseguiam fazer como nenhuma outra.

Fã dos trabalhos de Willis O’Brien em King Kong (1933), Harryhausen, nascido em 1921, se tornou a referência maior na criação de monstros, criaturas e efeitos especiais animadas por stop-motion em todo o século do cinema. Um cavalo alado, um cíclope, uma estátua de bronze gigante, uma medusa, monstros mitológicos, aves gigantescas, dinossauros, tigres dentes-de-sabre, polvos gigantescos destruindo a ponte golden gate, tudo o que se pudesse imaginar durante 40 anos no cinema americano, B ou A, ganhou vida pelo talento de Harryhausen, em tempos sem CGI ou computadores criando mundos e criaturas impossíveis. Tudo era no braço, moldados e animados por Ray.

Além deles, tenho “The 7th Voyage of Sinbad”, que considero (muito) fraco em comparação aos outros, e pérolas do cinema de horror e ficção dos anos 50: “O Monstro do mar Revolto”, “Mil Séculos Antes de cristo”, “A Ilha Misteriosa”. Todos eles deliciosos, dentro daquele contexto de monstros destruidores em animações quadro-a-quadro que fazem a delícia dos saudosistas, madrugada adentro. Mais autênticos na sua ingenuidade do que os filmes de monstro da atualidade.

Harryhausen, aos 88 anos, está vivinho. Merece homengens em vida - não que ele não seja reconhecido e lembrado constantemente. Talvez Miike tenha que esperar ainda mais. Harryhausen está batendo à porta para voltar no final de semana lá em casa… “Sinbad e o Olho do Tigre”, “Jasão e os Velocino de Ouro” e “Fúria de Titãs” deverão ser a diversão do fim de semana, à base de pipoca e refrigerante. Se chover, melhor ainda…

Winchester 73

Escrito por Fábio Rockenbach





A dobradinha Anthony Mann / James Stewart tem um capítulo ä parte na história do western. Juntos, diretor e ator fizeram cinco exemplares memoráveis do gênero, dos quais “Winchester 73” talvez seja a melhor. Stewart acrescentou uma nova persona à carreira, a do homem de passado obscuro, que luta contra seus fantasmas de um lado, e contra um inimigo de outro. Esse embate constante transforma seus personagens em alguns dos mais densos e humanos que o gênero concebeu. Densos por nunca se revelarem totalmente, e humanos por serem açoitados por histórias mal contadas, escondidas por trás de falas escolhidas a dedo e gestos nem sempre bem explicados. Em “Winchester 73”, esse passado é uma rusga de família que coloca irmão contra irmão, em uma perseguição implacável pontuada pela trajetória de mão em mão de um rifle Winchester 1873, “Um entre mil”, cobiçado por todos, que parece ter vida própria. É um personagem à parte do filme de Mann.

O diretor também aproveita para inserir velhos postulados do gênero: o ataque de índios, a cavalaria, a presença do mítico Wyatt Earp como um dos personagens. É como se, não sabendo se voltaria ao gênero, ele aproveitasse para colocar a mão em todos esses elementos de uma só vez. Todos passam rasantes ao largo da caçada de Lin McAdam a Dutch Henry, o irmão renegado com quem tem contas familiares a acertar, tão fortes que transformam uma caçada até a morte em uma obsessão. A forma equilibrada como Mann insere tantos elementos, e faz o público acompanhar tanto a trajetória dos irmãos como de um inanimado rifle, é um feito. Uma p... lição de como em pouco tempo – não mais do que 90 minutos – todos esses ingredientes possam ser misturados sem tirar a unidade de uma história que é forte em si própria. Não há humor, não há quedas na narrativa, momentos de descanso ou inserções inúteis. A própria menção ao massacre de Custer pelos Sioux é um comentário breve de como velhos clichês poderiam estar mudando, apesar dele não se aprofundar nessa idéia. Tampouco as menções à guerra da secessão, episódios paralelos à maioria dos filmes do gênero que eram pouco mencionados em outras produções – posteriormente, John Ford faria menção ao fazer de seu Ethan Edwards em ~Rastros de Ódio”um veterano derrotado do mesmo conflito. O brilhantismo de “Winchester 73” está em conseguir equilibrar todos esses elementos com uma direção segura e movimentos sempre calculados de câmera que revelam todo o domínio do espaço cênico por parte de Mann. A dobradinha ainda renderia outros momentos memoráveis, mas Mann pôde entregar seu filme com a certeza de ter visitado os elementos clássicos do gênero com uma grande dose de maturidade e muita profundidade. O que veio depois só comprovaria a força do que foi apresentado aqui.


( Winchester 73 - EUA - 1950 ) Direção de Anthony Mann, com James Stewart, Shelley Winters, Dan Duryea

O Estranho

Escrito por Fábio Rockenbach





É comum considerar “O Estranho” um filme menor de Welles. O uso desse termo já se tornou lugar comum, mas fico com Luiz Carlos Merten, quando afirma que muitos diretores dariam tudo para ter uma obra “menor” como essa em seus modestos currículos. O próprio Welles encarou “O Estranho” como uma direção de aluguel, para provar ao produtor Sam Spiegel que poderia, sim, dirigir um filme mais... digamos, comercial. Mas ainda que algumas atuações exageradas em suas reações e algumas brechas tênues no roteiro – indicado ao Oscar – possam apontar para problemas no filme, o que se eleva do menos conhecido filme dirigido por Welles é como ele deixa sua marca. Ângulos de câmera inusitados, enquadramentos perfeitos, uma mis-én-scene orquestrada à perfeição na recriação do “way of life” da pequena Harper, cidade universitária de Connecticut onde um criminoso de guerra nazista se esconde logo após a guerra, reconstrói a vida como um pacato professor e se casa com a filha de um juiz da suprema corte. E para onde, também, ruma um detetive disposto a descobrir o rastro do criminoso e capturá-lo.

Se a intenção de Welles era mostrar que podia ser comercial, matou a charada e ganhou a aposta, seja ela qual tenha sido, com Spiegel, porque é muito fácil e ligeiro acompanhar a trama de “O Estranho”, sendo capturado de uma cena a outra pela forma ágil com que o roteiro de Anthony Veiller conduz a trama sem perder tempo na construção dos personagens ou explicar mais sobre de que forma Kindler, o criminoso, se tornou Rankin, o professor, e apagou todos os seus rastros. Se essa construção das personagens é rasa, sobra uma encenação metódica de cada ato dessa história. Welles era um mestre em falar pelas imagens, pela composição de cada quadro, pela posição exata da cena e pela forma como ela se movia e interagia de forma quase simbiótica com o ambiente. Em grau menor, é o que ele faz aqui também – e a forma como ele retira de cena o rosto de Kindler – ele próprio – e move a atenção da platéia para o que acontece ao fundo, na porta de uma Igreja que é o epicentro de toda a ação, para depois recolocar Kindler na cena, já na meia hora final, denuncia sua presença. Nas mãos de outro diretor, talvez “O Estranho” fosse alijado de construções de cena como essa, que ocorrem em diversos momentos. A forma como elementos e personagens entram e desaparecem o raio de ação da câmera e se complementam com o resto da construção é maravilhoso. É uma pena que, se começa com pleno vigor e é sustentado por uma interpretação magistral de Edward G. Robinson – Welles, já comentei, exagera em algumas reações – o filme termine de forma tão abrupta após uma meia hora final, com o clímax na torre do relógio, sendo tão brilhante. Chamar “O Estranho” de filme menor só é admitido quando se tem, na filmografia, “coisas” como “Cidadão Kane”, “Soberba” e “A Marca da Maldade” mesmo. Do contrário, é sacrilégio...

( The Stranger, 1946, EUA ) Direção de Orson Welles, com Orson Welles, Loretta Young, Edward G. Robinson, Richard Long, Martha Wentworth

Anatomia de um Crime

Escrito por Fábio Rockenbach




Sob o som do genial Duke Ellington, debaixo dos braços das interpretações de James Stewart , Lee Remick e George C. Scott, sob o olhar de Otto Preminger, pouco importa que o que tanto tenha provocado polêmica em “Anatomia de um Crime” – a menção e discussão de temas como estupro, roupas íntimos, métodos contraceptivos, sexo e a própria sexualidade – hoje soe envelhecido demais para causar impacto, porque a força do clássico de Otto Preminger – que muitos consideram o melhor filme de tribunal de todos os tempos – permanece a mesma naquilo que importa: sua narrativa, e a forma como atrai e prende o público em sua teia. Sobretudo, a maneira como respeita a inteligência do público.

Escrita pelo juiz John D. Voelker, “Anatomia de um Crime” traz James Stewart como um ex-promotor com pouco dinheiro e pouco se lixando para a vida, mais interessado em pescar e descansar, que aceita voltar aos tribunais para defender um tenente do exército acusado de matar o dono de um bar, que teria estuprado sua mulher. Porém, nem o tenente é flor que se cheire – sempre frio, calculista e notadamente ciumento – nem a mulher é a santidade que deveria ser para que o caso tivesse mais chances de sucesso. Só isso já mostraria o quanto “Anatomia de um Crime” investe na falta de nitidez de personagens e situações para confundir o público, mas é ainda melhor.

O filme é sempre dúbio. O final é dúbio. As certezas na mente do público são dúbias, e talvez seja esse o grande mérito desse clássico de Preminger. O público sabe tanto quanto Paul Biegler. E esse dilema básico, inocente ou culpado, é tão habilmente conduzido por Preminger que não é raro que a audiência se sinta dividida quanto a suas opiniões: em dado momento, a atuação do assistente da promotoria geral representado por George C. Scott é tão agressiva e convincente, e Biegler se torna tão inconveniente com nossa busca pela verdade, que percebemos que na verdade não existem lados para os quais torcer em “Anatomia de um Crime”. Existe, isso sim, o lado cujas ações acompanhamos de forma privilegiada, bem de perto.

O clássico de Premminger surgiu de forma oportuna para ajudar a desmontar a imbecil censura imposta nas produções americanas já desde duas décadas antes: vocabulário direto, franco, sem papas na língua – a definição que seria usada no tribunal para o termo “calcinha” origina uma interrupção no julgamento e uma troca de idéias entre o juiz e os dois advogados, para que se tenha idéia dos tempos hipócritas que se viviam nos Estados Unidos dos anos 50, sob a regulação do conservador Código Hays, que tornou Hollywood um lugar inocente – até demais – nos anos 30 a 50. (Em todo esse contexto, é memorável também a participação do juiz Joseph N. Welch, interpretando o próprio juiz que preside o caso: foi Welch quem colocou em seu devido lugar o Senador Joseph MaCarthy, que conduziu a perseguição comunista na América na década de 50, e entrou para a história ao encarar o senador e lhe perguntar, sem papas na língua: O Senhor não tem vergonha?)

Preminger, como de costume em seus bons tempos, emite seus julgamentos de sentido em alguns momentos, de forma tímida, mas reveladora. A lata de lixo que aparece nos momentos finais, e tudo o que é dito em frente a ela dá uma indicação do que ele apontaria como verdade absoluta da história, a sua noção de caráter e moralidade. Dúbia, como o resto do filme, ou pelo menos livre para entendimentos: o público formula o seu.

(Anatomy of a murder, EUA, 1959 ) Direção de Otto Preminger, com om James Stewart , Lee Remick , Ben Gazarra , George C. Scott 160 min

Carrie, a Estranha

Escrito por Fábio Rockenbach



O brilhantismo com que Brian DePalma nos conduz na história de Carrie White é tão perverso quanto poderia ser uma adaptação de um romance de Stephen King, mas o terror em “Carrie, a Estranha” não vem do medo do desconhecido, de criaturas sobrenaturais ou mesmo do banho de sangue que ela entrega na palma da mão do espectador na climática seqüência do baile. O terror no filme de DePalma vem do fanatismo religioso e do preconceito. São esses dois elementos que causam repulsa e ódio, e alimentam, pouco a pouco, um sentimento tão dúbio no espectador que, quando Carrie arregala seus olhos de forma demoníaca, coberta de sangue, há um certo júbilo da platéia. Ela queria isso, tanto quanto Carrie. Ela queria ver a menina ridicularizada pelos colegas de escola e imersa em um inferno dentro de sua própria casa se vingar de todos – e sequer as pessoas que se importavam com ela conseguem se livrar de sua fúria demoníaca. E essa é outra face do terror psicológico de “Carrie”: a platéia quer ver sangue.

Adaptado do primeiro romance de sucesso de King, “Carrie” se apóia de forma magistral em duas atuações: a de Sissy Spacek, genial como a garota introspectiva, de cabelos divididos, postura amedrontada e gestos nervosos, e principalmente de Piper Laurie como sua mãe, fanática religiosa. Mais do que os colegas, é ela a responsável pelo banho de sangue que a menina, que possui dons telecinéticos, promove no Baile de Formatura. Mesmo que o fanatismo não cegue a menina, que sonha em interagir com seus colegas e sabe que o dom que possui não é uma manifestação do demônio, uma vida inteira criada dentro dos costumes castradores da mãe alimentam a explosão dos poderes ocultos da menina, que é ridicularizada no Baile.

Rever “Carrie” com atenção mostra um domínio invejável de DePalma sobre o tema ao qual se debruça. Ele alterna momentos tocantes e idílicos com abruptas intervenções no clima da cena, de forma tão brusca que levam o espectador de um lado a outro de sua percepção. O inocente banho é repentinamente interrompido pelo terror de Carrie com a primeira menstruação em um vestiário repleto de garotas prontas a ridicularizarem-na. A expectativa de um garoto, circundando as árvores em planos alternados de câmera, atrás de Carrie, é interrompido abruptamente pela manifestação rápida dos seus poderes. Na sua primeira aparição, a câmera sobrevoa a quadra do colégio para repousar, candidamente, no rosto de Carrie, na primeira manifestação de sua pouca popularidade. E toda e qualquer manifestação dos poderes ocultos da jovem surgem em momentos rápidos, que estouram sob um único acorde da trilha de Pino Donaggio – trilha, aliás, exemplar, que bebe na fonte de Bernard Herrmann mas consegue alternar os acordes assustadores com momentos tocantes.

E a construção do horror adolescente, em suas várias faces, atinge seu auge estilístico na seqüência do baile: A transformação da jovem, de Rainha do Baile para Rainha da Morte, quando Carrie, coberta de sangue, exibe seus olhos abertos e frios, sua expressão sem emoção, quando as portas se fecham, e a tela se divide em duas para mostrar a reação do público apavorado e as expressões de Carrie, apenas contemplando a destruição que promove. Já seria digno de constar em um dos grandes momentos da carreira de DePalma – que ensaia os momentos de slowmotion e antecipação que retomaria com tanto brilhantismo posteriormente na seqüência em que Amy Irving prevê o que está para acontecer mas tenta, sem sucesso, impedir. A força dos grandes olhos de Sissy Spacek mesclados com o vermelho que cobre seu rosto são assustadores e DePalma volta a trazer o espectador para o outro lado da moeda quando ela retorna para casa, apenas para, novamente, girar o botão novamente em uma seqüência que atesta toda a repulsa do público para com a figura da mãe. Essa capacidade de trabalhar tão bem o terror de forma não gratuita e constante coloca o filme de DePalma como um dos grandes momentos do gênero.

(Carrie, EUA, 1976 ) Direção de Brian DePalma, com Sissy Spacek, Piper Laurie, Amy Irving, William Kat, Nancy Allen, John Travolta. 98min

Afundem o Bismarck

Escrito por Fábio Rockenbach





Não é por acaso que “Afundem o Bismarck” de Lewis Gilbert é mais conhecido como um semi-documentário do que, propriamente, um filme de ficção. Todo o desenrolar da trama, baseado em livro de CS Forester, é conduzida de forma documental, extremamente burocrática, sem sub-tramas de destaque – ou ao menos que consigam emergir com algum destaque – complementando a trama principal. Mas essa reconstituição da operação deflagrada pelo comando naval aliado para afundar o Bismarck, couraçado de guerra que era o orgulho da frota alemã e o mais poderoso navio singrando os mares em 1941, não é chata para quem gosta do tema. Soa educacional, mas fácil de assistir.
“Afundem o Bismarck” lembra muito “A Caçada ao Outubro Vermelho”, mas a temática é tão óbvia que o fato do filme de McTiernam beber dessa fonte não significa nenhuma inspiração. Obviamente, a dinâmica da história de 1989 é mais ágil, menos didática, mais absorvente. O que não significa, também, que “Afundem o Bismarck” seja enfadonho, mesmo que seja um filme onde muitas das emoções e conflitos não saiam do gabinete – pelo menos as que têm alguma profundidade à trama. Mesmo essas, porém, não são aprofundadas a um nível minimamente compreensível para elementos do roteiro que recebem tanta menção, como todo o plot envolvendo o filho de Sheppard, o oficial interpretado por Kenneth More que assume o comando das operações navais aliadas justamente quando o Bismarck é avistado em seu ancoradouro na Noruega. Se a trama paralela envolvendo o filho de Sheppard serve para demonstrar o alcance das emoções aparentemente inexistentes do personagem, simplesmente não precisaria ser mais do que mencionado, porque não evolui nas poucas cenas em que ele aparece. É um filme onde as emoções e conflitos não saem do gabinete e ali se estabelece o único núcleo interpretativo de peso (onde se destaca Dana Wynter como Davis, assessora particular de Sheppard)
O almirante Lutjens de Karel Stepanek, grande vilão do filme, é um escalador militar, um homem que admite ter sido negligenciado, e usa sua posição – e o navio – para ser visto, celebrado e bajulado. Sua petulância e auto-suficiência são a derrota do Bismarck. Lutjens é uma caricatura, típica da época em que o filme foi feito, apresentado mais como um personagem imaginado ( vilanesco, obviamente ) do que humano. Olhos esbugalhados, frases de efeito que não se enquadram em um vilão minimamente real (nenhum oficial alemão na guerra dizia algo como “Nunca se esqueçam que são nazistas”).
Um dos maiores problemas do filme de Gilbert é não estabelecer no público a dimensão e importância da caçada que conduz toda a trama. Ele pouco mostra do poderoso Bismarck. Falha, assim, em estabelecer a dimensão da ameaça que movimenta todo o comando naval aliado – os efeitos, baseados em cenas de documentários e maquetes não prejudicam o filme como muitos afirmam. O maior erro é que em nenhum momento a grandiosidade e o poder do Bismarck é convincentemente apresentado ao público.
Historicamente, na cronologia dos acontecimentos, o filme é quase impecável, empatia ampliada pela participação de Ed Murrow, um dos mais famosos repórteres da história do jornalismo norte-americano, citando sua célebre reportagem "This is London...", considerada uma das três maiores da história do jornalismo – mas falta um ritmo crescente de tensão e interesse. É linear em seu ritmo, nunca amplia ou o diminui. Quando chegamos ao ponto culminante da caçada, tudo termina como se fosse apenas mais uma página do roteiro. Não a ação em si, mas a construção do clima narrativo torna-se tão fechada quanto o roteiro linear. O estilo documental de “Afundem o Bismarck” acaba sendo os dois lados da moeda: é o grande mérito pela autenticidade, e o calcanhar de aquiles pela falta de emoção. Nada que admiradores do gênero venham a reclamar muito.
(Sink the Bismarck, EUA, 1960 ) Direção de Lewis Gilbert, com Kenneth More, Dana Wynter, Carl Mohner, Laurence Naismith, Karel Stepanek, Maurice Denham, Geoffrey Keen, Michael Hordern, Esmond Knight, Edward R Murrow

CRÍTICAS RÁPIDAS

Escrito por Fábio Rockenbach

Razão e Sensibilidade

( Sense and Sensibility, EUA, 1995 ) Direção de Ang Lee, com Emma Thompson, Kate Winslet, Hugh Grant, Akan Rickman, Tom Wilkinson





De longe a melhor revisão do mês. É ótimo ver que todo o frescor da adaptação dos sempre sisudos romances de Jane Austen não tenha sido apenas saboroso de assistir em seu lançamento, mas parece ter ficado ainda melhor depois de mais de 10 anos. É quase absurdo como o filme, na verdade, é uma espécie de novela, um dramalhão onde tudo se concentra em ditos e não ditos, em fofocas, pessoas que se intrometem na vida alheia, o rigor e a supervisão de uma sociedade fuxiqueira intervindo na vida das pessoas. Absurdo porque é delicioso de se assistir, e tão simples que chega a irritar a forma como Ang Lee desfila esse rosário de pequenas histórias e personagens de forma tão natural.
O mais genial em “Razão e Sensibilidade” é como o filme se sustenta em uma espinha dorsal chamada Emma Thompson ( autora do roteiro oscarizado ) e nela se apóia um elenco brilhante. Ela é a mais velha de 3 irmãs, que junto com a mãe é obrigada a abandonar a propriedade onde moram quando o pai e esposo morre. O filho do primeiro casamento herda a propriedade e influenciado pela esposa não tem intenção de ajudar sua meia-família. Em uma sociedade que sobrevivia graças à aparência e ao dinheiro, 4 mulheres pobres não constituem um panorama muito otimista. Os floreios dos homens que surgem na vida delas, as tramóias sociais envolvendo aparências e a busca pelo casamento e o amor movem toda a narrativa. Mas o melhor é a forma como Elinor, a personagem de Thompson, estabelece um diálogo de austeridade com a platéia: a emoção reprimida, as aparências, a doação e a entrega, sempre seus sentimentos em último lugar, sempre as verdadeiras emoções represadas, escondidas. Toda essa construção explode de forma climática no soluço de emoção contida mais genial da história do cinema. De longe, é o melhor filme baseado na obra de Austen e uma das grandes obras dos anos 90.


Fugindo do Inferno

( The Great Escape, EUA, 1963 ) Direção de John Sturges, com Steve McQueen, James Garner, Richard Attenborough, Charles Bronson, Donald Pleasance, James Coburn



O clássico por excelência dos filmes de fuga, o “Conde de Monte Cristo” dos campos de prisioneiros da segunda guerra mundial. O carisma desse sucesso de bilheteria e crítica não se apóia apenas nos nomes do elenco ( Steve McQueen nunca esteve tão à vontade, e o resto... bem, resto é insulto, basta olhar os nomes brilhantes envolvidos ), mas na forma como transforma um tema sério em entretenimento puro. O campo de prisioneiros americanos e britânicos é quase uma colônia de férias, com a diferença de que a bola de beisebol não pode ir além da cerca de arame. Toda a construção dessa história empolgante se sustenta em uma base que afronta o bom senso: os prisioneiros que mais se notabilizaram em fugir dos campos alemães são todos reunidos em um local só, um campo dito de fuga impossível. “Reunir todas as laranjas podres em uma cesta”. Não poderia haver idéia mais imbecil, mas como era de praxe retratar os alemães de forma pouco fulgurosas, tal concentração é um convite às mentes criativas de homens especializados em fugir dos buracos onde eram enfiados. Acompanhar essa trama é um passatempo delicioso, e a cena, logo no início, onde eles tentam fugir no meio de trabalhadores russos é um exemplo do frescor ingênuo e puramente aventuresco de um filme que teve a coragem de resolver suas diversas tramas de fuga da maneira menos fácil. O destino desses inglórios trapaceiros - mesmo uma cena de execução em massa não mostrada explicitamente – torna tudo mais amargo, e por isso mesmo, inesquecível.


13 dias que abalaram o mundo

( Thirteen Days, EUA, 2000 ) Direção de Roger Donalson, com Kevin Costner, Bruce Greenwood, Steven Culp, Dylan Baker



Roger Donaldson é um operário dedicado, que costuma sempre entregar o que se espera dele (“Cocktail”, “Sem Saída”, “O inferno de Dante”, “O novato”, “A Experiência). As parcerias com Kevin Costner são seus melhores trabalhos. Particularmente, “13 Dias que Abalaram o Mundo” ia no caminho certo para ser o melhor dos seus filmes, com austeridade e pés no chão. Sem emoção, sem exageros, revivendo a Crise dos Mísseis de Cuba quando a URSS decidiu armar mísseis nucleares em Cuba, foi descoberta pelos Estados Unidos e gerou o período de tensão que mais aproximou o mundo de uma terceira guerra mundial. A recapitulação desses eventos, vistos a partir, unicamente, dos interiores da Casa Branca, é primorosa na maior parte do tempo, ainda que evidenciando apenas um lado. Tecnicamente, e em sua narrativa, funciona muito bem – e o bom elenco ajuda muito. É fácil acompanhar esse tipo de trama ao lado de Costner, ator com empatia fácil e garantida. O melhor dessa história é perceber que Donaldson não está tão preocupado em revisar a história, mas contar a história de 3 amigos: os irmãos Kennedy e seu acessor Kenny O’Donnel. Tudo gira ao redor dessa amizade, e a forma como ele estabelece o presidente Kennedy como uma pessoa comum, apesar de admirada, e sempre sobre tensão é o melhor aspecto da história. As trocas de farpas e diálogos entre o trio é o que conduz o filme e estabelece o elo de ligação com o público, e atuações como as de Baker ( como Robert McNamara ) e Culp ( como Bob Kennedy, inclusive fisicamente semelhante ) auxilia nessa construção. Donaldson está tão interessado nisso que acaba se emocionando: é quando ele começa a ver o mito Kennedy maior do que o personagem, e a glorificação, as frases de efeito e gestos sob encomenda eclipsam o que vinha sendo brilhante na sua primeira metade. Ele cedeu ao ícone e ao discurso ufanista – mas que se releve seus méritos de ter feito uma obra com força própria e permanente.


Colors, as Cores da Violência

( Colors, 1987 ) Direção de Dennis Hopper, com Robert Duvall, Sean Penn, Maria Conchita Alonso



Colors foi um retrato polêmico da instável situação de violência que já atormentava as grandes cidades norte-americanas na metade da década de 80, principalmente quando a guerra de raças começou a se tornar insustentável. Não era apenas uma questão de negros e brancos, mas de hispanos, mexicanos, índios e negros lutando por bairros e territórios de tráfico. Colors foi um dos pimeiros filmes a abordar essa questão de frente. Se parece beber na fonte de alguns clichês desse tipo de tema, é bom ter em mente que foi um precursor. Penn, na pior fase de sua carreira, é um tira jovem e cheio de esperanças, que torna marginais e as ruas seu campo de batalha particular, para desespero do velho e experiente policial interpretado por Duvall, raposa das ruas que sabe que mais do que aplicar a lei, é melhor fazer acordos e guardar favores para sobreviver nas ruas. Em torno dos dois – e por causa deles – a tensão racial se desenvolve como uma teia pré-programada, onde todos sabem que a corda vai acordar, apenas não sabem quando e como. Hopper não estica a corda para testar sua resistência, apenas segue sobre ela com segurança.


Fuga do Século 23

( Logan’s Run, 1976 ) Direção de Michael Anderson, Michael York, Richard Jordan, Jenny Agutter, Roscoe Lee Browne, Farrah Fawcett-Majors



A idéia geral que move “Logan’s Run” é mais poderosa do que a canastrice dos efeitos, principalmente o confronto com o robô no gelo assim que ocorre a fuga da cidade. Michael Bay bebeu litros e litros do barril mal conservado deste filme para filmar “A Ilha”, mas se a madeira é velha e mal conservada, o líquido é saboroso. Ele pode resistir a qualquer efeito especial tosco, a qualquer representação datada ou teatralidade. O filme de Anderson também é notável por entender que quando se fala de um futuro pós-apocalíptico, a presença de ícones facilmente identificáveis facilita, e muito, a absorção da platéia no interesse do filme. E vemos Washington tomada de mato e ruínas, o capitólio destruído e a Biblioteca do Congresso ser, num misto de ironia e esperança, a residência do velho sobrevivente: em meio a livros, quadros, fotografias e toda a sabedoria do “velho mundo”, reside a única esperança de que alguém um dia se lembre disso. Na sociedade do futuro, todos vivem somente 30 anos, até passarem por um processo de “renovação” em uma cerimônia conhecida como “carrossel”. Mas alguns sabem que por trás disso existe uma outra realidade. A fuga dessa sociedade não é permitida, e para impedir isso existem os patrulheiros, como Logan. Logan, que descobre que tudo é uma farsa, a renovação é a morte e existem sobreviventes fora dos muros hermeticamente fechados da sociedade inodora onde vive. É saboroso caminhar pela Washington devastada e ouvir o velho sobrevivente afirmar que “vivíamos nessas casas, em grupos, várias pessoas, mas acho que elas se tornaram pequenas demais para nós.” É a idéia de “Fuga do Século 23” que sobrevive e voa mais alto do que a precariedade da produção e deve ser sempre lembrada.


Um Ato de Liberdade

(Defiance – 2008 ) Direção de Edward Zwick, com Daniel Craig, Liev Schreiber, Jamie Bell, Alexa Davalos



Os irmãos retratados neste filme de ação pouco comum de segunda guerra de Edward Zwick na verdade buscam acima de tudo vingança. Zus é frio, duro, não se importa com a morte. Tulia é centrado, aparenta ser mais sábio, mas no fundo busca esconder a fraqueza, e começa sua jornada buscando vingança. O Filme de Zwick não tem as tradicionais pitadas de heroísmo grandioso, apresenta uma competição entre os irmãos que fundam uma comunidade no meio da floresta da Bielorrúsia para resistir ao avanço nazista na região. É uma comunidade que represa seu ódio, e ele explode em uma cena que mesmo não apelando para o visual, consegue ser forte, quando um soldado alemão é capturado pelo grupo. Mas Zwick também não ousa, e cede aos chavões do cinemão. "Um Ato de Liberdade" podia ser grande se não cedesse a uma pouco compreensível tendência a se diminuir em suas idéias. Mas tem uma das melhores frases do ano quando entra no terreno da política e do poder naqueles tempos de guerra na europa: "“No oeste, um monstro com bigode pequeno. No leste, um monstro com bigode grande. É tudo o que preciso saber sobre política”.



Operação Valquíria

( Valkyrie – 2008 ) Direção de Bryan Singer, com Tom Cruise, Kenneth Branagh, Bill Nighy, Tom Wilkinson, Terence Stamp



Quem foi Stauffenberg? Talvez tivéssemos respostas se fosse outro ator, menos famoso, menos astro do que Tom Cruise no papel principal. O filme de Singer é correto, reto, direto, e esse é o problema. Foi feito para ser visto como espetáculo hollywoodiano, quando poderia enveredar por outros caminhos mais nebulosos. Se interessava mais saber o que houve com os envolvidos no plano para matar Hitler - já que o resultado todos sabem qual foi - porque, então, conhecemos tão pouco sobre eles, e principalmente, porque o enlace familiar deles acaba se resumindo a flashbacks e breves passagens? Os personagens secundários são os melhores apresentados em uma história que funciona em algumas seqüências de tensão, mas o filme não expõe a verdadeira verve dos envolvidos : o que os move não é salvar a Alemanha, mas seus próprios rabos acima de tudo. Que vale o filme é Wilkinson, dando de relho no elenco principal, ao interpretar um general de interesses dúbios que fica em cima do muro e se torna um dos grandes empecilhos ao plano por sua indireta condição. No fundo, se fosse para ser com Cruise, que o filme seguisse como começou: todo falado em alemão. Pelo menos haveria algum cheiro de personalidade. “Operação Valquíria” é tão correto que acaba sendo esquecível. Esperava-se mais do diretor que já fez “O Aprendiz” e “X-Men 2”.



Sem Lei e Sem Alma

( Gunfight at the OK Corral, 1957 ) Direção de John Sturges, com Burt Lancaster, Kirk Douglas, Rhonda Fleming, Jo Van Fleet



Clássico lembrado por muitos, “Sem lei e sem alma” é um filme reto. Não tem a sinuosidade marcante de outros clássicos do gênero. Não tem profundidade, não tem emoção, não tem reações. Não ousa, não transgride, não tenta ser, nem durante um segundo sequer, politicamente incorreto. É, até, correto demais. Os bons da versão deturpada de Sturges não morrem. Apenas se ferem, levemente – por mais que a história real tenha colocado a sete palmos da terra um dos irmãos de Wyatt, isso não pode acontecer na história reta e correta de Sturges. O resultado dessa linha reta são interpretações rasas – Burt Lancaster está pálido, uma tentativa de resgatar um herói que não pisca ao tomar suas decisões, mas que é tão natural quanto poderia ser Schwarzenegger interpretando Hamlet. A teatralidade excessiva, marca de alguns dos filmes da época, ajuda a enfraquecer toda a caracterização dramática de uma história poderosa. Aqui, essa história soa mera desculpa para um conto quase infantil dividindo o bem e o mal, os bons e os maus. De tudo que cerca a história de Earp, em “Sem Lei e Sem Alma” é o cemitério de Boot Hill que mais alcança os ouvidos, através da melodia que corta o filme em diversas ocasiões contando em forma de versos a história, mas que desaparece na importância quando se percebe que tudo o que ela canta é uma versão errada, fraca e amadora da famosa história. Como o famoso tiroteio dá nome ao filme, ele se torna uma seqüência longa no clímax do filme. É pensada não como um duelo, que realmente foi, mas uma troca de tiros que, novamente, retira da situação toda a tensão e o suspense que as outras versões souberam explorar. É uma pena tendo em vista os nomes dos envolvidos.


A Duquesa

( The Duchess, EUA, 2007 ) Direção de Saul Dibb, com Keira Knightley, Ralph Fiennes, Charlotte Rampling, Dominic Cooper, Hayley Atwell



Visão que tenta fazer um paralelo da futilidade da sociedade no século XVIII com os tempos atuais, e faz isso da forma mais direta possível: a Georgiana Spencer vivida por Keira Knightley é antepassada da Diana Spencer que morreu em um túnel perseguida por Papparazzis. Ambas tinham características semelhantes: vividez, disposição, brilho próprio em meio a um ambiente seco e árido de frivolidades. Mas Saul Dibb cede à idéia de se render à sua protagonista. O problema é que, se Keira Knightley é linda – e parece casar bem com esse estilo de filme – ela não é, ainda, uma atriz esplendorosa a ponto de segurar a atenção de um filme inteiro. Pior, de ser o coração de toda a atenção do público a esse filme. “A Duquesa” tem um ponto forte na atuação contida de Ralph Fiennes, mas não deixa marcas na memória. Melhor assistir em alguma exibição na televisão, casualmente, zapeando canais.


Atos que desafiam a Morte

(Death Defying Acts, EUA, 2007 ) Direção de Death Defying Acts, com Catherine Zeta-Jones, Guy Pearce, Timothy Spall, Saoirse Ronan, Jack Bailey, Aaron Brown



O Ilusionista e O Grande Truque, com mágicos de mentira, frutos da imaginação, acabam sendo mais palpáveis do que a história do verdadeiro mágico e ilusionista que inspirou todos, o quase lendário Houdini. Incrivelmente, aqui Houdini é coadjuvante, ou uma desculpa para o que parece ter sido pensado como um veículo para dois nomes conhecidos que, no entanto, em nenhum momento exalam a mínima química que fazer o público acreditar na intensidade do que vê – e isso é essencial para dar o mínimo de veracidade à trama, já que esses sentimentos são catalisadores.
Qual a razão, afinal, do filme de Gillian Armstrong falar de Houdini ou transformá-lo em um background de luxo para uma história que nunca diz ao certo onde quer chegar? O interesse romântico – que não empolga – torna o que já era fraco em um drama fácil, açucarado. O público acompanha as duas na busca por saber mais sobre o mágico, talvez o grande astro pop de sua época - antes de saberem o que significava isso - mas o roteiro não se esforça para jogar alguma luz em uma das mais misteriosas personalidades da história. A audiência acaba ludibriada, sem entender muito além do jogo de obviedades que o roteiro reserva nesse pseudo-aprendizado. Pior, o roteiro joga com possibilidades e parece não percebê-las, especialmente quando enfoca a parceria entre Houdini e seu assistente: qualquer cena dos dois tem mais profundidade do que as ditas tramas principais, como que evocando uma história que pedia para surgir, mas ficou eclipsada. Ninguém percebeu que estava nessas entrelinhas que surgem brevemente a verdadeira história que ainda não foi contada no cinema? “Atos que Desafiam a Morte” joga com muitas possibilidades, e não trilha nenhum caminho. Fica sempre na metade.

Próximas críticas rápidas:
Geleiras do Inferno, Che – O Argentino, O Homem que odiava as mulheres, Superman 2 – The Richard Donner Cut, A Última Amante , Jasão e o Velo de Ouro, Sinbad e o Olho do Tigre, Guerra de Noivas.