Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal

Escrito por Fábio Rockenbach

( Indiana Jones and the Kingdom of Crystal Skull, 2008, EUA )
Direção de Steven Spielberg, com Harrison Ford, Shia LeBouf, Cate Blanchett, Karen Allen, Jim Broadbent, John Hurt




Se existe um problema em “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal”, ele é justamente aquilo que, no fim das contas, é a razão de sua existência: os filmes anteriores, já que em comparação com outros filmes do gênero, ele é muito superior. Por isso, não vá ao cinema buscando encontrar os filmes anteriores nesta quarta aventura. 27 anos depois de “Os Caçadores da Arca Perdida”, Lucas e Spielberg mostram que estão diferentes do que estavam em 1981, quando tentavam mudar o mundo através do cinema, realizando filmes ambiciosos e tratando o maior herói do cinema com seriedade, ainda que injetando humor. Centenas de milhões de dólares em contas pessoais e quase 3 décadas depois, os dois não precisam mais criar obras-primas, nem provar nada a ninguém. Apenas se divertir.

Já havia comentado na crítica a Os Caçadores da Arca Perdida que Indiana Jones foi sutilmente mudando sua personalidade ao longo dos filmes. O arqueólogo sério que conquistou o mundo na primeira aventura foi, aos poucos, tornando-se o herói de empatia ímpar com o público que convive entre a ação e o humor ( uma das razões de terem tornado o primeiro filme um clássico ). Mas isso não é ruim. O ano é 1957, e Indy, desssa vez, envolve-se em uma trama que envolve espiões russos e a busca por uma lendária cidade perdida na Amazônia, relacionada diretamente com um misterioso crânio de cristal cobiçado pelos russos. Quem o leva para essa aventura é o jovem Mudd Williams ( Shia LeBouf ) , que busca ajuda para resgatar um velho amigo, Oxley ( John Hurt ), ex-colega de Indy, que desapareceu buscando o artefato, junto com a mãe de Mudd, ninguém menos do que Marion ( Karen Allen ), namorada de Indy no primeiro filme da série.Indiana Jones voltou aos cinemas 19 anos depois de “A Última Cruzada” para divertir, e consegue fazer isso. A sensação que fica, porém, é que poderia ser melhor se Spielberg e Lucas encarassem seu herói com mais seriedade e menos como um brinquedo pessoal. Vou enfocar essa análise primeiro nos pontos negativos, e depois explico por que.

"Indiana Jones, envelheceu, mudou ou fomos nós que deixamos a nostalgia em algum lugar do passado à medida que crescemos? Como nós reagiríamos hoje vendo aquele bote inflável cair de um avião ou ver um coração ser arrancado de um peito e seu dono permanecer vivo? "


É difícil afirmar que seqüências inverossímeis são o problema do novo filme, afinal, elas existiam antes. Indiana Jones, em três filmes, passou por várias situações que só poderiam acontecer com o arqueólogo no cinema: sobreviveu a uma queda de avião e de uma cachoeira num bote inflável, a uma louca corrida nos trilhos de uma mina, foi perseguido por um avião dentro de um túnel... Mas essas situações não se comparam a, pelo menos, três cenas que reduzem a credulidade da platéia na nova aventura. Quando essa cumplicidade na ação é interrompida, algo se perde. A seqüência inicial poderia ter acabado pelo menos 5 minutos mais cedo para evitar uma cena desnecessária, e uma homenagem a Tarzan poderia ser evitada. Diferente dos filmes anteriores, “O Reino da Caveira de Cristal” é irregular – durante longos 40 minutos, o roteiro se preocupa em explicar a trama sem ser completamente convincente, como a justificar a própria história, algo que não precisava acontecer antes, afinal, os filmes de Indiana Jones sempre tiveram no seu roteiro simples e bem amarrado um de seus grandes méritos. E John Hurt está visivelmente deslocado como Oxley: um lugar na trama que estava reservado para Sean Connery, mas o escocês preferiu permanecer longe das telas. Em vários momentos, alguns cenários são artificiais demais. Por fim, mesmo utilizando a obrigatória e clássica “Raiders March”, John Williams não consegue criar um tema que identifique o novo filme, ao contrário do que aconteceu com os filmes anteriores – tanto é que os temas de “Caçadores...” e “a Última Cruzada” ressurgem no meio do filme em dois momentos nostálgicos que homenageiam os filmes anteriores e são imediatamente reconhecidos pelos fãs. Falta a “O Reino da Caveira de Cristal” essa identidade própria.

"Duas cenas e alguns exageros de CGI dispensáveis, um roteiro irregular, John Hurt deslocado e a falta de uma identidade à trilha sonora de Williams são os principais problemas de "O Reino da Caveira de Cristal"



Isso tudo torna o novo filme ruim? Não. Mesmo com os deslizes do roteiro, os diálogos e as tiradas impagáveis do herói continuam afiadas. Se a trama é fraca, ela também oportuniza a que Spielberg mantenha sua idéia de ligar a aventura a temas da época em que o filme se passe. Aqui Spielberg juntou as duas neuroses do cinema americano da época: o perigo comunista que tomou conta dos Estados Unidos e os seres do espaço. ( nos filmes B dos anos 50, na ficção científica, os invasores do espaço eram uma metáfora para o perigo comunista ). E ainda que soe estranho ligar Indiana a alienígenas, é bom lembrar que o personagem foi criado como um caçador de tesouros que se envolve com o fantástico, o sobrenatural e o religioso. Uma arca com fantasmas e poderes místicos, um sacerdote que arranca o coração das pessoas, um cálice que cura e dá vida eterna e um cavaleiro de 700 anos ainda vivo seriam o que, senão elementos do fantástico nas aventuras do herói? As pessoas parecem esquecer disso para lembrarem apenas do grande trunfo de seus filmes: o próprio Indiana Jones. E é essa a grande vitória de “O Reino da Caveira de Cristal”.

"O fantástico faz parte das aventuras de Indy. Uma arca com poderes místicos, um coração arrancado do peito, um cavaleiro de 700 anos ainda vivo e um cálice que dá a vida eterna seriam o que, senão elementos de pura fantasia?"

Mesmo problemas de roteiro e alguns exageros empalidecem quando Harrison Ford faz o que sabe fazer melhor: recupera o humor sarcástico, os trejeitos desengonçados e os feitos heróicos do personagem. E se os quarenta minutos de incontáveis explicações e ritmo irregular parecem empalidecer a aventura, como das outras vezes Spielberg liga o motor a partir de determinado momento e, com todos os elementos típicos de Indy e o domínio de espaço do diretor, o filme torna-se uma montanha-russa até o final ( com tudo que um filme de Indiana tem direito, desde os já citados exageros à seqüências acrobáticas e os indefectíveis tiros que não acertam ninguém ). A entrada de Shia LeBeouf como Mudd foi um tiro certo: o garoto tem talento e empresta vigor à aventura. O retorno de Karen Allen como Marion faz justiça à verdadeira heroína da trilogia, ainda que aqui ela seja, realmente, uma codjuvante que surge mais como homenagem do que como peça importante na história. Dizer que Cate Blanchett está caricata é esquecer dos caricatos Mola Ram de “O Templo da Perdição” ou do oficial nazista de “A Última Cruzada”. Com exceção de Belloq, em "Caçadores..." – e vou tocar na mesma tecla de justificar um dos motivos porque o primeiro filme é imbatível – todos os demais vilões são caricatos. Afinal, o grande astro da história é Indy.

"Quando Spielberg "aciona o motor", como nos filmes anteriores, é a sensação de embarcar em uma montanha-russa incessante e sair rodopiando do outro lado."



É por isso que comecei criticando os defeitos: porque no final, o que sobra é aquela velha nostalgia de ter andado em uma montanha-russa e saído rodopiando do outro lado. E quem lembra de avaliar defeitos depois disso? Talvez o final – o pior da série, quando os fãs esperavam algo mais dignificante – tenha colaborado para a sensação de muitas pessoas ao deixarem o cinema, que esperavam “que fosse melhor”. Mas ao final do filme a pergunta a se fazer é: valeu o ingresso? Porque se a idéia é diversão, Indiana Jones ainda é imbatível no quesito, não importe quantas imitações genéricas surjam ou quantas comparações se façam com o passado. Indiana Jones, envelheceu, mudou ou fomos nós que deixamos a nostalgia em algum lugar do passado à medida que crescemos? Como nós reagiríamos hoje vendo aquele bote inflável cair de um avião ou ver um coração ser arrancado de um peito e seu dono permanecer vivo?

O melhor de tudo é que as aventuras de Indy existem para sempre, não importe qual delas você goste mais. Se o novo filme, mesmo divertindo, não se iguala aos três filmes anteriores, ele não empalidece o grande objetivo desses filmes: ser diversão escapista como poucas vezes uma tela de cinema pôde ver – e um herói conseguiu ser.

PS: É provável que algo mude nessa crítica quando puder avaliar o filme melhor assistindo-o uma segunda vez, livre dos efeitos que uma espera de 19 anos pode causar...

Leia a crítica de "Os Caçadores da Arca Perdida"

2 Comentários:

  1. Anônimo disse...

    bom, achei o filme divertido, mas só. não é nem um pouco igual aos outros, princiapalmente aos caçadores da arca. achei o harrison muito velho mesmo... hehehe.. coitado... embora tenhas cenas legais... serve como uma introdução para o mutt williams na próxima trilogia... hehehehe (talvez)

  2. Fábio Rockenbach disse...

    Achei bem inferior aos outros - principalmente Caçadores também, o supra-sumo dos filmes de aventura - mas no meio do filme me lembrei que a proposta do Spielberg sempre foi de homenagear aqueles filmes de matiné de antes de 1940 - e que eu nunca vi por completo, só cenas de relance. Acho que nesse sentido, Indy continua divertido. Talvez o primeiro filme é que tenha saído absurdamente acima da média, sei lá.
    Sobre o final, ainda acho que foi uma jogada dupla esperta: se surgir interesse em continuar, o plot tá dado.
    Se não surgir, é como se dissessem: o garoto até pode querer, mas Indiana Jones só existe um.
    Pena que no geral o fim não foi mais..."dignificante"