Ano a Ano no Cinema - 1980

Escrito por Fábio Rockenbach

A série Ano a Ano no Cinema relembra, de forma rápida, os filmes e fatos que marcaram cada ano e faz um retrato de época para tentar entender como eles foram influenciados - ou influenciaram - as produções que surgiram nas telas. Era uma idéia de longa data, mas como é algo para consumir muito ( é, muito mesmo ) tempo, foi sendo adiada. Também não pretendia fazer algo em ordem cronológica, mas que me desse prazer de escrever. A idéia era começar com a década de 50, que considero a verdadeira era de ouro do cinema americano, mas um comentário acerca de como a década de 80 foi a mais medíocre na história do cinema - e eu não concordo sequer com a idéia de rotular períodos como melhores ou piores - mudou prioridades.
Se a década de 80 foi marcada pelo surgimento de filmes medíocres e a febre das continuações e imitações, parte da culpa é do público, que aceitou a oferta graças à ascensão do videocassete e da própria evolução tecnológica. Em 1980, os primeiros indícios da mudança do tempo começaram a aparecer, mas a política autoral americana ainda mantinha seus últimos representantes. Mais do que simplesmente citar filmes lançados ano a ano, a idéia é comentar esses períodos e sinalizar o que de mais importante surgiu.

1980 - O adeus à era dos autores
O ano de 1980, a rigor, parecia não perceber que fazia parte de outra década, um marco cronológico ideal para sinalizar uma mudança de ares. Fácil de entender. Ainda era possível sentir reflexos dos anos 70, uma década marcada pelo surgimento de uma geração de cineastas jovens que definiram, a seu próprio estilo, uma política autoral no cinema americano que contribuiu para que uma indústria em crise conhecesse novos conceitos e pudesse manter viva a idéia de um filme realmente autoral. Para muitos, foi o começo do fim, a década em que o cinema morreu. Há os que consideram os anos 80 a década mais pobre da história do cinema. Acho extremamente injusto denegrir dez anos de grandes produções devido a uma mudança de comportamento que deve, em muito, à escalada absurda da tecnologia naquele tempo ( foi a década em que a televisão, o videocassete e o computador pessoal começaram a mudar o comportamento e defender a idéia utópica de que isso não teria provocado mudanças na arte cinematográfica é uma idéia tão ingênua quanto ultrapassada). Graças a essas tecnologias, mudou o mercado e o comportamento do consumidor. A culpa, portanto, não cabe apenas à George Lucas, como querem muitos puristas.

Mas ainda alheio à futura febre de blockbusters, continuações e filmes de mais valor massivo do que artístico, o ano de 1980 ainda mantinha parte da sensação de depressão e esperança, de incerteza e contradições que marcou os anos 70. Afinal, cineastas como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola, Terrence Malick, Alan Parker, Hal Ashby e Bob Fosse passaram os últimos quatro anos da década anterior entregando ao público uma mescla de retratos daquele cinema pesado ( e viril ) e de últimos exemplares do cinema de autor americano nos anos da virada, respectivamente com Taxi Driver, Apocalypse Now, Cinzas do Paraíso, O Expresso da Meia Noite, Muito Além do Jardim e O Show Deve Continuar.

Não necessariamente os últimos. Martin Scorsese, por exemplo, começou os anos 80 entregando possivelmente seu filme mais autoral, legando a seu alter-ego nas telas o papel do perfeito alter ego do próprio diretor, resgatado de uma clínica de reabilitação para um papel importantíssimo no cinema moderno. Scorsese largou a cocaína e, com ela, parece ter largado em cada frame de “Touro Indomável” o que restava dos anos de loucura e incerteza. Aceitou o convite de Robert DeNiro para dramatizar em celulóide a trajetória de destruição e auto-punição de Jake La Motta como se fosse um espelho de sua própria condição. Nas cordas do ringue onde La Motta deixou seu sangue, Scorsese deixou o último rastro dos filmes que havia feito nos anos anteriores – e dali para diante, a expiação se transformaria em um exercício de linguagem baseado em tudo o que absorvera até ali.

Outros filmes guardam, como “Touro Indomável”, resquícios do clima dos anos 70. Filmes como “Agonia e Glória”de Samuel Fuller, “O Homem Elefante”de David Lynch, “Atlantic City”de Louis Malle e “Os Irmãos Cara de Pau” de John Landis . Mas a revolução tecnológica iniciada em 1977 pela IL&M e a criação dos fenômenos de bilheteria a partir de 1975 deixou claro para a indústria que havia uma parcela de público interessada em tornar o cinema, mais do que um exercício de reflexão ou admiração de estilos autorais, um simples escape. Inspirado nos alucinados filmes do grupo inglês Monthy Pyton, Jim Abrahams, David e Jerry Zucker provocam gargalhadas com o humor escrachado de “Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu”, satirizando diversos sucessos do cinema dos anos 70. É interessante notar como os filmes que tentam fazer o mesmo, nos tempos atuais, sofrem de tamanha falta de competência que atestam não apenas a incapacidade dos realizadores como a própria intenção de chamar o público, cada vez mais, de retardado.

Seguindo essa mesma linha de dialogar com o público mais interessado na sensação do que na visão e no estilo, filmes como “Flash Gordon”, “Sexta-Feira 13”, “Os Deuses Deve Estar Loucos”, “Carros Usados”e “A Lagoa Azul”( este último um fenômeno baseado na beleza pueril de Brooke Shields, que causara alvoroço com “Pretty Baby” em 1978 ) davam uma tímida amostra do que estava por acontecer nos anos seguintes.

A indústria do cinema também acusava, timidamente, mudanças. Pela primeira vez na história do entretenimento, uma mulher ( Sherry Lansing, de 36 anos ) tornou-se presidente de um grande estúdio, ao assumir a 20Th Century Fox. Não muito longe dali, a United Artists, herança da visão de DW Griffith, Charles Chaplin, Douglas Fairbanks e Mary Pickford no começo do século, via-se responsável pelo filme que marcou, definitivamente, o fim do período de autor do cinema americano nos anos 70 com o monumental fracasso de “O Portal do Paraíso” de Michael Cimino ( ganhador do Oscar em 1978 com “O Franco Atirador”). A UA não suportou um monumental fracasso de bilheteria e acabou adquirido pela MGM em 1981, outro estúdio dos anos dourados que acabaria passando o restante da década sobrevivendo das incursões de James Bond ( vivido então por um insosso Roger Moore ) nas telas do cinema. A eleição de um ex-ator, Ronald Reagan, pode ser encarado como o sinal definitivo de que algo estava mudando, para o bem ou para o mal.
O Oscar? Esse foi para “Gente como a Gente”, mas é o que menos importa.

Também em 1980, Richard Gere começou a arrancar suspiros da platéia feminina com “Gigolô Americano”. Enfrentando uma fase difícil em sua vida pessoal, Bergman entregou um ignorado “Da Vida das Marionetes”, que poderia ser melhor reavaliado (talvez até pelos problemas pessoais, anunciava-se no sueco o começo do final de sua carreira, que seria decretada dois anos depois). Jonathan Demme começa a aparecer com “Melvin e Howard”, comédia que começaria a sinalizar o estilo cômico que se tornaria comum durante a década e Akira Kurosawa mostrava ainda ter fôlego para contar uma grande história de uma forma visualmente rica, em cores, como o mestre japonês ainda não havia conseguido mostrar com “Kagemusha – A Sombra de um Samurai”. Ainda ligado à mítica figura de Clark Kent, Christopher Reeve tornava-se um dos astros do ano com “Superman II – A Aventura Continua”, irregular continuação do filme de Richard Donner que ajudou a definir a nova era ainda em 1978, e o romance “Em Algum Lugar do Passado”,única obra de destaque na carreira do diretor Jeannot Szwarc, que adquiriria com o passar do tempo o status de pequena jóia Cult do cinema romântico, baseado em obra de Richard Matheson.

Enquanto Robert Altman batia com a cara na parede ao entregar uma extremamente indecisa adaptação de “Popeye”, com Robin Williams, Shelley Duvall, a Olivia Palito do filme, era aterrorizada por um Jack Nicholson que criou, em “O Iluminado”, nuances de interpretação e maneirismos que o acompanhariam para o resto da carreira na versão extremamente pessoal e artística de Stanley Kubrick para o romance homônimo de Stephen King – tão pessoal que King apoiaria a realização de uma minisérie fiel à obra duas décadas depois, ironicamente muito mais fraca do que a visão de Kubrick, um dos poucos cineastas remanescentes das décadas anteriores que permaneceu,essencialmente, autoral em suas obras.

Mas nem o Jack Torrance de O Iluminado nem o Superman marcaram presença tão forte nos cinemas quanto Luke Skywalker e Darth Vader, protagonistas do momento mais traumático do ano para as platéias no clímax de “O Império Contra-Ataca”, ópera espacial que provou o quanto um roteiro bem trabalhado pode fazer para um filme destinado inicialmente a ser apenas um chamariz äs platéias por suas qualidades técnicas. “Star Wars V – O Império Contra-ataca”tornou-se um dos filmes mais vistos da década e um dos mais bem acabados exemplos das possibilidades do cinema em divertir o público sem esquecer de respeitar sua inteligência, justamente a acusação que muitos críticos ainda fazem a George Lucas quando ele lançou – pasmem – justamente o filme que deu origem a “O Império”. Foi o último ano em que Hollywood ainda tirou tempo para curar suas feridas. A partir de 1981, o cinema americano iria, definitivamente, mudar de ares, e abrir espaço para o surgimento de novos talentos fora dos Estados unidos, empurrados pela popularização do cinema em casa.
Demais anos da década em breve no blog...

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