Batman - O Cavaleiro das Trevas

Escrito por Fábio Rockenbach

( The Dark Knight, EUA, 2008 )
Direção de Cristopher Nolan, com Christian Bale, Heath Ledger, Aaron Eckhart, Michael Caine, Gary Oldman, Morgan Freeman, Maggie Gyllenhaall


- O que fizeram em Burma para prender o ladrão escondido na floresta?
- Nós queimamos a floresta.




O bem e o mal são metades que se completam. Uma não vive sem a outra e, mais do que isso, uma é responsável pelo surgimento da outra. O mal faz com que homens usem máscaras para provocar o medo nos criminosos. O homem da máscara faz com que surjam psicóticos deformados para viver em função dele. O confronto dos dois põe em dúvida se o mal não é inerente a todos, precisando apenas ser provocado para despertar. É em torno dessa idéia instigante que se desenvolve a trama de "Batman - O Cavaleiro das Trevas", possivelmente o melhor, mais adulto e mais inteligente filme de heróis que o cinema já apresentou.

É talvez o filme com mais locações diárias de todas as adaptações de Batman, e que usa, desta vez, uma cidade real, e não uma criação em estúdio para simbolizar Gotham City. Um dos méritos da continuação de Batman Begins, filme que reiniciou e remodelou a saga do homem-morcego no cinema, é a consistência do roteiro do diretor Cristopher Nolan, seu irmão Jonathan Nolan e de David S. Goyer. O trio coloca Batman em uma cidade que aprendeu a amá-lo e a odiá-lo, mas que é dependente dele. Bruce Wayne/Batman vê no promotor Harvey Dent um possível "herói com rosto" para a cidade que o faça largar a máscara e o uniforme, mas o surgimento de um personagem doentio e inexplicado, o Coringa, pode colocar uma pá de cal nos sonhos do herói e, de quebra, plantar várias dúvidas na sua cabeça.


"Você morre como herói, ou então vive o tempo suficiente para se tornar o vilão"

O trio de roteiristas segue a diretriz do filme anterior de inserir realidade em uma estória que soaria absurda na vida real, mas torna-se perfeitamente palpável. E talvez o maior mérito seja o de respeitar a todos seus personagens, e dar essa consistência a todos: Alfred ( Michael Caine ), Gordon ( Gary Oldman, fantástico ator ) , Lucius ( Morgan Freeman ) e até Rachel ( agora com Maggiue Gyllenhaal no lugar da insossa Katie Holmes ) são mais do que meros coadjuvantes de luxo. São peças importantes contando uma estória onde o herói é o coadjuvante, mas no bom sentido: o centro da discussão não são as ações de Batman limpando a cidade do crime, mas de até quando será necessário que Bruce Wayne coloque a máscara quando, muitas vezes, ele é um reflexo melhorado dos vilões que persegue.

É nesse ponto que se justifica a importância de escolher grandes atores para personificar os peões dessa trajetória, o psicótico Coringa ( Heath Ledger ) e o promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart ), duas faces de uma mesma moeda que ganham vida em duas brilhantes atuações, principalmente a de Ledger: o ator, falecido pouco depois das filmagens, estaria colhendo merecidamente os louros de sua personificação do Coringa, que é brilhante. Ele dá vida à idéia central de que o mal não vive sem o bem, e um provoca o outro. A partir do momento em que um homem coloca uma máscara para limpar a cidade, de qualquer maneira, ele acaba iniciando uma cadeia de acontecimentos. É o que explica o próprio Coringa ao Batman. "Você mudou as coisas, nada vai voltar a ser como era." sentencia o vilão. O Coringa de Heath Ledger assemelha-se ao personagem dos quadrinhos da novela "Asilo Arkham": é fruto ( e causador ) do caos, sem razões óbvias, que façam sentido. É um pária, um reflexo sombrio do que ele julga ser a natureza de todo ser humano, mesmo dos heróis. Seu único objetivo é mostrar que um pouco de caos é tudo que é necessário para fazer aflorar o lado mais deprimente da natureza humana. "Sou um mero veículo do caos" explica ele a um deformado Harvey Dent, deixando claro querer que Batman prove que, no fundo, eles são iguais.

"Eu não quero matar você. Você é divertido. Acho que eu e você estamos destinados a fazer isso para sempre."

A Câmera que acompanha o Coringa, em várias ocasiões, é trêmula, nervosa, um reflexo do estado de espírito do vilão. O filme, à medida que passa o tempo, também tende a se tornar mais escuro, sombrio, como o interior dos personagens. Nesse tratamento, a trilha sonora de James Newton Howard e Hans Zimmer alterna constantes batidas com momentos em que torna-se quase psicótica em seus ruídos. São elementos separados que, juntos, formam o todo admirável da visão de Cristopher Nolan. Batman não é um filme de heróis: é quase um drama policial onde seus personagens, não claramente definidos em sua natureza, usam uniformes e maquiagens. Onde o público não sabe ao certo até onde termina o lado bom e começa a natureza maléfica. Onde todos têm, de certa forma, pecados a confessar ( a discussão ética entre Lucius e Batman sobre o monitoramente dos cidadãos de Gotham mostra que mesmo o herói tem dilemas éticos mal resolvidos ).

"O que não te mata, te torna mais... estranho"

O que torna "O Cavaleiro das Trevas" um filme mais amplo é a maturidade no tratamento dos personagens como seres humanos e não meros rabiscos de lápis no papel - e a meia hora final amplia esse escopo. Não são poucas as frases que logo vão se tornar figurinha fácil na mitologia de Batman no cinema - a maioria delas na boca do Coringa e de Dent. De certa forma, Nolan comprova que a grande força do universo do herói está justamente nos reflexos sombrios dele, os vilões que surgem derivados da sua existência. Sem eles, Batman seria apenas um playboy brincando de artes marciais e atraindo seguidores ( pequena lembrança da graphic novell de Frank Miller, no começo do filme ). É o que prova a cadeia de eventos no final que põe uma pá de cal sobre as mazelas, disfarçando mas não resolvendo os problema.

O grande apelo do arauto do bem (!?) está no reflexo negro que ele enxerga no espelho.

4 Comentários:

  1. Pedro Henrique Gomes disse...

    Também acho O Cavaleiro das Trevas o melhor Batman até agora. Ledger é meu candidato ao Oscar, pelo menos por enquanto!

  2. Robson Saldanha disse...

    Faço das palavras de Pedro as minhas. Ledger está fantástico mas acho que das indicações o Oscar não para por aí. Direção acredito ter chance, assim como fotografia e maquiagem. Um filme excelente!

  3. Otavio Almeida disse...

    Excelente esse diálogo sobre Burma e o ladrão que queria ver o circo pegar fogo. Mas sao tantos bons dialogos que eu nem sei qual e o melhor.

    Enfim, acho um filmaço! Irretocavel!

    Abs!

  4. pseudo-autor disse...

    Visceral! Nolan reinventa o cinema de super-herói e força os diretores de futuras adaptações dos quadrinhos a se reformularem. Imperdível para fãs do homem-morcego ou não. Ledger nos deixa órfãos de talento (droga, nunca mais poderemos ter a honra de vê-lo atuar).

    Mídia e cultura:
    http://robertoqueiroz.wordpress.com