Tubarão

Escrito por Fábio Rockenbach

( Jaws, 1975 - EUA )
Direção de Steven Spielberg, com Roy Scheider, Richard Dreyfuss, Robert Shaw

“Tubarão” é um filme que tem assegurado seu lugar na história do cinema por dois motivos: o primeiro é comercial, já que o filme é um ponto chave na linha do tempo do cinema. Originou o termo “blockbuster”, criou o conceito de filme-fenômeno, gerou filas intermináveis em torno dos cinemas, foi febre no verão americano e deixou vazias as praias da Califórnia em 1975. Esta é a importância marcante para a história do cinema. Mas ele seria apenas isso, um ponto na linha do tempo, se não fosse, sobretudo, um filme espetacular que, mesmo datado na ambientação, no vestuário e no visual, sobrevive ( e sobreviverá ) ao tempo – e às sofríveis continuações e deturpações -por suas qualidades.
Steven Spielberg não queria dirigir “Tubarão”. Ainda em começo de carreira, aceitou a incumbência funcionando mais como um operário do que, propriamente, um autor. Nem poderia: ele havia entregue apenas Encurralado”, em 1972, feito para a TV, e um ano antes filmou “Louca Escapada” com Goldie Hawn. Já no tempo em que pisou no set de “Tubarão” Spielberg tinha em mente histórias mais avançadas sobre contatos alienígenas, mas não tinha ainda o cacife para bater na porta de algum estúdio querendo assumir a direção de filmes mais caros. Precisava ser um operário. Nesse ponto, “Tubarão” marca a carreira do diretor por ser, de certa forma, o filme de seu amadurecimento: pessoal e junto á indústria. Também marca o filme da virada para John Williams, que parece ter descoberto que os temas mais simples são aqueles que conquistam o público. Não por acaso, as músicas temas de “Star Wars”, “Superman” e “Indiana Jones” podem ser resumidas em poucas notas. Mas o que ele fez aqui é absurdo: uma repetição em nível crescente de duas notas conseguiu se tornar eterna.



Adaptado do best-seller de Peter Benchley, o filme da Universal foi um mar de problemas – desculpem o trocadilho infame – que marcou o amadurecimento de Spielberg em meio a problemas e dores de cabeça. Mesmo atuando como diretor contratado, percebe-se que havia na mente de Spielberg a inquietude de um jovem cheio de idéias. É essa fase do diretor que traz saudade, quando ele abdicava de simples planos para, com criatividade, criar novos conceitos. O que Spielberg fez em “Tubarão” é um misto genial de frescor visual – ainda hoje – com um roteiro absolutamente fabuloso. O frescor visual está na maneira como o diretor usa de sua câmera para tornar o espectador cúmplice do lado fraco nessa história. E o lado fraco na história do Tubarão que ataca um balneário californiano instaurando o terror é o chefe de polícia local, Martin Brody. Quando a situação torna-se insustentável, em pleno auge do verão, Brody parte com um perito, Matt Hooper, e um caçador, Quint, para matar o animal em alto mar.
O mérito desse citado frescor visual surge em cenas simples, como quando Brody está sentado na praia – e a câmera aproxima-se dele com cortes criados pela passagem de pessoas em frente a ele, denotando agilidade e tensão – ou no momento em que, aos poucos, ela acompanha o aumento da urgência com que o policial começa a se preocupar com o próprio filho (“Michael está no canal.” avisa a esposa dele, quando sabe que o tubarão foi visto no lugar.) É à medida que Brody começa a acelerar o passo que a câmera o acompanha, com a mesma urgência, em meio à multidão. Spielberg, ainda novo, também conseguiu unir esse trato visual apurado, fruto da experimentação de um jovem, com momentos em que o roteiro de Benchley e Carl Gottlieb proporcionam para aproximar o atormentado xerife da platéia ( a troca de gestos e olhares com o filho durante o jantar é um exemplo clássico ).



Mas por mais que o citado suspense com a aparição do tubarão – que na verdade foi fruto dos problemas com o animal mecânico criado para a produção, e acabou se tornando uma das melhores coisas do filme ( o tubarão aparece apenas depois de uma hora de filme e Spielberg trabalha a ameaça apenas com a sugestão ) – seja um dos mais alardeados pontos positivos do filme, está nos seus personagens o frescor que faz de Tubarão mais do que um bom filme de suspense, mas uma grande diversão. Pauline Kael chamou o filme de “perversa comédia”. Esse é o ponto que se manterá intocado, não importa em qual época o filme seja visto ou revisto. Ao comentar a observação de que era estranho um homem com medo de entrar na água ser xerife de uma cidade em uma ilha, Brody responde que “Só é uma ilha vista do mar.” Toda a sequência em que Quint fala sobre o USS Indianápolis é uma inteligente pausa no ritmo do filme que, em vez de quebrar a narrativa, prepara o público para o que está por vir e explica mais sobre o caçador turrão sem ser enjoativo, unindo – e esta é a proeza – tensão, suspense e até humor na seqüência ( e a forma como o roteiro parte do humor na comparação de cicatrizes para a soturna descrição de Quint é natural, como toda a narrativa). E a interação entre Hooper e Quint proporciona momentos notáveis. É uma disputa entre dois modos de ser e agir, mostrada com humor na cena em que Quint esmaga uma lata de cerveja e Hooper responde a ele esmagando um copo de plástico.
“Você vai precisar de um barco maior”, dita em um momento crucial do filme, resume também o sentido de “Tubarão” para a história do cinema. O cinema precisaria de telas maiores para poder absorver tudo o que essa obra-prima mantém, mais de 30 anos depois de lançada. Felizmente, uma edição especial em DVD caprichada, com extras preciosos, está disponível para quem quer entender melhor o processo, a época e o resultado final da construção de um clássico.

3 Comentários:

  1. Carla disse...

    Depois de assistir "Tubarão", sempre penso duas vezes natesd e entrar no mar... Sem grandes recursos tecnológicos, com um tubarão que quase não aparece, causa arrepios, aflição, agonia. Obra de mestre!

  2. Anônimo disse...

    Você se esqueceu de citar o excelente trabalho do trio de protagonistas: Roy Scheider, Richard Dreyfuss e Robert Shaw. As performances deles são extremamente convincentes, valorizando ainda mais o filme (que por si só, é um clássico), que também tem um toques de aventura.

  3. Anônimo disse...

    Você se esqueceu de citar o excelente trabalho do trio de protagonistas: Roy Scheider, Richard Dreyfuss e Robert Shaw. As performances deles são extremamente convincentes, valorizando ainda mais o filme (que por si só, é um clássico), que também tem toques de aventura.