O Século acabou...

Escrito por Fábio Rockenbach

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Dr. Frame ou Como Parei de me Preocupar e Passei a Amar o Cinema

O novo blog é mantido em parceria com Marcus Vinícius, estudante de jornalismo, membro da equipe d'Os Armênios e do Caminhante Noturno

A partir de hoje, é tudo com o Dr. Frame.
Abraços e aguardo vocês lá.


O Sequestro do metrô 123 (2009)

Escrito por Fábio Rockenbach





Quem agüenta, ainda, o malabarismo visual de Tony Scott? O cara acha que colocar um filtro amarelado, granular a imagem e fazer aqueles movimentos de “acelera, pára bruscamente” na imagem é construção de estilo, e que isso é cool demais. Pior pra ele, vai continuar no limbo. Scott fez coisas razoáveis na carreira (Fome de Viver, Maré Vermelha) mas tem se especializado em destruir o pouco de bom que construiu com coisas lamentáveis como esse Seqüestro do Metrô 123. Pior é que arrasta outras pessoas juntas. Não teve sequer a capacidade de perceber como o filme ganha em vida com a presença de James Gandolfini: ele não explora 10% do que poderia com a presença do ator, o roteiro joga pelo ralo a chance de aproveitar Luiz Guzmán e o subterfúgio da webcam ligada é de uma inutilidade atroz: a única função desse elemento que toma boa parte do filme poderia ser feito pelos atiradores de elite que miram os sequestradores dentro do ônibus. Mas talvez sirva para atestar a falta de neurônios do roteirista – se as imagens foram para a web, fatalmente iriam também para noticiários online e na TV, que os seqüestradores estavam acompanhando. Scott tentou modernizar a história filmada nos anos 70 e se embrenhou mais ainda no fundo do poço...
São tantos furos, elementos e pessoas mal utilizados que chega a ser irritante. A salada de frutas mistura vários elementos em uma trama só, mas não consegue criar um todo consumível. Pra piorar, constrói cenas de tensão para destruí-las com a inserção de pontos chave frustrantes – o maior deles, o clímax geral do filme, sem graça para um diretor que alimentou expectativas em torno de seus personagens e de seus malabarismos visuais ao longo de toda a projeção.Tiro no pé, e mal dado ainda...

Os Profissionais (1966)

Escrito por Fábio Rockenbach





É quase como um filme de guerra ambientado no deserto escaldante do México. No lugar dos castelos na Áustria, uma hacienda mexicana. No lugar dos nazistas, revolucionários mexicanos. Em vez do sotaque alemão, o carregado idioma espanhol. E o que se nota é que Lee Marvin, Burt Lancaster, Robert Ryan e Woody Strode se divertiram à beça filmando “Os Profissionais”. Legal, já que do lado de cá, a gente se diverte também. E não por nenhum ineditismo, já que muito antes da se revelar, a grande surpresa do filme já é bem previsível, mas porque é divertido pra caramba. Marvin, com seu jeitão taciturno, parece ser quem mais se diverte. Às vezes, ele parece a ponto de estourar em uma gargalhada contida, mesmo com aquele jeitão de avô bravo. Isso é alto astral. Burt Lancaster, ao menos, pôde rir à vontade – seu personagem é um bonachão. O mais deslocado é Robert Ryan, que não sabe como compor seu personagem, parece ser o elemento deslocado de toda equação. Os três, junto com Woody Strode, são os melhores naquilo que fazem, profissionais contratados por um barão do gado para resgatar sua jovem esposa ( Claudia Cardinale ) seqüestrada por um bandido mexicano ( Jack Palance ) que os personagens de Marvin e Lancaster conhecem bem: foi seu companheiro de luta durante a revolução mexicana.
Boa parte do filme se desenvolve em meio à jornada do recém formado grupo e na relação de Marvin e Lancaster – dois amigos que não dão muita bola para os outros, mas respeitam a palavra empenhada de um para outro, principalmente Lancaster, o menos confiável. O resgate em si, e toda a operação que o antecede, lembra um típico filme de aventura ambientado na segunda guerra mundial, território que Marvin conheceu bem em sua carreira. Mas o melhor, mesmo, vem após o resgate, na fuga em direção á fronteira e o embate de Lancaster com a guerrilheira, Chiquita, um affair sem apego dos tempos da revolução, e um desesperado Palance. Algumas coisas soam forçadas demais – “Por que descobri o que faz uma mulher valer 100 mil dólares” – mas nada disso tira a graça e o charme de um western que merecia ser (muito) mais conhecido. Talvez tenha faltado um nome mais conhecido na direção ( e, sim, isso foi hipocrisia da minha parte, tendo Richard Brooks, diretor de "A Sangue Frio" e "Gata em teto de Zinco Quente" assinando a direção)

O Dia dos Mortos (1985)

Escrito por Fábio Rockenbach





Há um sadismo perverso rondando cada frame do terceiro filme de George Romero sobre os zumbis – e na soma das histórias, “O Dia dos Mortos" complementa a narrativa dos filmes anteriores do mestre de forma episódica – não são os mesmos personagens, mas é a mesma trama de fundo, é como se todos fossem interligados pelo mesmo background aterrorizante. A crítica da época buscou – e boa parte da crítica de hoje ainda busca – a mesma profundidade metafórica de “O Despertar dos Mortos”, mas Romero foi mais sutil e mais gráfico. Bastou para que seu terceiro filme fosse elevado à condição de “comercial demais”. Besteira, o cara continua falando o mesmo idioma.
O mundo de Romero acabou, tornou-se uma terra fantasma sem idiomas ou diferenças raciais na superfície. Os homens se escondem como ratos, se acotovelam em subterrâneos, olham o mundo atrás de grades. A ironia dessa situação é que o homem, que se esconde aterrorizado de medo dos mortos vivos que dominam o mundo e perambulam cambaleantes e sorrateiros é o mesmo homem que trata os zumbis como animais. Há uma dubiedade fascinante nesse cenário criado por Romero. Somos os aterrorizados e nos escondemos, mas também laçamos os zumbis como gado, os tratamos como meros pedaços de carne ambulante. Essa dubiedade de discurso é o grande valor dos filmes de Romero - o que era uma trilogia tornou-se já um sexteto de discurso afinado e inimitável.
O Dia dos Mortos” é, da trilogia clássica, o mais nauseante e explícito. Mas se Romero se absteve das parábolas sociais mais elevadas – presentes em “O Despertar dos Mortos”, seu filme mais “leve”e ainda assim, o melhor – manteve a carga de ironia indissociável do seu discurso, se fartou no grotesco - as mortes nunca tinham sido tão explicitas. O filme apavorou platéias em 1985 e nas locadoras chegou a ter sua locação proibida para menores – e disso eu lembro bem. Corpos rasgados ao meio, cabeças arrancadas, vísceras expostas... Cenas comuns em alguns filmes de terror hoje, mas estamos falando, vejam, de 1985... quase 25 anos atrás, quando quem arriscava esse tipo de subterfúgio vinha de fora do esquemão hollywoodiano, se escondia na periferia ou assinava com sobrenome italiano.
Em “O Dia dos Mortos”, civis e militares dividem uma instalação subterrânea, esperando não se sabe o que, para que um dia possam fugir, mas sem saber para onde. Não há destino definidos, apenas a busca por mais pessoas e por algo que faça os dias parecerem menos opressores. Essa opressão fará a diferença e será o estopim para que tudo desmorone. Quer dizer... é o fim do mundo, quase literalmente. Ninguém troca idéias sobre seus planos para o futuro, e o que o diretor joga no liquidificador é tensão e diálogos rápidos. É confronto em todas as suas instâncias. É o cientista contra os militares, homem(ns) contra mulher, negro contra brancos, pacifistas idealistas contra reacionários sádicos... vivos contra mortos.
Aliás, o cientista que usa cadáveres e zumbis capturados para tentar entender seu comportamento é o eco de ironia que Romero insere no seu pequeno mundo virado de ponta cabeça. O diretor se dá ao luxo de, pela primeira vez, tornar um Zumbi personagem, é Bub é um personagem de tanta força que captura a platéia, elemento essencial para que qualquer intenção narrativa funcione. No fundo, ele tem mais profundidade que a quase totalidade dos humanos do seu filme, e isso não foi um desvio acidental... Romero é o cara.

Geleiras do Inferno

Escrito por Fábio Rockenbach



“Geleiras do Inferno ( Island in the Sky, 1953 ) não parece um filme de William Wellman em termos de “tamanho”, mas é perfeitamente compreensível para o ex-piloto da primeira guerra mundial, que transformou a aviação em uma de suas paixões. E “Geleiras do Inferno” é um tributo a esse tipo de profissional, ao senso de família, à camaradagem explícita. Wellman faz questão de transformar essa camaradagem no principal ator do filme – mais do que John Wayne. Wayne é, no caso, o estopim e o motivo das demonstrações de irmandade. O resto é desculpa para o diretor de “Asas” visitar, novamente, os céus – agora, no gelado Alasca, para reproduzir a missão de resgate de um grupo que cai com um avião de reconhecimento em uma região remota.

A missão de resgate, aliás, resume-se às idas e vindas dos vôos de resgate dos companheiros de Dooley (Wayne) e, principalmente, da luta pela sobrevivência dele e dos seus companheiros, perdidos num tapete de gelo. Mas “Geleiras do Inferno” também remete à sua época e envelheceu muito. A construção dramática em torno da situação dos sobreviventes é tão pálida que não chega a afetar ao público – falta o senso de urgência que poderia trazer algum drama real, palpável, à história. O conto de sobrevivência arquitetado por Wellman soa mais agradável como homenagem à classe do que como hino de coragem. É uma história de camaradagem simpática – e com um John Wayne tentando, mas não conseguindo, sair de seu personagem habitual: Dooley comanda as ações, com o mesmo peso no sotaque de quando Wayne anda pelo velho oeste, mas com menos rudeza. Parece um homem mais moderno, sem as armas e o chapéu... troca a areia pelo gelo, mas no fundo calça as mesmas botas.

Falando Grego

Escrito por Fábio Rockenbach


“Falando Grego” é a prova de como algumas pessoas se apegam a uma fórmula e têm

a) dificuldade para trabalhar fora delas

b) predisposição de sugar delas o máximo que puder

Nia Vardalos foi “descoberta” por Tom Hanks e sua esposa, Rita Wilson, quando atuava na peça original que deu origem ao filme “Casamento Grego”. O casal gostou tanto que financiou a ida de Vardalos para o cinema. O filme foi um sucesso, muito graças aos coadjuvantes hilários, aos costumes gregos traduzidos a um nível nonsense e à própria Vardalos, que não é engraçada, mas sabe como poucas interagir em torno de elementos terceiros. Esses elementos são piadas relacionadas aos modos e costumes típicos da sua Grécia, com a qual ela brinca.

Pois “Falando Grego” pode ser um aviso à carreira de Vardalos no cinema, se ela quiser manter uma: é hora de se reciclar. A fórmula que ela criou continua funcionando para boa parte do público, sem o mesmo charme de sua estréia e com um desenvolvimento fraco em algumas idéias do roteiro, que são óbvias ao extremo já na metade do filme - mas isso pouco interessa ao seu público cativo, que irá embarcar no conto de fadas de “Falando Grego”, e que vai rir de muitas de suas tiradas sobre os costumes gregos, agora “in loco”. Sua guia de turismo para os tours em Atenas, que precisa conviver com todo o tipo de turista e busca o amor e a felicidade profissional é uma desculpa para, mais uma vez, flutuar em torno de coadjuvantes que são os verdadeiros donos do filme, que validam a trajetória de sua personagem - uma trajetória que é óbvia, escancarada e desde os primeiros minutos, tem seu destino decidido e afirmado. A única questão é como ela conseguirá o que busca.

“Falando Grego” vai agradar seu público alvo, mas Vardalos precisa mostrar se tem algo a dar fora do terreno seguro de sua Grécia natal. Vai chegar um momento em que o estoque de piadas sobre o país vai se esgotar e não vai restar nada senão ela fazer piada sobre as piadas que ela fez anteriormente.

Daney e a arte de escrever sobre cinema

Escrito por Fábio Rockenbach


Um pequeno exemplo da razão por que Serge Daney é tão idolatrado por críticos da velha guarda - muitos da nova geração não conhecem seus trabalhos. Daney se mostra, no texto abaixo, assustado pelo fato de ter largado de mão “8 1/2″ de Fellini para permanecer absorto em frente à televisão assistindo a “O Veredito”, filme do começo dos anos 80 de Sidney Lumet que tem como principal atração a atuação depressiva e melancólica - acrescenta-se o “ótima” - de Paul Newman. Daney não gosta do filme, diz que é “mal filmado, mal contado, tudo” mas é absorvido. Assiste até o fim e tenta teorizar do porquê, de tentar entender encaixar na sua linha de raciocínio as razões de a televisão e sua programação pobre absorverem o público.

No fim, uma palhinha de porquê ele foi um dos grandes críticos de cinema: ele se apega a uma cena em particular de “O Veredito”, simples, despercebida para quase todos, para analisar de forma sucinta de uma forma que poucos conseguiriam fazer. Daney foi ótimo. A cortesia é do “Dicionários de Cinema“, que há um bom tempo vem traduzindo o que há de bom nos escritos sobre cinema do século passado.

26 Março 1988 – Ontem, entre a tarde e a noite, em frente à TV. Abandono rapidamente 8 ½, mesmo que nunca o tenha visto, mas me exaspera e me pego assistindo até o fim um filme que objetivamente acho mal feito, mal contado, mal tudo: O Veredicto de Sidney Lumet. Esquizofrenia da televisão: nós não só assistimos o que não é bom (não é bem feito), mas nós vemos até melhor do que no cinema (edição, por exemplo), e mesmo assim nós preferimos ver um filme mal feito do que um bem feito. Ou ainda: os conceitos de “bem feito” e “mal feito” não são relevantes na televisão. Ou o filme tem uma força tamanha que se impõe ou nós estamos na relatividade de um mundo de imagens, numa banheira do imaginário, onde tudo é interessante. Isso depende do clima do momento. Ontem eu preferi assistir Mason e especialmente Newman compondo com idade, com tudo. Lumet é o arquetípico cineasta que filma do ponto de vista de ninguém, portanto com uma eficiência abstrata, tão abstrata que é reduzida ao nonsense de roteiro. Ele acelera quando não há razão pra isso. Um belo momento. Newman finalmente encontrou a enfermeira que “sabe” o que aconteceu. Ela cuida de crianças em Chelsea. Ela tem uma bela face de santa de sindicato. Ela está no playground; Newman, que chegou de Boston, está abordando-a desajeitadamente. Close-up no bilhete Boston-Nova Iorque, que cai de seu bolso. E lá, um pequeno truque do velho Lumet, um pouco da verdadeira velocidade: contracampo em Newman que não está mais aparecendo: “Você vai me ajudar?” Ela vai ajudá-lo, não porque o roteiro exige isso, mas porque nós fomos colocados no lugar dela (pela mise en scène) e ela no nosso, e porque o desejo de que ela o ajude foi inscrito no filme. Coisas velhas mas existentes, pelo amor de Deus!
O exemplo do filme de Lumet, uns dias atrás (“Você vai me ajudar?”) soma tudo isso. É impuro ( ou pouco refinado) mas suficiente. O plano de Newman – de um Newman que pede ajuda e pede duas vezes: para o outro personagem (off) e a mim que – por um instante – fui capaz de me colocar no filme no lugar desse personagem ausente da imagem. E ele será ajudado duas vezes: no roteiro e por mim (neste momento, eu aceito seguir com o filme, e então fazê-lo funcionar

O Demônio da Noite

Escrito por Fábio Rockenbach

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A idéia de um filme quase de “não-ficção” em uma produção de estúdios seria ousada em termos de retorno nas bilheterias hoje. O que dirá de 1948, quando “O Demônio da Noite” foi produzido e lançado pelo Eagle-Lion, pequeno estúdio britânico que se especializou em pequenos filmes “B”, alguns com notável valor artístico, e foi encerrado em 1954. Assisti “O Demônio da Noite” há duas semanas, mas somente neste final de semana me lembrei do filme quando vi “Um Certo Capitão Lockhart”, de Anthony Mann. O fato é que Mann seria o diretor não-creditado que responde por “O Demônio da Noite” - e a magnífica cena final nos esgotos de Los Angeles seria um belo indicativo de que Mann assina pela produção, efetivamente, mais do que Alfred Werker.

Há três elementos que se sobressaem em “O Demônio da Noite”. O primeiro deles é a fotografia em claro-escuro que marcou o cinema noir, mas Werker ( ou Mann ) não utilizam o contraste para acentuar nenhuma personalidade, nenhum personagem ou nenhuma intenção: é apenas um estilo que, num todo, não traz implicações na compreensão dos elementos do filme. Richard Basehart faz isso por si próprio, criando um personagem - o assassino procurado pela polícia - baseado em uma personalidade inconstante e imprevisível ( mas é bom ressaltar o belo trabalho de profundidade de campo que Orson Welles revolucionou em 1941, e que Werker - ou Mann - trabalham de forma eficiente, apesar de vazia de significado, em muitos momentos )

O segundo elemento é a frieza trazida pela decisão de fazer, do filme, quase um documentário sobre o processo de investigação forense da polícia atrás de seu assassino - baseado em um caso real ocorrido nos anos 40 em Los Angeles. Esse processo também sucumbiu ao tempo, não como estilo de narrativa, mas como elemento da narrativa: é ingênuo e documental demais, principalmente em seu argumento.

O terceiro elemento é o senso de urgência que, mesmo na frieza, gera sequências que definem o que há de melhor no filme: sua técnica. O cerco à casa do assassino, após um policial se disfarçar de entregador de leite, e a climática sequência final - já se comentou de como ela decorre dos clímax dramáticos de filmes dos anos 30 - nos esgotos de Los Angeles são cenas marcantes demais para relegarem ao filme o papel de obscurantismo que ele ganhou com o passar dos anos. A ironia é que, se fosse assinado por Anthony Mann, seria lembrado como um passo fora da estrada do diretor, mas um passo bem dado. Como é assinado por Werker, é um filme “interessante” mas relegado ao esquecimento.

Não é uma obra-prima, mas mostra como o talento pode fazer a diferença, mesmo tocando de leve a superfície.

Os homens que dizem Nii

Escrito por Fábio Rockenbach

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O humor nunca mais foi o mesmo depois de 05 de outubro de 1969, quando um sexteto anárquico e irreverente surgiu pela primeira vez na televisão britânica. O “Monty Python” revolucionou o humor unindo sarcasmo e diálogos cortantes durante 4 anos, invadiu o cinema com duas obras-primas nos anos 70 e deixou um legado que foi mal mantido: o humor tornou-se visual e o besteirol descerebrado tomou o lugar das referências culturais. Uma pena, mas o original está ao alcance de todos.

Digam “Nii!!” em uníssono na próxima segunda, fãs da comédia. O dia 05 de outubro é a data em que o humor mundial alcançou a maioridade, que o humor moderno começou a engatinhar e, ironicamente, em que ele também começou a morrer - porque basta surgir para que se esteja datado para, um dia, ser (mal) imitado, e se tornar lugar comum.

O dia 05 de outubro marca a primeira aparição do grupo inglês Monty Phyton na televisão britânica, com o irreverente “Monty Python’s Flying Circus”, o show de comédia televisiva que inaugurou o que ficou conhecido como “humor britânico” - e o momento em que nasceu as bases do humor que tem¬perou coisas como “TV Pirata”, “Casseta & Planeta” e os filmes dos irmãos Zucker e Abrahams nos anos 80 ( Top Secret, Apertem os Cintos o Piloto Su¬miu e Corra que a Polícia vem Aí). A receita implantada pelo Monty Python acabou se deturpando pela mediocridade, deu origem ao besteirol, tornou-se dependente ( e muito ) do humor visual e deixou de lado o humor verbal e inteligente, marcas do grupo. Não são poucos, hoje, os que não entendem o humor do Monty Python. É um reflexo de uma criatura que eles próprios criaram e que foi sendo transformada para pior.

Como série televisiva, “Monty Python’s Flying Circus” consistiu de 45 episódios divididos em 4 temporadas que ampliaram a influência do grupo para outras mídias. Durou de 1969 a 1974, e o impacto do sexteto se expandiu também com a invasão dos cinemas a partir de “Monty Phyton e o Cálice Sagrado”, de 1975, e “A Vida de Brian”, de 1979, as obras-primas do humor que se elevam na filmografia que tem momentos irregulares, como “O Senti-do da Vida” e “Ao Vivo do Hollywood Bowl”. Separados, Eric Idle, Graham Chapman, John Cleese, Michael Palin, Terry Jones e Terry Gilliam investiram em outros filmes como “Erik, o Viking” e “Um Peixe Chamado Wanda”. Nada comparado ao impacto do humor anárquico exercitado nos 4 anos da série e nas duas obras dos anos 70: o número de gags por minuto é incomparável em produções onde os Phyton’s brincam até mesmo com a precariedade das produções.
Em “A Vida de Brian”, eleito pela Tottal film, Channel 4 e Channel 5 a melhor comédia da história e o 6º melhor filme britânico de todos os tempos, o grupo brinca com dogmas católicos ao colocarem um pobre coitado sendo confundido com Jesus Cristo desde o momento em que nasce até sua morte. “O Cálice Sagrado” tira onda de personagens caros à história mitológica britânica. Nada que importe para eles: as risadas do público sempre soaram mais altas do que qualquer protesto. Seguem soando ainda hoje, 40 anos depois. Digam “Nii!!” então, na segunda-feira. O grupo completa 40 anos de humor…

O MELHOR DO PYTHON

A PIADA MAIS ENGRAÇADA DO MUNDO
A piada mais engraçada do mundo mata qualquer um que a lê, e é até usada no cam¬po de batalha da segunda guerra mundial. Um dos mais famosos quadros do grupo, presentes no primeiro episódio do programa.





FUTEBOL DOS FILÓSOFOS
Brilhante esquete que coloca em um cam¬po de futebol pensadores alemães contra os pensadores gregos: Kant, Marx e outros enfrentando Platão, Sócratos, Aristóteles e cia, em um jogo arbitrado por Confúcio. Os comentários - “O time alemão destruiu o meio campo inglês de Bertrand, Locke e Hobbes no jogo passado” - são geniais para quem aprendeu alguma coisa sobre os grandes pensadores.






DÉJA VU
O apresentador de um programa científico começa a falar sobre porque sentimos a sensação de “Déja Vu” e… bom, só assistindo. Filmes como “Feitiço do Tempo” surgiram baseados no que se vê aqui – e o final é hilário.





O HOMEM QUE TERMINA AS SENTENÇAS
- Um esquete do Monty Python sobre um homem que ajuda as pessoas a…
- …terminar suas sentenças?
- Sim, obrigado.






COMO NÃO SER VISTO
O Monty Python mostra os segredos para não ser visto, sob uma narração que apresenta paisagens onde as pessoas “não estão”




Harryhausen é eterno

Escrito por Fábio Rockenbach

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Quem coleciona filmes precisa, desde o início, pensar em algumas questões logísticas: a idéia é criar uma coleção de respeito, como uma biblioteca, ou apenas um pequeno amontoado de DVDs guardados na estante da sala? Se a escolha é pela primeira opção, existe espaço para essa coleção respeitável ou por hora ele é limitado?

No meu caso, é limitado. Desde o início priorizei títulos mais difíceis de se achar a qualquer momento em alguma locadora. Mesmo assim, depois de 8 anos, quase mil filmes se tornaram um estorvo. Falta espaço.

O lado bom é que, como diz um conhecido, “sou eu quem escolhe, define a programação e assisto à meu canal particular de filmes”. Tenho programado para mim mesmo algumas “sessões” específicas de alguns temas. Para algumas delas, estou buscando filmes que não tenho - e a internet é ótima para isso. Tenho 3 conhecidos, um aqui no estado e outros 2 no Paraná, com quem costumo gastar alguma grana mensal nos correios trocando raridades. A busca da hora é pelo “Manuscrito de Saragoça”, filme polonês doido dos anos 60, e dois filmes de terror mais obscuros, “Haxan”, da década de 20, e um filme russo chamado “Vij - O Espírito do Mal”. Está difícil.

Mas a sessão do próximo final de semana está programada - trabalhando 14 horas por dia, meu programa no final de semana tem sido me largar em frente à TV, deitado no sofá. O ciclo de filmes de terror dos anos 60 e 70 está engatilhado, mas vi um vídeo no YouTube no final de semana sobre Ray Harryhausen e me bateu aquela saudade dos bons filmes de monstros criados com a ajuda desse mestre.

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“Sinbad e o Olho do Tigre” é o que mais me marcou a infância, apesar de que “Jasão e o Velo de Ouro” ( as duas cenas acima ) , e aquela cena da luta contra os esqueletos, ser meio icônica para Harryhausen. O gigante de bronze Talos, da ilha dos Deuses, despertado pela inconseqüência de Hércules, já foi considerada a melhor criação do stop-motion da história do cinema. A perseguição do gigante de bronze aos argonautas na praia e no mar é uma das cenas mais famosas do filme, outro pilar na carreira de HarryHausen.

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Os dois formam com “Fúria de Titãs”, meu preferido de sempre, a trilogia básica, algo como “conheça Harryhausen em 4 horas e meia”. “Fúria de Titãs” ( acima, a Medusa criada por Harryhausen, protagonista da mais tensa cena do filme) apresenta Laurence Olivier como Zeus, Maggie Smith como Thetis e traz o último dos Titãs, Pégasus, o unicórnio alado, as irmãs bruxas, escorpiões gigantes e corujas mecânicas (!!). É o sopro derradeiro de harryhausen, já nos anos 80, e jóia demais de assistir. Está com uma refilmagem sendo concluída nesse exato momento, com tudo para ser um filmaço se respeitar a diegética desse tipo de filme, que as produções de antigamente conseguiam fazer como nenhuma outra.

Fã dos trabalhos de Willis O’Brien em King Kong (1933), Harryhausen, nascido em 1921, se tornou a referência maior na criação de monstros, criaturas e efeitos especiais animadas por stop-motion em todo o século do cinema. Um cavalo alado, um cíclope, uma estátua de bronze gigante, uma medusa, monstros mitológicos, aves gigantescas, dinossauros, tigres dentes-de-sabre, polvos gigantescos destruindo a ponte golden gate, tudo o que se pudesse imaginar durante 40 anos no cinema americano, B ou A, ganhou vida pelo talento de Harryhausen, em tempos sem CGI ou computadores criando mundos e criaturas impossíveis. Tudo era no braço, moldados e animados por Ray.

Além deles, tenho “The 7th Voyage of Sinbad”, que considero (muito) fraco em comparação aos outros, e pérolas do cinema de horror e ficção dos anos 50: “O Monstro do mar Revolto”, “Mil Séculos Antes de cristo”, “A Ilha Misteriosa”. Todos eles deliciosos, dentro daquele contexto de monstros destruidores em animações quadro-a-quadro que fazem a delícia dos saudosistas, madrugada adentro. Mais autênticos na sua ingenuidade do que os filmes de monstro da atualidade.

Harryhausen, aos 88 anos, está vivinho. Merece homengens em vida - não que ele não seja reconhecido e lembrado constantemente. Talvez Miike tenha que esperar ainda mais. Harryhausen está batendo à porta para voltar no final de semana lá em casa… “Sinbad e o Olho do Tigre”, “Jasão e os Velocino de Ouro” e “Fúria de Titãs” deverão ser a diversão do fim de semana, à base de pipoca e refrigerante. Se chover, melhor ainda…