Os Inocentes

Escrito por Fábio Rockenbach

(The Innocents, EUA, 1968)
Direção de Jack Clayton, com Deborah Kerr, Peter Wyngarde, Megs Jenkins




Toda a gramática cinematográfica do mais famoso plot das histórias de terror – a antiga casa assombrada – tem em “Os Inocentes” sua obra de referência definitiva. Mas Jack Clayton não fez apenas um filme assustador. Existe conteúdo na superfície de uma aparente superficialidade da história. A perda da inocência é um dos motes que circundam a história baseada no livro “A Volta do Parafuso” de Henry James, publicado em 1898. Há um leve ensejo de sexualidade reprimida na estranha relação de uma governanta com duas crianças em uma antiga mansão na Inglaterra, e acima de tudo há um visual magnífico, principal colaborador para que o grande elemento triunfante do filme de Clayton seja um exemplo: o terror não é explícito, ele é sugerido, é psicológico, e mesmo quando se torna visual, não é apelativo.

São tantas camadas compondo esse objeto que elas se alternam na condução da história com uma unidade impressionante. A governanta de Deborah Kerr é contratada para cuidar de duas adoráveis crianças, dois irmãos sem pais praticamente abandonadas pelo tio que mora em Londres. A mansão vitoriana onde ela terá, além das crianças, a companhia dos empregados da casa – em particular a empregada temerosa – é um personagem á parte. Ela esconde uma história de obsessão, sexo e morte que gravita em torno dos personagens, principalmente das crianças. A governanta começa a pensar que não estão sós na mansão. A suspeita de uma presença maligna se cristaliza aos seus olhos em diversos momentos, mas ninguém mais parece enxergá-las. E essa presença começa a se manifestar alterando o comportamento das crianças, que é assustadoramente dúbio, distante e insensível em alguns momentos. Se a existência desses espíritos não era afirmada categoricamente no livro de James, aqui eles aparecem, mas Clayton constrói essa teia de diferentes motivações de forma a plantar a dúvida no público: eles existem ou ela está enlouquecendo?

“Os Inocentes” é corajoso por trazer em uma de suas camadas uma relação estranha entre Kerr e o menino, que alterna a inocência de uma criança com um comportamento adulto e implacável. Não mais de uma vez, essa relação arranha a superfície da sugestão sexual, reprimida, ( contribuição de Truman Capote para o roteiro? ) confusa na mente da mulher que cada vez mais percebe que a história contada pela empregada ainda tem ecos no lugar.

O assustador no filme não vem do apelo visual – até porque kerr anuncia, com grandes olhos arregalados e expressão de espanto o surgimento das aparições nos cantos escuros e vidros da casa – mas de todo o clima de incerteza e inoperância da personagem no meio de um pesadelo psicológico. Vultos atravessam corredores à noite, surgem no meio de um lago, no topo de uma torre, sorriem demoniacamente por trás dos vidros. Esse terror psicológico é ampliado pelo brilhante contraste entre luz e sombra, pelo movimento das sombras nas paredes, no chão, no teto, pelos ângulos deconstrutivos, pela sobreposição de imagens alternando sonho e realidade, pelas brincadeiras com reflexos que também alternam o mundo real e o mundo espiritual. Pelo simples repetir de uma voz inocente cantando "Oh Willow Wally". No meio desse crescente terror psicológico, a história é ainda mais corajosa por não ceder à pressão do óbvio e incorrer em caminhos tristes em seu final. Não vai contra tudo aquilo que vinha construindo ao longo da história. É perturbador, e visualmente uma das experiências mais brilhantes da história do gênero – “Os Outros”, de Amenábar, bebeu muito na fonte do filme de Clayton.

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