Desafio à Corrupção

Escrito por Fábio Rockenbach

( The Hustler, EUA, 1961 )
Direção de Robert Rossen, com Paul Newman, Jackie Gleason, George C. Scott, Piper Laurie




O que diferencia um vencedor de um perdedor? A coragem de arriscar ou a hora de saber parar? Eddie “Fast” Felson é um perdedor nato: tem tudo para ser o maior dos vencedores, mas não tem personalidade para saber, simplesmente, porque está jogando. É um personagem que surgiu despretensioso, e permanece despretensioso, ainda que seja um dos melhores personagens já surgidos para um ator no cinema. Paul Newman encarou Eddie Felson muito jovem, e quando vestiu a pele do personagem, vestiu uma criação que à primeira vista poderia ser de Brando, Dean, ou qualquer ator do famoso método do Actor’s Studio. Mas nenhum dos citados teria o que Newman esbanja no filme de Robert Rossen: a fome com que devora cada gesto, cada palavra, cada movimento de um notável perdedor. Eddie Felson, jogador de sinuca obcecado em vencer o lendário “Minesotta Fats”, seria um prato cheio para qualquer ator. Nem todos poderiam dar tamanha personalidade à ele sem soarem artificiais. Dos salões de bilhar espalhados pela noite à cama de Sarah Parkland, ele jamais deixa, nem por um minuto, de ser o personagem repleto de conflitos, absolutamente digno de pena e ao mesmo tempo admirável em uma falsa autoconfiança que precisa ser controlada.

E o que faria de Eddie um vencedor? O dinheiro e a glória, como pensa o jogador Bert Gordon de um também admirável George C. Scott, ou Felson só será um vencedor quando entender, afinal, qual a razão de jogar?Decadência, perversão e falsidade impregnam “Desafio à Corrupção”. É um filme melancólico, mas que esconde por trás da aparente incredulidade e falta de perspectivas a mesma matéria-prima que Martin Scorsese usou para retomar o mesmo personagem 25 anos depois em “A Cor do Dinheiro”. Nada melhor do que assistir um filme logo após o outro para perceber como Scorsese não fez apenas uma continuação: fez praticamente uma refilmagem, com uma reversão de papéis e uma releitura que justificam o primeiro filme. Eddie, o talentoso perdedor, Bert, o sanguessuga, Sarah, a impotente alcoólatra que só pode observar a queda, sendo arrastada junto. “Eles usam máscaras, e sob elas eles são pervertidos, degenerados e aleijados!” diz ela a Eddie, após pedir a ele que nunca mais se humilhe. São as mesmas palavras que ela escreve no vidro do banheiro como recado ao amante. E ainda que em meio ao whisky, ao cigarro, aos salões de bilhar vagabundos e às bebedeiras, o filme de Rossen deixa sempre uma brecha para que seu protagonista aprenda as mesmas lições que ele tentará passar a um jovem que é praticamente sua imagem e semelhança, em outro filme, 25 anos depois.

Felson encontra as respostas para tudo o que buscava no chão de um quarto de hotel. Após isso, tudo se resume a uma frase. “Aposte em mim Bert, eu não posso perder.” Para quem teve que perder muito para saber o que é vitória, não há mais derrotas possíveis.

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