O Gângster

Escrito por Fábio Rockenbach

(American Gangster- EUA - 2007 )
Direção de Ridley Scott, com Denzel Washington, Russel Crowe, Josh Brolin, Ruby Dee


Filmes de gângster são um gênero à parte. Fazem parte da história do cinema desde que a sétima arte começou a engatinhar, mas quando se pensava que haveria poucas opções ao gênero, eis que Ridley Scott aparece para dar um sopro novo. Ou, se não tão novo, pelo menos para mostrar que muito pode ser dito sem cair no lugar comum. Scott, septuagenário, está em plena forma, e toca em assuntos delicados nessa incursão pouco comum ao seu cinema. “American Gângster”, no Brasil chamado simplesmente de “O Gângster”quebra o estereótipo que envolve a palavra, mas não consegue perpetuar essa nova definição. Explica-se: se antes do filme de Scott a palavra gângster era associada a italianos, chefões de terno atrás de mesas enfumaçadas com capangas armados, depois do filme... esse estereótipo permanece. “O Gângster” traz vida nova ao tirar a definição desse ambiente, mas não de forma tão forte a ponto de perpetuar a visão. O filme foi chamado “O Poderoso Chefão negro”antes mesmo de sua estréia, mas fica no sentido. Nem de perto se compara à obra-prima de Coppola, o que não é um destrato ( dificilmente algum filme conseguirá se comparar ).

O Gângster abre as portas dos fundos da participação americana na guerra do Vietnam e escancara as raízes da corrupção na polícia. Durante o lançamento, Scott tomou cuidado de dizer que precisava cuidar para não passar a idéia de que todos os policiais são corruptos no ambiente em que a história se desenrola. Não parece ter existido a preocupação, ou não interessa ao diretor mostrar os honestos, com exceção de Ritchie Roberts ( Russel Crowe ), um tira tão honesto que atrai a antipatia do restante do departamento ( “Sou tão honesto que ninguém quer trabalhar comigo.” confessa ele, em determinado momento ). Na época de Ritchie, durante a Guerra do Vietnam nos anos 70, é a polícia que controla o tráfico de drogas. Ela apreende a mercadoria, mistura novamente e revende aos mesmos traficantes de quem confiscou, criando um círculo vicioso os deixa sem poder nos bairros pobres de Nova York. Esse tipo de tira é representado pelo detetive Trupo ( Josh Brolin, trabalhando feito doido nos últimos tempos. ).
Já o personagem de Washington, que dá nome ao filme, surge como o homem que descobriu como quebrar esse círculo vicioso, ao buscar na fonte a sua droga, pura, sem atravessadores. Vai até o Vietnam e traz o produto nos próprios aviões do exército. Longe das ruas de Nova York, é atrás dos uniformes militares que se escondem os podres. Nesse ambiente, a cruzada de Ritchie fica ainda mais solitária. Mesmo quando ele cria uma equipe especial para combater os chefões do tráfico, a impressão que se tem é que a qualquer momento um deles vai traí-lo. É decadência, podridão e falta de confiança por todos os lados.
A trajetória de Lucas se baseia no aprendizado que teve com o ex-líder do Harlem, Bumpy Johnson, seu mestre informal, onde aprendeu que o poder se baseia na confiança da família, da comunidade e na vida normal . Ritchie é um mulherengo que paga os pecados por não se vender à podridão – são trajetórias distintas, mas interligadas. Mesmo sem se conhecerem, longe um dos outros, circundam os mesmos assuntos, temas, pessoas e lugares, cada qual com seu objetivo. É um círculo que começa a diminuir ä medida que a trama avança. O problema em ”O Gângster”é que todos os personagens que circundam esses protagonistas são vazios. Há uma certa superficialidade que traz pouca alma á história de Lucas. São apoios para entender as motivações de Lucas e Ritchie, mas não se desenvolvem nessa trama, passam vazios. Pouco sabemos deles –mesmo os mais próximos dos dois.

Quando Crowe e Washington fInalmente se encontram, não sentimos que algo foi em vão – como, por exemplo, em Fogo contra Fogo, nos breves minutos em que Pacino e DeNiro contracenam – mas a relação que se estabelece entre eles poderia ser melhor explorada. Parece que, naquele momento, quando se deram conta, perceberam que havia pouco tempo para terminar a história e tudo se apressa. É para mim o maior erro do filme. Tome, por exemplo, o acerto de contas de O Poderoso Chefão. Ou, se preferir ver dessa forma, é a prova definitiva de que todos os personagens que cercavam os dois protagonistas eram, realmente superficiais. Pouco interesse um aprofundamento de tudo o que aconteceu com eles, ou como isso aconteceu. Esse desfecho dá uma sensação de que algo poderia ser melhor contado.

“O Gângster” expõe as chagas de uma guerra que trouxe mais do que vergonha aos Estados Unidos, mas expôs a nação ao vício que voltou do Vietnam para a América, alojado em mais da metade dos soldados. Expõe também as feridas da sociedade americana da época – onde autoridades brancas se recusavam a acreditar que um negro pudesse estar controlando o crime organizado na maior cidade do mundo. O mesmo tipo de ignorância – ou petulância – que ainda existe por lá quando se procuram seus inimigos.
Mesmo com alguns problemas de ritmo – a crítica saudou o fato de Scott saber como contar uma história lenta e meticulosamente, o que não significa, propriamente, que ele tenha acertado a mão totalmente - “O Gângster”não é um filme ruim, Longe disso. Apenas não alcança o que poderia com a história que tem em mãos.

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