
Direção de Billy Wilder, com Kirk Douglas, Porter Hall, Jan Sterling

“Você não mentiria para mim não é? Eu sei que não mentiria.”
A frase de Leo Minosa, enterrado num acidente em uma mina localizada dentro de uma colina de nome pomposo, é dirigida ao jornalista Charles Tatum e, quando é proferida próximo do final de “A Montanha dos Sete Abutres”, clássico sarcástico de Billy Wilder, bate como um soco no estômago. De Tatum e do espectador. “A Montanha dos Sete Abutres” ( que é conhecido por dois títulos originais, “Ace in the Hole” e “The Big Carnival” ) é um dos filmes mais sarcásticos de Billy Wilder, um dos maiores diretores do cinema que tinha, no sarcasmo e na crítica, a marca maior de toda sua obra. Quando decidiu direcionar essa característica para o jornalismo, encontrou um prato cheio. Hoje, é difícil acreditar que fazem mais de 55 anos que a história envolvendo Minosa e Tatum foi escrita. Em muitos pontos, ela continua atual demais. Talvez até mais do que na época em que foi lançada.
“Preso” em uma redação de uma pequena cidade do interior, após ser “escorraçado” dos grandes jornais do centro do país, o jornalista Charles Tatum é a antítese do jornalista apresentado como ideal nos cursos de jornalismo, e em muitos pontos espelha desejos repreendidos de muitos profissionais do ramo – não sente remorsos em provocar uma história, ampliá-la, alterá-la ou mesmo desejar uma tragédia para que finalmente possa sair do buraco onde se meteu e voltar a Nova Yorque. Do ponto de vista ético, “A Montanha dos Sete Abutres”apresenta temas clássicos e outros menos salientes, mas igualmente provocadores. Rumando para a cobertura de uma “caça à cascavéis”, Tatum depara-se com a história que sempre sonhou: um homem preso em uma antiga mina, sem poder se mover, aguardando por socorro. Levado pela ânsia de um furo, ele mesmo entra na mina, trava contato com o homem – Leo Minosa – e aproveita para começar seu circo usando as páginas do jornal onde trabalha: tira uma foto do acidentado com artefatos indígenas e dá destaque á frase em que ele diz ter certeza que só se acidentou por culpa de uma maldição provocada por maus espíritos indígenas – a busca por elementos de interesse do público característico da imprensa marrom que traz consequências mais tarde, quando muitos operários se recusam a tentar salvar o homem por medo de uma “maldição”. Até então, o discurso do pesonagem interpretado por Kirk Douglas já dava a dimensão de sua falta de ética e caráter: “Boas notícias não são notícia” ensina ele a um jovem fotógrafo e jornalista, antes de afirmar que os anos do jovem em uma escola de jornalismo são inúteis perto dos anos que ele passou vendendo jornal na esquina, o suficiente para saber o que é bom jornalismo. Ou seja: bom jornalismo é aquilo que vende jornal, independente de seu conteúdo. E normalmente, o público busca aquilo que Tatum oferece: sensacionalismo. Ele engana a si mesmo e aos outros ao defender a idéia do “interesse humano” exposto por ele em suas matérias: centenas de mortes não atraem a atenção da audiência quanto uma morte, e o interesse humano que a história desperta. Stálin já havia proferido sentença semelhante anos antes ( Uma morte é uma tragédia, milhões de mortes é uma estatística ) e a frase ( de ambos ) ainda hoje é válida, numa máxima que muitos profissionais da imprensa fazem questão de não querer lembrar. Afinal, mais vale a história do menino preso num poço do que as milhões de pessoas que morrem em uma guerra. Ironicamente, Tatum tem razão: um rosto e um nome atraem a solidariedade e atenção da audiência muito mais do que milhões de nomes perdidos em listas sem emoção. O acidente com Minosa é o ponto de partida para o desfile de críticas de Billy Wilder, ele próprio um crítico da imprensa e principalmente, da hipocrisia da sociedade americana – filmes como “Farrapo Humano”, “Crepúsculo dos Deuses”, “Primeravera para Hitler” e “Inferno 17” são exemplos disso. A notícia se espalha, Tatum torna-se ele próprio o centro das atenções – graças não apenas à notícia, mas aos exageros escritos por ele, ampliados da realidade e manipulados. Um resgate que poderia durar 16 horas se estende por sete dias, para manter a atenção na notícia. Um xerife em busca de reeleição é facilmente comprado pelo poder que Tatum sabe ter nas mãos: “Eu o crucifico ou eu o reelejo” afirma ele, de forma direta. A viúva descontente do acidentado é manipulada, bem como seus passos, para continuarem rendendo notícia: “”Leve-a à Igreja e tire uma foto dela. Se ela não tiver um terço, leve você um e dê a ela.” pede ele ao jovem repórter que o acompanha.
Tatum, de forma exagerada – mas é esse afinal o objetivo, chocar pelo exagero para não deixar

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