Corrida contra o Destino

Escrito por Fábio Rockenbach





Encarado como um dos ícones libertários de uma geração perdida em seus rumos, no começo dos anos 70, “Corrida Contra o Destino” de Richard Sarafian, permanece como um dos mais fortes símbolos daquele tempo. “Cego guiando cego”, como diz a certa altura desse Road-movie que é um brilhante retrato social e de época o DJ Super Soul, ele mesmo o cego que comunica-se com o ex-piloto de corridas Kowalski, um entregador de carros que corre contra o tempo para viajar de Denver a São Francisco em 15 horas a bordo de um Dodge Challenger 70 branco, que ele deve entregar dois dias depois. Kowalski é o símbolo maior de uma geração – não necessariamente os jovens – que estavam “prensados” no meio de uma revolução social que deixou a todos atônitos, sem rumo. Ele próprio encara a estrada que atravessa paisagens desoladas e o deserto como uma fuga. Para onde, exatamente, nem ele sabe. Só o que é concreto no filme de Sarafian é que sua trajetória alucinada, em alta velocidade, atrai a polícia de diferentes estados, que acabam sempre ficando para trás. Uma hora, porém, tudo tem que acabar.
O herói ( ou anti-herói ) de Sarafian, não por acaso, nunca é plenamente justificado ou conhecido. Muita gente prega que ele acelera alucinado para pagar a aposta que fez com um amigo, mas é bom lembrar que antes mesmo de fazer essa aposta ele já afirma que precisa sair o quanto antes, e que não pode esperar. As razões não são conhecidas, e não interessam. Enquanto o mundo parece girar em torno da jornada de Kowalski - que cada vez mais torna-se elemento de culto e atenção da mídia e da população graças ao empenho de Super Soul em transformá-lo em um ícone (“ a última alma livre da América, centauro motorizado perseguido por fascistas e corruptos em suas máquinas”) – outros modelos de comportamento daquela época indefinida cruzam seu caminho, e como surgiram, desaparecem. São dezenas de personagens que aparentemente não têm função na trama – a dupla de policiais, o casal gay que tenta assaltá-lo na estrada, a comunidade religiosa, a hippie que anda nua em uma motocicleta, os imbecis que invadem a estação de rádio do “crioulo cego” – mas que se transformam no guia para compreender que Kowalski está fugindo da incerteza, de sua própria vida, de seu próprio destino. Silencioso, contemplativo, misterioso, ele nunca se deixa entender por completo. É uma corda que liga o espectador à toda uma época, e o irônico é que, por mais que corra e desafie a ordem instituída, ele não é um criminoso, não pretende ser um.Super Soul lhe adverte que ele pode fugir da polícia, mas não pode escapar do deserto, onde acaba se perdendo em uma das seqüências do filme, encontrando um velho caçador de cobras e uma comunidade religiosa que canta hinos a Jesus. Talvez Kowalski, afinal, não estivesse buscando uma fuga, mas uma parada final. Ao som de uma trilha contagiante, cortesia de Jimmy Bowen, Bobby Doyle, Big Mamma Thornton e principalmente, JB Pickers, “Corrida contra o Destino” marca na memória com seus personagens, seu inventário de ideologias e seu final atordoante. Eu fiquei alguns segundos parado quando tudo terminou, mas a sensação fica para sempre, correndo em um Dodge Challenger quase mítico...

OBS: Não confunda com a refilmagem de 1997, totalmente descartável. Além de perder todo o sentido de retrato de época e de cultura de uma geração desorientada, a refilmagem ainda inventa uma desculpa para os atos de Kowalski, totalmente dispensável. Alguém não entendeu o filme quando o assistiu...

1 Comentários:

  1. Teoliterias disse...

    Cara, gostei da sua resenha... parabens... filme icônico e ideológico, bem tramado; não é gratuito como velozes e fu..