Um Sonho de Liberdade

Escrito por Fábio Rockenbach

( The Shawshank Redemption, EUA, 1994 )
Direção de Frank Darabont, com Tim Robbins, Morgan Freeman, Bob Gunton, William Sadler, Clancy Brown

- Existe algo dentro de nós que eles não podem tocar. Algo que é só seu, e você pode levar para onde for.
- E o que é?
- Esperança, Red. Esperança.


Poucos filmes conseguiram a proeza de serem encenados em um ambiente e falarem de algo que está muito distante do local onde ele se passa, e ainda assim serem totalmente palpáveis. Não é sobre a prisão e o mundo institucionalizado – além do próprio processo de institucionalização – que Um Sonho de Liberdade” trata, mas justamente sobre o mundo e os sentimentos que estão do outro lado dos muros e que, durante 90% da projeção, sequer é visto pelo espectador. Ao falar sobre liberdade e esperança, conceitos escondidos do outro lado do portão da prisão de Shawshank, o filme de Frank Darabont cria um elo particular com o espectador, porque alija dele também a possibilidade de ver o outro lado. Torna-o cúmplice de seus personagens não na busca pela fuga da prisão, mas na esperança de (pasmem) pode ter esperança.

Na sua estréia atrás das câmeras, o diretor/roteirista Frank Darabont se encarrega de tecer habilmente uma linguagem visual que torna o espectador cúmplice dos sentimentos de seus personagens, sem abusar dessa perspectiva para não ferir também a chance de tornar o público um espectador privilegiado dos acontecimentos que originam a reviravolta final. Se por um lado o elogiado plano em que a câmera sobrevoa a prisão de Shawshank, no Maine, mostrando toda sua extensão, deixa claro que aqueles muros guardam um mundo particular em seu código de disciplina e na sua extensão, ele logo nos coloca no lugar ao nos apresentar a entrada da prisão vista sob os olhos de um preso: um movimento de câmera nos insere dentro dos muros realçando a pequenez do ser humano e a força das rochas que formam as paredes, vendo a entrada de baixo para cima. É o momento em que Darabont nos coloca literalmente dentro da história.

Durante as décadas que acompanharemos Andy Dufresne ( Tim Robbins ), bancário rico acusado de matar a esposa e o amanter, na prisão de Shawshank, em companhia de “Red” Redding ( Morgan Freeman ), raramente veremos momentos onde o sol brilhe com intensidade. Esses momentos surgem pontuados, quebrando a constante neblina e o clima úmido, quando o assunto esperança é evocado diretamente ou apareça nas entrelinhas: durante a pintura no telhado, no trabalho fora da prisão, na primeira conversa entre Red e Andy ou na emocionante cena que resume a idéia toda: quando Andy quebra as normas e coloca no auto-falante da prisão uma ária de Don Giovanni, de Mozart, para uma platéia de homens alijados da liberdade, absortos em admiração a uma voz que, como o próprio Red diz, ninguém ali sabia o que dizia, mas espetava seus corações de uma forma que eles não sabiam explicar.

Já na história original de King todo o processo de manutenção da esperança e da fé de um homem – e da forma como ele consegue transformar as perspectivas dos que o cercam – baseava-se no tema de manter a humanidade em um ambiente que tenta, simplesmente, transformá-la. No sistema de Shawshank, a disciplina cria a chance de reabilitação. A punição com forma de resgatar a fé, a disciplina e a rotina como meios para alcançar a obediência, que seria a base da vida em sociedade. A cada dez anos, esse processo era avaliado. E entregava à sociedade, décadas depois, um homem completamente incapaz de tomar suas próprias decisões. “Durante 40 anos pedi permissão para mijar. Não posso mais ir ao banheiro sem pedir permissão.” O processo todo é balanceado pela hipocrisia dos que aplicam o sistema, detentores de uma moral mais torta do que daqueles a quem ela é ditada.

Através da química perfeita de Tim Robbins e Morgan Freeman, a amizade entre Red e Andy torna-se palpável. Brilhante roteirista, Darabont manteve o ritmo que escritores tarimbados como Stephen King conseguem dar a pequenas histórias, e as nuances que povoam o conto “Rita Hayworth and the Shawshank Redemption”. Assim, brinca com o espectador movendo-o entre a dúvida e o esclarecimento, a antecipação e a entrega. “Quero ela.” diz Andy, apontando para Rita Hayworth. “Posso conseguir, mas não tenho ela aqui no meu bolso agora.” responde Red. Pequenos diálogos que não entregam toda a natureza do que acontece, mas inserem o público num misto de curiosidade e, a cada minuto, de admiração pelos protagonistas. E toda história que transforma protagonistas em pessoas tão próximas do público já percorre meio caminho para se tornar parte da memória permanente.

Por falar de um ambiente que só é evocado e lembrado, mas raramente mostrado, por tocar fundo em questões como sanidade, humanidade e esperança, e por nos tornar tão próximos de pessoas que sequer existem, senão em uma estória de ficção, “Um Sonho de Liberdade” alcança sucesso ao manipular seu espectador, mas de forma sincera, através de diálogos brilhantes e um roteiro repleto de referências ao próprio cinema. Nos sentimos como Andy e Red idealizando Zihuatanejo, rumo utópico onde sonham, um dia, se encontrar em liberdade: as paredes da prisão de Shawshank só são maiores do que o espírito se não existirem asas para transpô-las.
Bravo!

3 Comentários:

  1. Pedro Henrique Gomes disse...

    Depois de À Espera de um Milagre, Um Sonho de Liberdade é a melhor adaptação de um livro de Stephen King. Ótimo filme.

    Abraço!

  2. Fábio Rockenbach disse...

    Acrescente Conta Comigo na brincadeira e forma-se a tríade - com perdão de Misery, Carrie e outros muito bons. Já "O Iluminado" é um filmaço, mas não uma boa adaptação.
    Aliás, King é um tema fantástico para um bom post...

  3. Anônimo disse...

    ?/????????