A sensação quando assistimos a “O Casamento de Rachel” é a de que somos um dos membros da família do noivo que recém está conhecendo a família da noiva, às vésperas do casamento. Como se fôssemos convidados a conhecer a família com um olhar fisicamente próximo, mas cujos pequenos detalhes vão surgindo revelação a revelação, sem pressa, mas sempre com um olhar privilegiado. Jonathan Demme não tenta em nenhum momento ser didático, e preserva a história de uma família em pedaços para que ela seja absorvida pelo público pouco a pouco, até que este, enfim, se torne quase um membro dela. Em alguns momentos, Demme despedaça o espectador tamanha a carga emocional e raivosa. A vontade é de reagir, mas podemos apenas olhar.
Apesar de toda a base desse drama forte e profundamente humano estar centrado em uma absolutamente fenomenal Anne Hathaway, como Kim, a jovem que sai de uma clínica de reabilitação e volta ao seio da família na véspera do casamento da irmã, Rachel, é a força do elenco que dá mais sobriedade a uma história que fala de vício, culpa, rejeição e falta de rumo. E é um elenco extraordinário. Somente com grandes atores – apesar de o público não conhecer a maioria deles, com exceção de Debra Winger, a mãe de Kim, dona de uma das cenas emocionalmente mais fortes do filme – essa história consegue fugir do lugar comum de qualquer tipo de drama familiar envolvendo ex-viciados. Kim retorna a um lar onde ela não se sente bem por remoer a culpa da morte do irmão no passado, e por sentir que todos:
a) Ou não a querem por perto
b) Ou a bajulam demais, para que ela não se sinta mal num ambiente onde muitos não a querem por perto.
Kim é a ovelha negra, ela sente que não faz parte de tudo aquilo, e não consegue disfarçar sua percepção. É direta, cínica, desafiadora, mas acima de tudo, enfrente seu problema de frente e ama sua família. É um retrato real, não caricaturado. Hathaway constrói uma personagem que também bate de frente com a irmã, que guarda dela profunda mágoa. As duas, como crianças, disputam as atenções. Uma por só saber falar de sua reabilitação, como se o mundo girasse em torno disto. A outra cansada dos esforços da família em salvar a irmã e querendo, apenas por dois dias, que sua vida e seu casamento sejam o centro das atenções. ( a ponto de interromper uma discussão áspera com Kim para anunciar sua gravidez para todos, o que deixa a irmã furiosa e o público dividido ).
Demme faz uso de uma câmera nervosa, mas não faz por puro preciosismo visual. Ela amplia essa reação da platéia de ser um observador privilegiado captando detalhes de uma família extremamente comum em seus amores e problemas, mas única pela quantidade de dramas particulares e conflitos interiores captados a conta gotas, administrados com maestria. É preciso maturidade para fazer um filme como “O Casamento de Rachel” sem cair em clichês dos filmes de gênero, e para saber terminar essa história sem o sentimentalismo comum, ou sem cair na tentação de apelar para o caminho mais fácil. Demme consegue isso – e não importa o sucesso da cerimônia ou da nova família que se cria nesses dois dias, mas os reflexos de cada relação, de cada frase ou desabafo, na vida de cada um.
Tanto melhor quando esse quadro é pintado com atuações magníficas e um diretor seguro, comprovando que ainda sabe do riscado.
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