Dança com Lobos

Escrito por Fábio Rockenbach

( Dances with Wolves, EUA, 1990 )
Direção de Kevin Costner, com Costner, Mary McDonell, Graham Greene


Sinceramente eu não entendo porque alguns filmes tornam-se desprezados, com o passar dos anos, como se gostar ou elogiar suas qualidades fosse tornar alguém inferior intelectualmente. O curioso é que esse tipo de fenômeno acontece com filmes imensamente populares. Há um certo desprezo ao sucesso, à popularidade. É como se filmes assim se tornassem de tal forma comuns que perdessem suas qualidades justamente por não ter nada novo, ou que outros não conheçam. Eu preciso admitir que sou um bastardo de coração mole que adora ser enganado pelos sortilégios do cinema: as belas imagens, a música triunfal, uma história que só caberia em uma tela, grande ou pequena. Mas a racionalidade costuma falar mais alto quando o espetáculo acaba e a emoção cessa. Em alguns casos, porém, essa manipulação fdp das emoções é acompanhada com conteúdo... Cinema sempre foi emoção, mais do que razão ou discursos psicológicos, no meu entender. É por isso que a cada vez que revejo “Dança com Lobos”, me deixo levar por uma história engrandecedora, por uma trilha sonora maravilhosa e por paisagens que parecem explodir da tela. Se carroças cortando o oeste diminutas na vastidão do deserto ou homens a cavalo andando ao pôr-do-sol, com uma trilha imponente ao fundo, é a repetição de mais do mesmo, que m.... Kevin Costner conseguiu ser mais do mesmo com uma competência assustadora.

A essa altura, acredito ser pouco necessário falar muito da história de John Dunbar, tenente do exército confederado, durante a Guerra da Secessão, que tenta se matar durante um combate e acaba, involuntariamente, tornando-se herói de guerra. Como recompensa, acaba sendo transferido, por pedido dele próprio, a um posto na fronteira do oeste americano. O lugar é esquecido por Deus e os homens, e Dunbar descobre que não há ninguém lá, apenas ele. Ele e os índios que habitam a região, com quem inicia uma relação marcada pela desconfiança, a curiosidade, descobertas e admiração. Existe um ponto fraco em Dança com Lobos, sim, e é a história de amor envolvendo Dunbar e “De pé com Punhos”. Não que ela não pudesse existir. Mesmo que soe clichê, essa história de amor tem suas lições. A principal delas vem de um esplêndido Graham Greene, pai adotivo da moça, ao ouvir dizer que eles estão apaixonados: ” Faz sentido, eles são iguais” . Em “Dança com Lobos”, Costner adapta em 3 horas de filme um bom livro de Michael Blake, que não tem a metade da competência do filme que originou. Mas Blake auxiliou no roteiro, o que foi crucial para que Costner se sentisse à vontade para produzir um western – gênero em decadência em 1990 – com mais da metade dos diálogos falados em Sioux ( a recíproca é interessante quando se sabe que Costner, 4 anos antes, foi quem encorajou Blake a escrever o livro, que durante dois anos foi rejeitado pelas livrarias. )

Mesmo que a história de Blake seja boa, ela não seria percebida se não fosse transformada em filme. Porque Costner fez de “Dança com Lobos” uma obra marcante em termos cinematográficos. Convenhamos, acompanhar a história de um personagem que passa a maior parte do tempo conversando com seu cavalo e brincando com um lobo não é tarefa das mais fáceis. Mas na época em que filmou “Dança com Lobos”, Costner era o maior astro do cinema americano – e se há uma característica peculiar no ator é que ele envolve facilmente a platéia em torno de seu carisma na maioria dos seus filmes. A rigor, a história de John Dunbar divide-se em três partes. A primeira delas, que narra as descobertas do homem – com o território, com os índios e consigo próprio, como ele narra nas páginas do seu diário – é a mais interessante e envolvente delas. O terceiro ato é o mais fraco: representa a quebra de um paraíso idílico pela presença do homem branco, mas representa também o quão brilhante é a construção desse cenário irreal, porque nos sentimos quebrados ao meio, da mesma forma que Dunbar. Criar essas emoções no espectador não é tarefa fácil, ela cabe às obras realmente diferenciadas. E por mais que haja defeitos no ritmo de Dança com Lobos – e o alongamento da estória de amor é o maior defeito, porque rompe com um estilo narrativo que era vitorioso até então para se concentrar em uma história fragmentada – o resultado final é harmonioso, mesmo que em alguns momentos soe verdadeiramente manipulador e forçado ( e repare como os homens brancos que surgem no "horizonte perdido" de Dunbar são porcos, sujos e fedorentos. Costner usa a expressão exterior para denotar a alma suja, e não poupa nem os "bons" homens brancos que cruzam nesse processo, que terminam vítimas do conceito comum que os índios têm da raça )

Não por acaso, a imagem que fica no inconsciente não é das relações com os índios, dos conflitos com inimigos ou o homem branco – nem mesmo da espetacular seqüência da caçada de búfalos, uma das grandes cenas do western e da história do cinema, livremente inspirada (homenageando) a seqüência do estouro da boiada do clássico Rio Vermelho. O que fica no inconsciente são as cenas de Costner perdido na vastidão do deserto, sozinho, entremeado por composições de cena belíssimas, épicas, e uma trilha sonora não menos que grandiosa de John Barry ( e ao contrário de outras trilhas que influenciam no filme de forma gratuita, a trilha de Barry é parte dessa jornada, ajudando a contar o filme pelo espírito que o personagem principal é apresentado ). Não por acaso a melhor das composições dessa trilha monstruosa não é nenhum dos temas famosos, como “John Dunbar Theme” e “Buffalo Hunt”, mas “Two Socks”, música tema do lobo que Dunbar encontra e aproxima-se em seu acampamento. É um dos mais singelos, simples e arrebatadores momentos de Barry no cinema. Só poderia ser surgido em um grande momento do cinema na década de 90.

PS: Sempre haverão aqueles que se sentirão órfãos de Scorsese e de “Os Bons Companheiros” que perdeu o Oscar em 1990 para “Dança com Lobos”. Vai um recado: não é preciso desmerecer um grande filme porque outra obra-prima foi preterida. E “Dança com Lobos” é cinema de primeira qualidade.

PS2: Faltou aquela meia estrela lá em cima porque ainda não tive a chance de ver a versão de 237 minutos que Costner lançou anos atrás. De tudo que ouvi, os acréscimos deixaram a dança perfeita. É essa a versão que ainda preciso ver para saber se as quebras no ritmo do filme acabaram acontecendo exatamente pela necessidade de reduzir a metragem para um nível mais aceitável comercialmente.


6 Comentários:

  1. Victor Barreto disse...

    Nossa Fábio, as vezes fico espantado como algumas coisas batem entre os nossos gostos. Tenho o DVD de Dança com Lobos guardadinho na minha estante pra revisar ao menos uma vez por ano a história do John Dunbar.

    E é incrível, tudo no filme satisfaz, nem mesmo os vilões homens brancos sem muitas dimensões atrapalham a experiência. Mas o que fica realmente são aquelas cenas de um homem solitário, que aproveita cada minuto de sua situação. Kevin Costner pode ser um imbecil como dizem, mas justificou a sua carreira nesse filme (e em alguns outros tb, inclusive Pacto de Justiça, mas esse aqui é o ápice).

  2. Fábio Rockenbach disse...

    Certamente,. Aliás, a lembrança de Pacto de Justiça é oportuna, quero escrever sobre ele porque acho que é ( extremamente ) subestimado

  3. Anônimo disse...

    É interessantíssimo esse fenômeno de se riicularizar filmes por se tornarem populares, coisas de pessoas que não entendem de cinema mas sim de um modismo cult exacerbado... Parabéns pela resenha...

  4. Pedro Henrique Gomes disse...

    Talvez eu seja o único blogueiro que não é tão fã de Dança com Lobos.

    Mas não me entenda mal, eu acho um filme muito bom, só não acho toda essa obra-prima. Inclusive tenho o dvd também.

    Abraço!

  5. Isabela disse...

    Um Clássico!

  6. Unknown disse...

    Olha trabalho em uma locadora a 3 anos acho q nunca deixei de assistir dança com lobos ao menos uma vez na semana.. é um filme maravilhoso com uma trilha sonora invejavel....