Especial LOTR - As Duas Torres

Escrito por Fábio Rockenbach

( Lord of the Rings - The Two Towers, EUA, 2002 )
Direção de Peter Jackson, com Elijah Wood, Ian McKellen, Viggo Mortensen, Sean Astin, Billy Boyd, Liv Tyler, John Rhys-Davies, Dominic Monaghan, Christopher Lee, Orlando Bloom, Bernard Hill, Miranda Otto, Brad Douriff, Andy Serkis


A Sociedade está desfeita. Enquanto Frodo e Sam rumam para Mordor, encontram Gollum e o tornam seu guia, Aragorn, Legolas e Gimli partem no encalço de Merry e Pippin, seqüestrados pelos Orcs de Saruman. Os três entram em contato com o rei Théoden de Rohan, que está prestes a ser atacado por um exército de 10 mil Orcs e decide esperar pelo inimigo na fortaleza do Abismo de Helm.

PS: As críticas dos filmes são longos mesmo, porque me propus a dissecar vários elementos da adaptação. Leia se quiser ou passe longe...

As Duas Torres é o capítulo do meio de uma longa estória, elemento intermediário, e só isso já ampliaria as dificuldades de sua transposição para as telas. Usualmente, este segundo ato tende a ser, sempre, mais sombrio e pessimista, o que não significa necessariamente que possa perder em qualidade em relação aos demais – vide, por exemplo, o magnífico “O Império Contra-Ataca”, ponto máximo dos seis filmes da série Star Wars. Mas As Duas Torres é, também, um divisor de águas dentro da narrativa da saga do anel, porque em determinado momento, ele proclama uma mudança de rumo e de sentidos na saga.

É a partir de determinado momento, no primeiro terço de As Duas Torres, que “O Senhor dos Anéis” muda drasticamente, porque caracteriza-se pela inserção de um elemento importantíssimo: a entrada dos mundos dos homens na maior saga da Terra Média. Se em todo o primeiro filme – descontando-se a maravilhosa apresentação do condado e o contato com os elfos em Lothlórien – a narrativa é centrada na jornada dos nove integrantes da sociedade do anel, e a preocupação maior é introduzir a cumplicidade dos personagens para com o público, em As Duas Torres toda a linha narrativa torna-se segmentada. Existem 4 acontecimentos paralelos dividindo a atenção do público, e reside na junção desses acontecimentos a maior dificuldade que Peter Jackson encontrou. Temos o núcleo do mal, personificado mais uma vez por Saruman, a jornada de Frodo e Sam rumo a Mordor, a interação de Merry e Pippin com Barbárvore em Fangorn e todo o núcleo de acontecimentos em torno do primeiro reino dos homens a ganhar destaque na estória, envolvendo Aragorn, Legolas, Gimli, Théoden e os cavaleiros de Rohan. Se em “O Retorno do Rei” Jackson alcançou admirável equilíbrio nos cortes entre diferentes núcleos, aqui esses cortes abruptos acabam fragmentando a narrativa. Não que, por exemplo, a diferença de ritmo entre o que acontece no Abismo de Helm e em Fangorn seja culpa do diretor, mas o público sente essa quebra. Se há remédios para alguns males, o remédio para “As Duas Torres” chama-se “Versão Estendida”. Não tente raciocinar demais, é simples: quanto maior o filme – e a versão estendida tem cerca de 50 minutos a mais – melhor é o ritmo, não importa o quão incongruente possa parecer a afirmação.

Se em todo o primeiro filme [...]a narrativa é centrada na jornada dos nove integrantes da sociedade do anel, e a preocupação maior é introduzir a cumplicidade dos personagens para com o público, em As Duas Torres toda a linha narrativa torna-se segmentada.

A começar pela adaptação, foi em “As Duas Torres” que os fãs mais se indignaram com as mudanças propostas por Peter Jackson, principalmente no que diz respeito ao aparecimento de elfos em Helm’s Deep. Não bastasse ser uma heresia a tudo o que Tolkien escreveu, vai contra a própria abertura fantástica do primeiro filme, onde Cate Blanchett narra com voz poderosa que “uma última aliança de homens e elfos marchou contra os exércitos de Mordor”. Mas tudo bem: Jackson queria dar mais destaque à participação dos elfos na estória do Um Anel. O bom é que, menos para aqueles aficcionados fanáticos, essa inserção não traz maiores prejuízos à obra no que se refere à adaptação para o cinema. No que se refere à ação, “As Duas Torres” amplia os sentidos do primeiro filme nos seus 40 minutos finais, e o surgimento dos homens traz junto uma ação mais realista e menos fantástica. O público leigo é que se sentiu prejudicado pelo ritmo lento, mas Jackson deve ter optado por manter o que já havia estabelecido no primeiro filme: ser fiel às descrições e ao universo criado por Tolkien.

No que se refere à ação, “As Duas Torres” amplia os sentidos do primeiro filme nos seus 40 minutos finais, e o surgimento dos homens traz junto uma ação mais realista e menos fantástica.

É aí que entram as cenas deletadas para o cinema e que estão presentes em “As Duas Torres”. É absurdamente incompreensível que as cenas como Denethor, Boromir e Faramir não tenham sido vistas no cinema, porque elas dão base crucial para entender muito do que envolve a relação entre o pai e os dois irmãos, principalmente no último filme. Principalmente para entender porque Faramir está tão obcecado em levar o anel a Gondor. Outros momentos, como a jornada de Frodo, Sam e Gollum, algumas cenas de background entre Arwen e Aragorn e passagens em Osgiliath apenas ajudam a diminuir o impacto dos cortes abruptos. Com mais tempo, os núcleos fazem mais sentido e justificam todo o cuidado na transposição para as telas. Já havia comentado na crítica do primeiro filme de como Jackson trata todos os personagens com um carinho absurdo, inserindo cenas que nas mãos de outro diretor, ou em outro tipo de estórias, seriam descartadas para oferecer mais ação ao público. A cena em que Théoden lamenta a morte do filho para Gandalf é um exemplo. Théoden é um dos personagens dramaticamente mais fortes da trilogia, apesar de ser constantemente alçado a um segundo plano. Rei de um reino decadente, sem herdeiros, enxerga na sobrinha a força que queria para sucedê-lo mas não pode depositar nela essa confiança por ela ser mulher. E constantemente lamenta não estar à altura dos feitos dos antepassados. É uma personagem que nas mãos erradas soaria incrivelmente artificial, mas que Bernard Hill consegue doar contornos realistas. É com Théoden que pode-se exemplificar a preocupação de Peter Jackson com a fidelidade do espírito da obra, em cenas que num outro filme passariam rasas, ou sequer seriam filmadas, em prol da ação. A cena em frente ao túmulo do filho seria dispensável para a condução da estória, mas é crucial para que comecemos a entender a decepção do rei de Rohan por não estar à altura dos seus antepassados. Esse sentimento é indispensável para alcançar todo o sentimento que transborda no último filme, principalmente na relação entre ele e Eowyn.

É com Théoden que pode-se exemplificar a preocupação de Peter Jackson com a fidelidade do espírito da obra, em cenas que num outro filme passariam rasas, ou sequer seriam filmadas, em prol da ação. A cena em frente ao túmulo do filho seria dispensável para a condução da estória, mas é crucial para que comecemos a entender a decepção do rei de Rohan por não estar à altura dos seus antepassados.

E Miranda Otto é outro fruto do filme. Insere vida em uma estória que dá pouco espaço às mulheres – se Arwen não tivesse sua estória ampliada dos escritos complementares de Tolkien, Eowyn seria a única mulher a ter algum destaque nessa estória, fruto talvez da época e da sociedade em que a saga foi escrita na primeira metade do século XX. E Miranda Otto, de grandes olhos emanando sentimentos, justifica boa parte da atração que o núcleo de Rohan desperta.

E mesmo que Barbárvore seja um ótimo exemplo do poder de criação da WETA Digital combinada com a arte de Alan Lee, é em Gollum que reside um dos grandes feitos da trilogia. Os méritos, claro, vão para os técnicos da WETA, mas acima de tudo vão para Andy Serkis, já que todos os movimentos desse ser patético e estranhamente provocador de pena são obra de Serkis. É um personagem trágico, dividido entre duas personalidades e conduzido pela obsessão ao anel. Talvez seja a maior criação do universo literário de Tolkien.

Repetindo a crítica do primeiro filme: As Duas Torres funciona em si mesmo, mas é preciso ser visto como a metade de um longo filme de 12 horas. Nesse sentido, é um primor, porque desenvolve os personagens do filme anterior, apresenta novos núcleos e consegue, em apenas um filme, nos tornar cúmplices dos novos personagens da saga. Abre mão de apressar certas estórias e, ainda que apresente problemas nos cortes entre os núcleos, prepara de forma admirável o público para o clímax da série sem se descuidar da maior façanha do diretor: um respeito quase sagrado ao que está transpondo para a tela.

PS: Um certo crítico detonou a trilha sonora, dizendo que ela era mais do mesmo. Respeitosamente, discordo, seguindo na mesma linha do que escrevi para o primeiro filme: Howard Shore fez uma obra-prima. O mais do mesmo é uma menção tímida à trilha que se ouvia no primeiro filme, na verdade, como um elemento de ligação. Em determinado momento, a trilha de As Duas Torres ganha personalidade própria, com a inserção do núcleo de Rohan – uma melodia que é quase um lamento, facilmente identificável como o grande tema do segundo filme. E Shore fará o mesmo com o terceiro filme, criando uma transição gradual e lenta, concebendo os três filmes como um só. Bom que Howard Shore entendeu que é esse o espírito, ao contrário de muita gente “entendida” que analisa os filmes apenas separadamente.

PS2: Uma homenagem: Jackson deixou de fora do primeiro filme a seqüência em que os hobbits são engolidos pelo velho carvalho e são salvos por Tom Bombadil. Na versão estendida de As Duas Torres, é feita uma menção à essa cena, usando Merry, Pippin e Barbárvore em Fangorn. Trata-se de uma pequena homenagem para lembrar toda uma seqüência que os fãs gostariam de ter visto nos filmes mas não puderam. Em outro local e com outros protagonistas, mas a menção vale, e muito.

5 Comentários:

  1. Anônimo disse...

    acho que o melhor de As Duas Torres é Helm's Deep e o constante sentimento de guerra que existe em todo o filme. E concordo com o que falou sobre a trilha sonora, a verdadeira alma que Shore colocou no na música está nas faixas que acompanham os acontecimentos em Édoras. É a melhor parte da trilha, mas isso não faz dela um "mais do mesmo", é apenas uma outra parte da trilogia, assim como As Duas Torres.

  2. Anônimo disse...

    ahhh claro... esqueci de golum. também é importante.

  3. Isabela disse...

    Acho que da trilogia, esse é sem duvida o mais fraco dos filmes, mas passa longe de ser um filme ruim.

  4. Pedro Henrique Gomes disse...

    Fábio, teu texto é muito melhor que o filme.

    Enfim, já disse antes que não sou fã da trilogia.

    Abraço!

  5. Robson Saldanha disse...

    Foi esse filme que me impulsionou a ler o livro pra poder ver o terceiro que estava por vir e valeu muito a pena, já que o livro é bastante rico. Mas o filme não decepciona!