Fim dos Tempos

Escrito por Fábio Rockenbach

( The Happening, EUA, 2008 )
Direção de M. Night Shyamalan, com Mark Whalberg, Zoey Deschanel, John Leguizamo


A rigor, “Fim dos Tempos” marca a primeira ocasião em que M. Night Shyamalan repete a si mesmo. Ou melhor, tenta, já que ele passa longe de conseguir. Seu mais novo filme é um festival de equívocos de roteiro, interpretação, intenções e traduções. Esse último, aliás, parece ser um dilema na vida do diretor. Quem lança seus filmes no Brasil costuma a) entender tudo errado ou b) apostar em sensacionalismo para atrair um público bem diferente daquele que poderá apreciar os filmes do indiano. Essa publicidade errônea já fez "Sinais" ser entendido de forma errada e arruinou muito da publicidade de “A Vila”. Aqui, o título original, “O Acontecimento”, transforma-se em um apocalíptico “Fim dos Tempos”. Claro que a imensa maioria sai frustrada do cinema, não recebem o que pagaram para ver. O problema é que, dessa vez, nem os defensores de Shyamalan – e eu sou um deles – conseguiram sorrir no fim do túnel.

Comentei em outro artigo que Shyamalan costuma como poucas pessoas disfarçar histórias individuais em dramas coletivos. É a segunda vez que ele usa um grande acontecimento catastrófico para contar uma simples história pessoal. A diferença está, entretanto, em todos os elementos que diferenciam “Sinais” e “Fim dos Tempos”, os dois filmes que seguem essa linha: enquanto Sinais versava sobre uma invasão extraterrestre no planeta, e optava pelo suspense ao esconder o inimigo, apesar de todos saberem quem ele é, “Fim dos Tempos” opta por colocar a natureza se rebelando contra o homem, mas não há suspense que possa se conter quando a ameaça invisível não desperta o mesmo sentimento de curiosidade e tensão do primeiro filme. E o grande diferencial: em “Sinais”, o drama individual é formado por falta de fé, destino, sinais e o drama de um padre que perdeu a fé e sua família, abalada pela perda da mãe. Em “Fim dos Tempos” o drama individual é... um casal em crise de relacionamento. Pasmem.

É constrangedor como o próprio Shyamalan parece perceber a fragilidade de seu roteiro, de sua história condutora e da trama de fundo que escolheu para mover a história do professor vivido por Mark Whalberg e sua esposa, vivida por Zoey Deschanel. Em crise no casamento, eles acabam se unindo quando fogem pelo país após uma misteriosa toxina emitida pelo ar começar a afetar o cérebro de diversas pessoas, que passam a perder a noção de risco e integridade, e a se matar.Com eles, está a filha do melhor amigo do professor, vivido por um desperdiçado John Leguizamo. Shyamalan força demais a barra. Acaba subestimando a inteligência da platéia. Faz surgir um personagem que, do nada, emite a suspeita sobre o que realmente estaria causando toda a confusão. E ainda coloca de forma forçada na boca do personagem, em duas ocasiões, uma explicação detalhada de como isso acontece, inclusive com exemplos, como se o próprio Shyamalan soubesse da fragilidade do seu plot e dissesse: “vêem, isso aconteceu nesse e naquele momento. Pode acontecer aqui também.”

Tão deprimente quanto esse uso infantil de um personagem explicativo está a reação de uma mãe que, quando não consegue falar com a filha, coloca-a no viva voz para que todos – inclusive o público – ouça o que acontece com ela. Quem faria isso numa ocasião dessas, sinceramente? Até as reações do personagem de Whalberg são forçadas, e alguns diálogos que saem da boca de Deschanel são deprimentes.

Já o surgimento da velha senhora que mora em uma casa isolada denota a falta de fatos novos para Shyamalan inserir no roteiro. Essa sub-trama desnecessária e forçada, entretanto, reserva um dos poucos momentos perturbadores do filme. Com exceção dessa pequena cena e das seqüências iniciais, muito pouco está presente do cineasta de “Sinais” e “O Sexto Sentido”. A incerteza em relação ao roteiro é tamanha que o filme simplesmente cessa sua ação inesperadamente para pular para o final que pretende ser original, mas acaba sendo clichê – não menos do que a inserção de um cientista na televisão explicando tudo o que aconteceu, assim como fazia o personagem citado anteriormente. Ou Shyamalan despreza a inteligência do público ou ele viu algo aqui que nós só seremos capazes de ver após muitas revisões. Não acho que seja esse o caso. É uma pena, porque a idéia inicial poderia permitir vôos muito mais altos. Em termos visuais, narrativos e até na sua trilha sonora, é mais decepcionante do que “A Dama na Água”, que pelo menos denotava ainda uma certa pessoalidade do diretor na sua criação. Aqui, até mesmo isso é negado. Que não neguem ao público o direito de clamar pela volta dos bons tempos do indiano...

8 Comentários:

  1. Robson Saldanha disse...

    "O problema é que, dessa vez, nem os defensores de Shyamalan – e eu sou um deles – conseguiram sorrir no fim do túnel." <-- Sigo a mesma linha do que falou. É um filme com um roteiro que deixou a desejar, com diálogos bobos. Não me agradou, mas eu perdôo Shyamalan!

  2. Isabela disse...

    Pois é, ainda não conferi esse filme, mas admito que ja reduzi um bucado as minhas expectativas que eram grandes, por causa dos comentários que ouvi.

  3. Anônimo disse...

    Depois de muito adiar, vou assistir "Fim dos Tempos" amanhã. E vou sem muitas expectativas, já que as opiniões sobre o filme não têm sido nada boas.

  4. Pedro Henrique Gomes disse...

    Pablo Villaça: Atingido o fundo do poço, é lá que Shyamalan permanece.´

    E é o que todos estão dizendo. Mas ainda acho que vou ao cinema mesmo assim...

    Abraço!!!

  5. Otavio Almeida disse...

    Shyamalan está pisando na bola. Daqui a pouco, ele não terá mais fãs. O que é bem pior do que ficar tomando uma surra da crítica especializada.

    Abs!

  6. Dr Johnny Strangelove disse...

    é aquela coisa ...
    o diretor é oito ou oitenta ...
    quando gostam elogiam ... quando odeiam ... bem ... precisa dizer o resto?
    abraços

  7. pseudo-autor disse...

    Ele perdeu tempo tentando explicar as intenções da natureza e não era isso que o público queria ouvir. Foi melhor do que A Dama na Água, mas passa longe do melhor dele. Uma pena!

    Discutir a Mídia? acesse
    http://robertoqueiroz.wordpress.com

  8. Fábio Rockenbach disse...

    Robson
    Também perdôo, ele tem crédito comigo.

    Isabela
    Vá ao cinema sem expectativas nem com os filmes anteriores dele na cabeça. Talvez assim se aprecie melhor, mas eu me decepcionei.

    kamila
    Uma hora a gente tem que assistir, não?

    Pedro
    Para o Pablo ele começou a alcançar o fim do poço em Sinais. Eu discordo totalmente disso, mas em relação a Fim dos Tempos, ele tem lá sua razão.

    Otávio
    Bela observação. Um fã vale mais do que qualquer crítico - menos é claro para as pretensões da produtora. Ainda sou fã de Shy, nem que seja dos outros trabalhos. Isso pelo menos não vai mudar.

    Johnny
    Fui do oito ao oitenta em dois filmes......

    Contra-regra
    O que era o mais crível nos outros filmes ele deixou de lado: apostar na inteligência da platéia sem querer explicar de forma artificial o que acontece na boca de um personagem. Não entendi porque ele buscou isso, quando justamente o mistério em torno dos acontecimentos era um dos grandes motes dos seus filmes ( ninguém tentou explicar porque os Ets estavam invadindo o planeta, porque Bruce Willis era invencível ou porque o Osment via fantasmas. Imagine se ele tivesse tentado fazer isso? )