Conferir o rótulo de filme "policial" a uma trama é, muitas vezes, simplificar demais os méritos de uma história que envolve melodrama, suspense, ação ou todos eles em uma mesma receita. Afinal, "O Poderoso Chefão" poderia ser encarado como um drama? Filmes como "À Beira do Abismo" e "Relíquia Macabra" são, afinal, filmes policiais ou noir? E noir, é um gênero ou um movimento?
Discussões à parte, reuna-os na mesma mistura para ter a pequena relação comentada abaixo. Eles ajudaram a emprestar os melhores valores de cada trama para criar, em um todo, o que se pode convencionar como "filmes policiais" - outros acrescentariam mais elementos à definição, posteriormente, mas em uma humilde opinião, esses 10 são perfeitos.
O PODEROSO CHEFÃO
(The Godfather, Francis F. Coppola, 1972)
Amor e ódio. Lealdade e traição. Demonstrações de afeto e violentos assassinatos. Este é o submundo retratado por um jovem Francis Ford Coppola em 1972 e que se tornou na opinião da crítica o melhor filme americano dos anos 70 e um dos melhores de toda a história do cinema. Baseado no best-seller de Mario Puzo, é um retrato da sociedade americana e particularmente da máfia siciliana instalada nos Estados Unidos. Um oscarizado e soberbo Marlon Brando dá vida a Don Vito Corleone, o rei de um frágil castelo Tudor apoiado no dinheiro e no medo. Dono da mais temida e importante das cinco famílias mafiosas de Nova York, ele se recusa a entrar para o narcotráfico e origina uma sangrenta guerra de famílias que iria mudar o destino dos Corleone e da própria máfia americana. Mudaria também a história do cinema. Quem visse o filme na época não imaginaria que o rapaz franzino que interpreta Michael Corleone se tornaria um dos maiores ícones do cinema americano na segunda metade do século. Seu nome? Al Pacino. Com coadjuvantes como Robert Duvall, Diane Keaton, James Caan, a trilha sonora de Carmine Coppola e Nino Rota ( antológica ) e momentos de genial inspiração, Coppola estava predestinado a fazer mais que um filme: um momento na história do cinema
O TERCEIRO HOMEM
(The Third Man, Carol Reed, 1949)
Muito se tem falado sobre "O Terceiro Homem" desde que foi lançado. Inegável é seu status de clássico inquestionável, e o filme já foi colocado em diversas listas dos melhores de todos os tempos - recentemente, eleito o maior filme inglês da história do cinema. Joseph Cotten vai a Viena procurar um velho amigo e descobre que ele morreu em circunstâncias pouco claras, envolvido com negócios escusos do submundo. Como em todo bom noir, no entanto, nada é como parece. Pauline Kael disse, sobre o personagem de Cotten, que ele foi concebido pelo escritor Graham Greene como "o típico americano raso, incompetente, mas bem intencionado". É esse americano sem nada de incomum que está sozinho tentando entender as circunstâncias que o cercam. O jogo de sombras na noite de Viena, a trilha sonora de cítara do gênio Anton Karas, as interpretações magistrais de Orson Welles, Trevor Howard e do próprio Cotten. "O Terceiro Homem" é uma confluência da fatores que podem ser exemplificados em algumas cenas antológicas: a conversa de Wellese Cotten na roda gigante, a fuga pelos túneis de esgotos de Viena em seu clímax, ou seu final melancólico, que pontua com chave de ouro também o sutil romance que faz parte da trama. Clássico.
O FALCÃO MALTÊS
( The Maltese Falcon, John Huston, 1941 )
Uma pequena estátua incrustada depedras preciosas, o Falcão Maltês, é alvo da disputa de diversas pessoas. Entre elas, o detetive Sam Spade e sua misteriosa ebela cliente. O máximo em filmes noir marcou a estréia na direção de um ex-roteirista que se tornaria um dos maiores diretores de todos os tempos. Marcou também a carreira de um dos maiores atores do cinema, Humphrey Bogart, o homem certo para encarnar o herói durão, insensível e solitário envolto nas sombras de um chapéu e de um longo capote. Personagens ambíguos não faltam nesta adaptação do clássico da literatura de Dashiel Hammet, um primor de roteiro policial. "O Falcão Maltês" tem sua importância por todos esses fatores: Huston, Bogart, Hammet, a história, o clima... o noir, que nascia para uma brilhante carreira dentro do gênero, e fora dele também.
CHINATOWN
( Chinatown, Roman Polansky, 1974)
O filme noir em seus derradeiros momentos - e em cores, sim, esqueça idéias pre-concebidas - numa época em que as perseguições de carros e tiroteios desenfreados chamavam mais a atenção do que o policial solitário e a mulher fatal. Roman Polanski filmou o derradeiro exemplar do gênero e construiu um clássico. Jack Nicholson é o detetive particular que é contratado por uma misteriosa mulher e se envolve com uma sórdida história de corrupção, especulação imobiliária com bens da prefeitura de Chicago e mortes. Polanski coloca seu anti-herói na solidão, um agente tentando sozinho descobrir um mistério que nem mesmo o filme revela ao certo em todos os seus aspectos. Essa conclusão fica para o público. Como um arrogante detetive de segunda linha, Nicholson dá um show. Como um baixinho invocado que quase arranca o nariz de Nicholson com seu canivete, o diretor Polanski em uma ponta dá as caras do clima desta intrincada trama. Era, definitivamente, o noir dando adeus e se transmutando em algo a mais, somente aqui.
UMA RAJADA DE BALAS
( Bonnie & Clyde, Arthur Penn, 1967 )
Bonnie Parker era uma garçonete numa cidadezinha perdida no interior dos Estados Unidos. Quando o ex-presidiário Clyde Barrow surgiu diante dela, os Estados Unidos tremeram. Juntos, o casal fora-da-lei assaltou dezenas de bancos, matou pessoas e empreendeu uma fuga lendária pelas estradas do país de Tio Sam. Essa história real foi contada de forma brilhante por Arthur Penn em seu melhor filme. Um jovem Warren Beaty e uma ainda esplendorosa Faye Dunaway, no auge da beleza,dão vida ao casal de assaltantes fora da lei e o filme de Penn nos mostra a história sob seus pontos de vista. Bonnie e Clyde são como duas crianças que começaram a brincar e se deram conta, mais tarde, que a brincadeira havia perdido a graça. Tarde demais para parar a verdadeira caçada humana que se formou atrás deles. Estelle Parsons ganhou o Oscar de coadjuvante por seus gritos irritantes, e a fotografia também foi premiada. Com brilhante reconstituição de época, um "quê" de nostalgia da sociedade americana da metade do século ( num retrato de época que funciona como melodrama social ) o filme de Penn oscila entre o dramático e o violento. Entre o calmo e o ensandecido. É, na verdade, o maior exemplo dos anti-heróis que a cultura americana forma de tempos em tempos e mitifica, não importando o que eles são, apenas seus atos.
(Double Indemnity, 1944 )
Se desde o início de Pacto de Sangue sabemos que Walter Neff é culpado. É com essa certeza que acabamos, de forma cúmplice, acompanhando atentos sua trajetória abalados porque ele não parece, de modo algum, um assassino. É um tolo, um americano raso enganado pela malícia e sedução de Phyllis Dietrichson ( Bárbara Stanwyck, um demônio na tela, e a mais bem paga atriz na época em que o filme foi rodado ), a mulher que trama com Neff a morte do marido para que eles recebam a milionária apólice de seguros. Considerado por muitos como o "noir dos noir", "Pacto de Sangue" brinca com as sombras para apresentar seus protagonistas - a casa de Phyllis mergulha cada vez mais na escuridão, as sombras projetam a imagem de grades sobre o casal - e com pequenos toques geniais - um simples motor de automóvel que não liga em um momento crucial - de seu criador, define um movimento - o noir - e o início de uma carreira - a de Wilder em sua primeira obra-prima. Bastaria isso para assegurar sua importância, mas o filme é, ainda, perfeito.
OS INTOCÁVEIS
( The Untouchables, Brian DePalma, 1987 )
"Se eles te apontam uma faca, você aponta um revólver. Se mandam um dos seus pro hospital, você manda um deles para o necrotério. É assim que se age." O veterano policial irlandês Malone ensina a um jovem e idealista agente do tesouro chamado Elliot Ness como agir para acabar com a máfia em Chicago no final da década de 20, em plena vigência da Lei Seca, quando gângsters enriqueciam com a violência e o contrabando de bebidas, em particular Alphonse Capone, alvo da caçada impiedosa movida por Ness e seu grupo de policiais incorruptíveis. Uma luta solitária contra um sistema policial todo comprado por Al Capone. Brian DePalma fez um clássico moderno em 87. Não bastasse o elenco de astros, que inclui um recém alçado para a fama Kevin Costner, Sean Connery, Robert DeNiro e Andy Garcia, a trilha sonora de Ennio Morricone casa perfeitamente com as imagens de DePalma, quenuma brilhante reconstituição de época enaltece a arquitetura da escola de Chicago de Sullivan e Wright em meio a momentos de tensão e suspense. A cena final da escadaria é um marco moderno, homenageando a cena criada por Eisenstein no clássico "Encouraçado Potemkim" de 1928. Um brilhante exercício de montagem e direção. Dentre todas as cenas do magistral elenco, sobressai a cena da morte de Malone. Sean Connery tem talvez o melhor momento de sua carreira e mostra porque ganhou o Oscar de ator coadjuvante pelo papel.
A MARCA DA MALDADE
(Touch of Evil, Orson Welles, 1958 )
"A Marca da Maldade" motivou uma apaixonada carta de Orson Welles a respeito do que ele esperava que fosse seu filme, mutilado pelo estúdio e montado á sua revelia em sua época. Encontrada mais tarde, foi usada para que o filme fosse restaurado e relançado em 2000 da maneira que seu criador imaginou. É uma das obras-primas de sua carreira - quem sabe do próprio cinema. Charlton Heston foge de seu estereótipo e interpreta um policial mexicano em lua-de-mel na fronteira com os Estados Unidos. Um crime acaba colocando-o frente à frente ao mundo de corrupção e falsidades apoiado pelo desprexível xerife da cidade(Welles em pessoa). Os momentos inesquecíveis desse clássico são muitos, mas nenhum supera a fantástica sequência inicial - uma aula de cinema.
LOS ANGELES - CIDADE PROIBIDA
(LA Confidential, Curtis Hanson, 1996 )
"Esta é a cidade dos anjos, filho. E você não tem asas para voar." Numa cidade que se orgulha de ter a melhor força policial do país em meio a astros e estrelas do cinema, a Los Angeles dos anos 50 tem por trás dos letreiros brilhantes algo de podre. Prostituas que se parecem com estrelas de cinema atuando num esquema de chantagem que alcança altos escalões políticos e da própria polícia. Uma história de traição, assassinatos e corrupção que leva homens tão diferentes como os policiais Jack Vincennes, Ed Wxley e Bud White a se cruzarem num mesmo objetivo. Não existem, na verdade, heróis nos moldes clássicos em "LA Confidential". Todos têm seus erros a confessar... se quiserem. Um brilhante filme noir nos tempos modernos, quando se achava que ninguém mais conseguiria resgatar os grandes filmes do gênero daquela época. Um roteiro magistral auxiliado por um elenco idem e um diretor inspirado. Como diz o próprio slogan do filme, "Nem tudo é o que parece na Cidade dos Anjos". Mergulhe nesta viagem e tenha uma das maiores experiências que o cinema pode proporcionar nos últimos anos
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