Milagre em St. Ana

Escrito por Fábio Rockenbach





A história narrada em "Milagre em Santa Ana", baseado em romance de James McBride, merecia ser contada, porém Spike Lee não talvez fosse o mais indicado para fazer isso. Mas mesmo que a verve racialmente inconformista de Lee se eleve acima de outras potencialidades da história, isso não justifica que seu filme, lançado em setembro do ano passado nos Estados Unidos só venha a chegar aqui nas telas grandes em Abril, como se anuncia. Principalmente porque, lá fora, já foi lançado em DVD e Blu-Ray.

Lee anunciou aos quatro cantos que sua intenção era recuperar uma história esquecida e lembrar que os negros também deram sua vida durante a segunda guerra mundial - e que, enquanto lutavam pela democracia, eram mais bem tratados na Itália do que em seu próprio país. Não há inverdades na afirmação de Lee. Longe, também, de se criticar a lembrança de um episódio real - obviamente romantizado na tela - da participação pouco lembrada do chamado Batalhão Búfalo, formado apenas por negros, na campanha aliada na Itália. Mas em alguns momentos, a veia de protesto do cineasta de "Faça a Coisa Certa" e "Malcom X" se torna forçada demais. Quase destrói uma narrativa que, mesmo circundada por esses momentos e discursos forçados, melhora, e muito, em sua metade final, depois de um início bem conduzido, quando nos anos 90 um velho funcionário dos correios, negro, repentinamente mata um homem a sangue frio usando uma pistola alemã Luger, em pleno local de trabalho. No seu apartamento, a polícia encontra um artefato valioso dado como perdido na Itália após a Segunda Guerra Mundial.

"O Milagre em Santa Anna" apresenta seus defeitos após esse prólogo. Desde muito cedo, estabelece alguns clichês necessários para se apontar os "brancos maldosos e estúpidos" e os negros usados como bala de canhão, tratados como mentirosos, como homens sem honra. Lee coloca seus oficiais brancos - com exceção de um, interpretado por DB Sweeney, que deve ter ficado feliz em ganhar uma graninha para aparecer, ao todo, por 2 minutos na tela - como homens racistas, preconceituosos, estúpidos ao extremo. É um desses oficiais que não acredita que um grupo de seus homens ultrapassou uma linha defensiva alemã em um rio, mandando ignorar o pedido de seus soldados por apoio aéreo. Quatro dos homens de um pelotão massacrado no rio sobrevivem, mas acabam entrando cada vez mais em território controlado pelos nazistas. Acabam encontrando um jovem órfão italiano ferido, e o levam a uma aldeia na Toscana, onde fazem contato com os moradores, poucos dias depois de os nazistas massacrarem 560 moradores inocentes do vilarejo de Sant'Anna di Stazzema.



Lee se alterna entre erros e acertos. O início é confuso - algumas bombas perdidas surgem do nada apenas para justificar certos acontecimentos - e arrastado. Ele cresce ao estabelecer relações entre quatro negros e a população local do vilarejo. Está nessa relação a base do discurso do diretor quando afirma que os negros se sentiam mais bem tratados no exterior do que em seu próprio país. Mas não é como denúncia e inconformismo que "O Milagre de Santa Ana" funciona bem, e sim como um pequeno drama de guerra composto por personalidades distintas, em um ambiente inóspito. A relação dúbia entre dois soldados do grupo e uma jovem italiana, e a relação entre o gigante Train e o jovem órfão valem mais do que todas as tentativas de Lee usar a guerra como discurso anti-preconceito ou as cenas em que um movimento de câmera triunfante e uma trilha engrandecedora surgem na tela para enfatizar alguma fala apoteótica de um personagem. É curioso, mas apesar desse relacionamento meio lírico soar chato em alguns momentos, talvez pelo garoto, ele é incrivelmente convincente, graças principalmente ao bom desempenho de Omar Miller como o "gigante de chocolate".

Mas é notório também que, se Lee não abandonou a velha tendência de usar o cinema como veículo de protesto, ele também amenizou boa parte de suas declarações. O diretor apresenta na figura de um oficial alemão e de um jovem soldado capturado ( também alemão ) um outro lado da guerra que poucos filmes, mesmo recentes, pensaram um dia acentuar. Apresenta uma bem conduzida seqüência de combate no vilarejo em seu clímax final, não se preocupa em poupar seus personagens e não se esquiva de encerrar essa história elevando a moral e a emoção do público, em uma seqüência final idílica meio deslocada, mas congruente com as intenções de Spike Lee. Outro diretor talvez se preocupasse mais em recuperar essa história do que em fazer uma denúncia, e assim talvez se preocupasse também em criar personagens mais palpáveis, mas que não se tire os méritos de Lee sobre o que sobrou de bom no filme, principalmente para quem gosta de recuperar aquele período da história através do cinema - só ignore os exageros dramáticos em prol da mensagem.

PS: John Leguizamo deve ter implorado por um papel após o elenco estar fechado. Só assim para justificar a aparição completamente sem sentido dele em dois minutos, em uma cena que pode até ter a intenção de justificar as questões de destino, predestinação e milagre da história, mas cuja sua participação é totalmente gratuita.

1 Comentários:

  1. pblower disse...

    Tenho acompanhado o blog e adorado.
    Apesar de que aqui em Caracas as vezes os lançamentos não estãp alinhados com os do Brasil, tem me dado muitas dicas para ir ao cinema por aqui.

    mil beijocas em carla e vc

    Patricia