Elizabeth, a Era de Ouro

Escrito por Fábio Rockenbach

(Elizabeth, the Golden Age. - EUA - 2008 )

Direção de Shekar Khapur, com Cate Blanchett, Geoffrey Rush, CLive Owen




Sempre fui a favor de liberdades criativas quando estas vêem em favor de um filme. No caso de uma adaptação literária, quando essas liberdades são bem feitas acabam enriquecendo a narrativa sem detrimento da obra original. No caso de filmes históricos, muitas vezes essas liberdades surgem em prol do espetáculo, como foi o caso da versão romanceada da vida de William Wallace em “Coração Valente”. No caso de “Elizabeth”, de 1998, as liberdades criativas vinham unicamente dos brilhantes diálogos do roteiro de Michael Hirst, mas havia uma certa preocupação com o fato histórico. Quase dez anos depois do filme que apresentou Cate Blanchett de forma esplendorosa ao mundo, o mesmo diretor Shekhar Khapur volta a visitar a história da Rainha Virgem, mas desta vez o pulso firme com o qual ele visitou esse universo torna-se pesado, e as liberdades históricas das quais “Elizabeth – A Era de Ouro” se apossa acabam por empalidecer o filme que retrata uma das épocas mais importantes da história britânica.

Não que “Elizabeth – A Era de Ouro” não seja uma produção esplendorosa. Os ingredientes de produção do primeiro filme, muito superior, continuam presentes na reconstituição de época, na fotografia, iluminação, figurinos e trilha sonora. No primeiro longa, a fascinação pela figura da jovem Elizabeth era compartilhada pelo público, que acompanhava seus primeiros passos rumo ao trono, o mar de conspirações que a cercava e como uma menina convicta de suas idéias mas inexperiente se transformava em uma rainha poderosa e de pulso firme. Nesta continuação, encontramos Elizabeth suprema em sua nação, décadas depois, mas enfrentando a sombra do maior império do mundo na época: a Espanha de Filipe II, um rei católico que havia prometido ao Papa varrer do mapa o protestantismo na Inglaterra, conquistando o reino de Elizabeth. A velha questão da sucessão ao trono ainda importuna os ouvidos da soberana, enquanto ela se encanta pela personalidade de Sir Walter Raleigh, um jovem corsário de espírito aventureiro pelo qual ela nutre extrema admiração e afeto.Os menores problemas estão no pano de fundo histórico dessa história: Blanchett certamente não transparece os 55 anos que a Rainha tinha na época, e ninguém parece sequer preocupado com isso. Para se ter uma idéia, em recente versão para a TV, Helen Mirren ( oscarizada por A Rainha ) interpretou Elizabeth na mesma época e Jeremy Irons foi Robert Dudley ( papel que foi de Joseph Fiennes no primeiro filme e aqui foi simplesmente podado, apesar de que na época Dudley era o comandante naval da Inglaterra na Holanda, havia voltado a pedir a mão da rainha em casamento e morreria pouco tempo depois do ataque da Armada Espanhola, retratada no filme ). Da mesma forma, Clive Owen toma a forma de Walter Raleigh como o novo interesse romântico de Elizabeth, mas ninguém menciona que Raleigh na época rondava a casa dos 20 anos. Foi, sem dúvida, um dos protegidos da rainha, mas os roteiristas William Nicholson e Michael Hirst - que parece ter sido contaminado pelo ritmo mais lento da minisérie “The Tudors” roteirizada por ele - foram buscar em histórias populares os elementos para introduzir esse personagem famoso da história britânica. Como esses fatos são irrelevantes ao público, não seriam problema maior se o filme cumprisse o que prometesse, e Elizabeth não cumpre de todo.
A invasão da armada espanhola é o fantasma que cobre toda a trajetória dos personagens desta continuação, anunciada desde as primeiras cenas, aguardada com ansiedade pelo público, e de forma amarga pelos personagens. No entanto, quando esse momento finalmente chega, ele é decepcionante, tornando-se quase um anti-clímax. O famoso discurso de Elizabeth, vestindo uma armadura e sobre um cavalo branco, em Tilbury, realmente aconteceu, então não se trata de mais uma liberdade do roteiro. É eloquente, com uma bela fotografia, navios de guerra digitalizados aparecendo em um mar em fúria atrás dos soldados, mas concebido como puro clichê, ainda mais anunciando uma cena de batalha naval pálida e sem emoção… E as conspirações que rondam o trono da Rainha Virgem, desta vez, são tão cortadas e mal introduzidas na montagem que são uma pálida lembrança daquelas que fizeram o background de suspense do primeiro filme. A boa notícia é a jovem Abbie Cornish, que interpreta ElizabethThrockmorton dama de companhia da Rainha que se apaixona e engravida de Raleigh. Essa personagem real foi o verdadeiro amor do aventureiro, com a qual teria mais filhos anos depois. Aqui, é a válvula de escape das frustrações de uma rainha que prometeu desposar apenas a Inglaterra, mas acaba se contorcendo em dúvidas pela atração que sente pelo espírito aventureiro de Sir Walter Raleigh - o tipo de emoção pela qual ela se sente atraída, mas sabe que jamais poderá experimentar. Blanchett compõe uma Elizabeth que parece, todavia, buscar sempre aquilo que não pode ter. Infelizmente, é bem provável que, como sua personagem, Blanchett, indicada ao Oscar novamente pelo mesmo papel, também busque um prêmio que não pode ter. É ela que faz valer o filme com sua caracterização, mesmo que todo o cenário ao seu redor pareça balançar pela frágil estrutura de um roteiro que promete muito e apresenta bem menos. O primeiro filme é muito melhor.


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