Drácula de Bram Stoker

Escrito por Fábio Rockenbach

( Bram Stoker’s Dracula, EUA, 1992 )
Direção de Francis Ford Coppola
Com Gary Oldman, Winona Ryder, Anthony Hopkins, Keanu Reeves, Cary Elwes, Mônica Belucci


“Drácula de Bram Stoker” é um filme atípico na carreira de Coppola, mas o típico filme que apenas um gênio como ele poderia ter feito. Ao adaptar a obra de Bram Stoker, Coppola acabou assumindo para si próprio a autoria de uma obra que acaba adquirindo um status singular, porque, se bebe na fonte do livro, transforma água em vinho. Provavelmente é isto que os puristas que criticam o filme não entenderem muito bem – e a presença de Stoker no título não ajuda a esclarecer isso, convenhamos. O que o livro sugere como metáfora, Coppola absorve ao pé da letra. Faz isso conscientemente, e ao criar essa visão ao pé da letra do que Stoker descreve como comparações, cria uma obra sua. Não seria exagero se o título fosse “Drácula de Coppola”. De um modo ou de outro, é uma obra-prima descartada por muita gente e, de quebra, uma das maiores homenagens que o cinema prestou a si próprio em mais de um século.

A presença de Stoker no título se justifica porque o filme adapta a trajetória dos personagens ao pé da letra, conforme o livro escrito pelo irlandês em 1897. A diferença está no ponto de vista: no livro, Drácula é um ser constantemente citado. Ele paira sobre os demais, a narrativa se concentra nos personagens humanos da trama – ele aparece apenas nos momentos em que contracena com algum dos protagonistas. Coppola subverteu a linha narrativa, se adonou de Vlad Dracul e criou para ele um passado – baseado em parte nos relatos históricos do verdadeiro Vlad Tepes, o Empalador – e uma estória de amor apenas sugerida de leve na obra, e mesmo assim apenas pela ligação existente nas seqüências finais do livro. A obra de Stoker apresenta Drácula como um personagem ambíguo, até a chegada de Van Helsing para apresentá-lo, ao leitor como um vampiro, comprovadamente. O diretor e o roteirista John Hart sabia que não poderiam sequer pensar em manter suspense sobre a natureza do conde, porque não há viva alma que não saiba que o nome Drácula relaciona-se ao vampirismo – por isso, a meu ver, não colam as críticas estúpidas de como Coppola retirou todo o suspense sobre a natureza do personagem presente no livro. Não funcionaria aqui.


O que Coppola adicionou, e esta sim é uma contribuição primorosa, foi um misto de paixão, sangue, sexo, furor, lesbianismo até, sempre usando o sangue como matéria prima e metáfora da essência dos sentimentos humanos: Drácula é um ser atormentado, um homem castigado pelo destino ( por Deus? ) que fez um pacto com o diabo e foi condenado a viver eternamente solitário, à custa da vida alheia. Coppola absorveu toda a essência criada pelo mito popular, e não pelo mito do terror. Usa de um estilo expressionista e apóia-se em antigas técnicas para dar um visual único ao seu filme: justifica, assim, o uso de cenários em vez de locações ao ar livre. Retrocede a técnicas usadas nos primórdios do cinema e abre mão de modernos efeitos especiais ( exemplos são as cenas com as noivas de Drácula com Jonathan ou a seqüência em que Johnathan entra no castela, que foram filmadas ao contrário para criar uma sensação de movimento diferente ). Esse tipo de truque simples, semelhante aos que os pioneiros do cinema usavam, pinta cada frame como se fosse uma homenagem do diretor ao próprio cinema ( que quatro anos depois completaria 100 anos).


Talvez a maior prova de que Coppola faz de “Drácula” sua declaração de amor pessoal à sétima arte esteja na seqüência do encontro de Mina e do Conde: ele acontece em um cinematógrafo, durante o que seria uma das primeiras sessões do aparelho que era a grande novidade no final do século XIX. O cineasta ainda joga no mesmo ambiente peças de teatro de sombras que inspiraram a seqüência inicial, inclusive reproduzindo-a com bonecos. ( a batalha de Vlad contra os turcos otomanos é toda feita usando técnicas de teatros de bonecos e de sombras surgidas na China séculos atrás ).

Percebe-se, contudo, uma certa sensação de pressa em alguns momentos, principalmente nos últimos 40 minutos: o livro está ali, todo ele, mas condensado para abrir espaço à construção do mito romântico trágico do relacionamento de Dracula e Mina. apenas sugerido por Stoker. Keanu Reeves, obviamente, foi uma péssima escolha, e as cenas com Renfield acabam por quebrar o desenvolvimento de núcleos muito mais interessantes e tornam-se cansativas. Mas são pequenos problemas que não abalam o triunfo de uma obra de arte hipnótica, contemplativa em alguns momentos. Coppola cria enquadramentos belíssimos, perfeitos – seja quando eles são simétricos, seja quando eles se tornam completamente assimétricos, denotando a herança de alguns clássicos expressionistas. Flashbacks surgem na tela, completando as cenas, como backgrounds, mesclando-se às imagens. A cada nova revisão, um pequeno detalhe – a torneira que pinga para cima e o rato que anda de cabeça para baixo, por exemplo, homenageiam a tradição expressionista alemã nas seqüências do Castelo de Drácula - como todo o jogo de sombras, com algumas cenas homenageando diretamente obras como "O Gabinete do Dr. Caligari" e o clássico "Nosferatu" de Murnau, principalmente com a sombra de Drácula tendo vida própria nas paredes. Ao longo de todo o filme, a iluminação de velas e o jogo de sombras são elementos importantes para compor o cenário onde se desenvolve uma estória que fala, basicamente, sobre luz e sombra, morte e redenção, embaladas por uma trilha simplesmente fabulosa de Wojciech Kilar ( a trilha do polonês tem vida própria fora do filme, mas com as imagens têm um poder de sugestão fabuloso e impactante ).



Se precisasse recuperar uma cena para exemplificar a beleza aterradora e a poesia da obra de Coppola, deixando de lado cenas mais famosas, me bastaria uma. A seqüência do jantar entre o conde e Mina, em que ela descreve a terra natal de Drácula e a morte de Elizabeth é um primor, graças, muito, à atuação tocante de Oldman, que torna quase palpável o misto de sofrimento e felicidade que o personagem experimenta. Ao fundo, Coppola continua exercitando a riqueza visual das antigas técnicas de cinema, com o som de um baile e apenas a sombra de dançarinos passando pela porta.

E quando ela explica que o que vem à mente são recordações como de um sonho que a conforta, os dois concluem ao mesmo tempo... ela dizendo
- "Quando estou só"
E ele...
-"Quando você está só."
Os olhos de Oldman, então, falam mais do que toda a carreira de muitos atores. É arrebatador, quase palpável, lacinante.
Drácula é uma obra-prima, e talvez o tempo faça mais justiça ao que Coppola criou aqui.


3 Comentários:

  1. Red Dust disse...

    É um filme perfeito e a melhor versão de Drácula. Um dos melhores filmes que vi. Intensidade, recriação, ritmo, narrativa forte, interpretações de excelência... está tudo lá...

    Abraço.

  2. Carla Viana disse...

    Sou fascinada por filmes e histórias de vampiros, e comecei a gostar justamente lendo o livro Drácula de Bran Stoker quando eu tinha 11 anos. Qual foi minha supresa quando 1 ano depois o filme foi lançado, e seguindo rigidamente a história do livro, com excessão de poucos detalhes adicionados que só deram mais brilho a história. Depois li Entrevista com o vampiro, que também acabou sendo adaptado para o cinema. Mas enfim, Drácula de Bran Stoker, o filme, é uma obra perfeita em cada detalhe: da escolha dos atores, principalmente Gary Oldman excelente, ao ponto de fazer o telespectador sentir pena do atormentado vampiro(se não estou enganada, ele concorreu ao Oscar de coadjuvante pelo papel),ao figurino, tudo é primoroso. O filme também concorreu ao oscar de melhor maquiagem , mas não me recordo de ganhou. É uma história de Vampiros de verdade e a galera que cultua filmes do tipo Crepúsculo deveria assistir...

  3. henrique disse...

    Ótimo filme, a não ser pelo "monofacial" Keanu Reeves. mas como 0 próprio texto diz: Não estraga o filme.