Leni Riefenstahl - A Deusa Imperfeita

Escrito por Fábio Rockenbach

Ela era a diretora preferida de Hitler, que, dizem, até se apaixonou por Leni, a mulher. A vergonha do holocausto manchou-a indiretamente, foi discriminada em sua época e a história legou para ela uma herança de preconceitos.
E foi, também, um dos maiores gênios da história do cinema...

Berta Helene Riefenstahl só foi vencida pela morte depois de 101 anos, mas nunca pôde encarar e superar de frente a discriminação histórica que a acompanhou por mais de meio século. Apesar do (e alguns dizem por causa do) talento demonstrado como atriz, dançarina, diretora e fotógrafa, Riefenstahl nunca conseguiu se separar das associações com o Terceiro Reich. Embora seus filmes tenham tido impacto no cinema mundial, o fato de ser uma mulher também não a ajudou a conquistar o devido respeito. Sua tentativa de retomar sua carreira nos anos 50 também resultou inútil. O mais irônico é que justamente a beleza plástica e estética com que ela eternizou uma mancha na história do século é o que acabou eternizando-a.
A história de Berta, ou “Leni” Riefenstahl começa num distrito de Berlin, no começo do século XX. Seu pai, Alfred Riefenstahl, era um homem de negócios próspero que trabalhava no ramo de calefação e ventilação. Sua mãe era Bertha Sherlach. A primeira filha do casal, Helene (Leni) Bertha Amalie Riefenstahl, nasceu no dia 22 de agosto de 1902 no apartamento da família em Prinz-Eugen-Straße em Berlim. O irmão mais jovem de Leni, Heinz, nasceu três anos e meio depois. Ele morreria aos 38 anos na guerra de Hitler, no front russo. Leni cresceu em Berlim e viveu em casa até os 21 anos. Contra os desejos do pai, estudou dança e se apresentou em Munique, Berlim e Praga. Mas o curso de sua vida foi mudado dramaticamente quando um dia estava esperando por um trem de metrô no Nollendorfplatz U-Bahn em Berlim. Leni começava a sentir os reflexos de suas atividades na dança em seus joelhos, extremamente fragilizados. Naquele dia, viu um cartaz de propaganda do partido nazista na plataforma da estação. Leni lembrava das sensações no dia em que descansava os joelhos doloridos na estação e viu a imagem de um homem subindo uma montanha, promovendo um filme com nome profético de “Des Berg Schicksals” (" Montanha do Destino "). O filme estava em exibição num cinema ali próximo. Riefenstahl estava em um transe, enquanto o trem chegava e passava por ela na estação. Em vez de ir para o médico onde consultaria, deixou a estação e logo encontrava-se em um mundo imaginário, repleto de imagens vívidas e naturais de montanhas majestosas. Sem saber na ocasião, a garota de 21 anos começava a exercitar a imaginação que a levaria a produzir pelo menos duas obras-primas aclamadas.

Dezoito meses após o dia do seu “transe” na estação de Nollendorfplatz, Leni estreava no cinema, mas em frente às câmeras, atuando em “Der Berg Heilige”, de Arnold Fanck. A chance surgiu alguns meses após ver "A Montanha do Destino”, quando conheceu Fanck em Berlin. Junto com o diretor – e após uma bem sucedida cirurgia nos joelhos cansados – Riefenstahl também conhecera o ator Luis Trenker, que estrelou vários filmes com ela. O que para Leni era uma dádiva que surgiua muito rápido – talvez até demais – acabaria se tornando uma maldição anos depois, quando ela lamentaria ter conhecido qualquer um dos dois.

As circunstâncias que levaram Leni Riefenstahl a pular da frente para atrás das câmeras nunca foram bem explicadas sequer pela própria Leni. Foi um admirador de seu trabalho frente às câmeras, Adolf Hitler, que a convidou a filmar um documentário de uma parada nazista em Nuremberg em 1934. Que pese as razões que levaram Hitler a confiar naquela diretora ou o suposto envolvimento que muitos historiadores atribuíram aos dois, e que Leni sempre negou, o fato é que, depois de Nuremberg, o resto é história. A parada em Nuremberg daria origem a “O Triunfo da Vontade”, considerado por muitos anos um libelo nazista. Hitler recebeu o que queria, é verdade: um impressionante documento que atesta a força da coletividade, sua capacidade de comandar as massas e a submissão de uma força poderosa ao regime. Mas Riefenstahl também registrou a transformação de um povo em uma massa, a perda da individualidade e, dessa forma, criou um registro histórico impressionante de um dos episódios mais analisados e estudados da história humana: a submissão do povo alemão a Hitler.

Satisfeito com o registro de Nuremberg, Hitler deu à Riefenstahl a incumbência de filmar, em 1936, às Olimpíadas de Munique. Para as filmagens de “Olympia” ela comandou uma equipe de 60 câmeras. Três tipos diferentes de filmes em preto e branco - Agfa (planos arquitetônicos), Kodak (retratos), Perutz (campos, grama) - foram usado para filmar mais de 400km de filme. No processo, Riefenstahl inventou ou fez evoluir muitas das técnicas de fotografia de esporte que se utilizam atualmente: movimento lento, filmagens embaixo d'água, sequências filmadas do alto ( em torres ) ou de baixo ( em covas )cenas aéreas panorâmicas... O resultado é considerado uma obra-prima cinemática clássica. Olympia foi premiado no Berlin's UFA Palast no aniversário de Hitler, em 20 de abril de 1938.

O mesmo regime que lhe abriu as portas as fechou definitivamente, não importa o quão genial Riefenstahl fosse atrás das câmeras. Em 1938, Leni embarcou em uma viagem para América, inclusive a Hollywood, para promover Olympia. A visita foi arruinada por vários fatores, o principal deles a má repercussão dos atos nazistas que começavam a preocupar o mundo: a queima de sinagogas e a perseguição viciosa de lojistas judeus na Alemanha no dia 9 de novembro daquele ano. Os esforços da liga anti-nazista foram um nada comparados ao espião existente em sua própria companhia: Ernst Jäger, que mostrou-se ser um colega nada leal. Muito tarde ela descobriria que Jäger ajudara a sabotar seus esforços para organizar a distribuição nos Estados Unidos de seu premiado Olympia. Apesar da hostilidade da imprensa e de cartazes escritos "Leni Go Home" a mais famosa cineasta do mundo ganhou uma audiência com Walt Disney, embora ele tenha recusado assistir a uma exibição privada de Olympia. Disney, na verdade, temia um boicote aos seus filmes e desenhos. Um convite com Gary Cooper era, de repente, "pesarosamente cancelado". Até Disney declararia mais tarde que não sabia, na época, quem era realmente Riefenstahl...


Mesmo com o boicote, uma exibição para cerca de 50 jornalistas e executivos. rendeu na imprensa ( de forma tímida ) elogios entusiásticos à Olympia. O Los Angeles Times escreveu, na ocasião: " Este filme é um triunfo da câmera e uma epopéia da tela. Ao contrário dos rumores, é de nenhuma maneira um filme de propaganda, mas uma propaganda para qualquer nação. Seu efeito é definitivamente zero nesse quesito."

Mas o elogio não fez com que o Terceiro Reich encontrasse distribuidor nos Estados Unidos e Leni retornou arrasada para a Alemanha. Apesar das negativas de Jäger quanto a seus atos, ele não retornaria à Alemanha, dando a Leni a certeza de sua traição. A traição era duplamente dolorida porque ela tinha lutado para incluir Jäger na equipe que viajaria para os Estados Unidos, contra os protestos de Ministro de Propaganda Joseph Goebbels, que havia expulsado Jäger ( cuja esposa era judia ) do Reich Literature Chamber. Se o boicote em tempos pré-guerra foram difíceis para Leni, o pior veio depois. Ela suportou o caos do pós-guerra, foi presa ( e escapou ) três vezes para conseguir chegar à casa de sua mãe na Áustria e reencontrar o marido, com quem foi novamente presa não uma, mas duas vezes. Foi mantida sob a guarda do Sétimo Exército Americano, na companhia de pessoas como Hermann Göring e Sepp Dietrich (da SS). Mas depois de interrogarem-na, os americanos "des-nazificaram" a diretora de filme mais notória da Alemanha e a " libertou sem preconceitos " no dia 3 de junho de 1945. Uma Riefenstahl aliviada retornaria ao convívio de seu retiro em Kitzbühel, na Áustria, para onde ela se refugiou durante o bombardeio aliado sobre a Alemanha, e onde ele trabalharia em "Tiefland", que ela começou a filmar em 1940, mas enfrentando novos problemas. O local onde morava passaria a ser domínio Francês e ela foi aconselhada a se retirar para a área de influência americana. Riefenstahl, no entanto, temia em mover sua vasta biblioteca de filmes, incluindo os negativos originais de Olympia, e acreditava que seu perdão e a declaração de inocência seriam válidas para todos os países aliados.

Não foram.Os franceses decidiram movê-la à zona francesa na Alemanha onde iria parar nas ruínas de Breisah, próximo a Freiburg. Seu velho amigo lá, Dr. Fanck,negaria sequer conhecê-la e Leni viveu com o marido sob intensa apreensão em Breisach e depois em Königsfeld. Eventualmente Riefenstahl seria colocada num manicômio em Freiburg durante três meses antes da liberação dela em agosto de 1947. Mas até julho de 49 era ainda não seria "des-nazificada" pelos franceses. Não bastasse o fato dos franceses estarem de posse de todo o material de sua biblioteca, seu casamento estava prestes a se acabar em crise. Ela ainda demoraria a recuperar seu filme, Tiefland, graças ao surgimento de um fraudulento "Diário de Eva Braun", que citava seu nome - na verdade, produto de uma obscura atriz alemã que havia trabalhado com ela. Tiefland somente estrearia em 1954, 14 anos após começar a ser rodado... e seria o último filme liberado para apresentação da diretora. Embora tenha tentado rodar na África ( onde um acidente de carro quase a matou ) Riefenstahl teve as portas fechadas ao seu trabalho graças à discriminação, mas encontrou um refúgio: a fotografia, que se tornaria seu hobby e sua nova paixão, embora o cinema nunca deixasse de alimentar sua alma. Morou durante um tempo com uma tribo nativa na África e as imagens desse tempo apareceriam em dois livros fotográficos. Passou a realizar fotografia subaquática e, na décade de 70, mesmo aos 72 anos, mantinha-se firme realizando seu trabalho. A perseguição ao trabalho da diretora, no entanto, ainda existia em muitos meios. E isso ocorria desde o fim da guerra.


Budd B. Schulberg escreveu um artigo sobre Riefenstahl para o Saturday Evening Post. Seu título anunciava o que seria dela dali para frente:" Nazi Pin up Girl: Hitler's N° 1 Movie Actress". Os boatos acerca da paixão que Hitler sentia por Leni, a ponto de defendê-la enquanto outros membros do partido nazista pediam por um homem dirigindo seus filmes também ecoaram, mas nunca foram comprovados. Exibições das fotografias de Leni não escaparam da perseguição. Alguns jornais anunciavam:"Em Cartaz: exibição nazista". Críticos conseguiram ver tendências de fascismo e nazismo nas imagens de Riefenstahl de nativo africanos - uma raça considerada inferior pelos nazistas.

Leni Riefenstahl tinha 91 anos quando, finalmente, um documentário de 188 minutos dirigido por Ray Müller, The Wonderful, Horrible Life of Leni Riefenstahl acabaria por ajudar a redimir a diretora. Exibido pelo canal a cabo GNT, o documentário mostra a diretora em sua face humana, relembra seus filmes, inclusive os mais obscuros, e nos apresenta a nonagenária artista em momentos e depoimentos emocionantes, como no reencontro com dois de seus cameramans que trabalharam em Olympia. Sem esquecer o enfoque dado àquela que é considerada sua obra-prima: O Triunfo da Vontade. Mas por mais que a qualidade de gênio à frente de seu tempo e de sua arte estejam estampadas vivamente na obra de Leni Riefenstahl, a sombra do homem que lhe abriu caminho confunde-se com o escuro desfiladeiro que se pôs à sua frente por obra do mesmo homem. Riefenstahl tornou-se refém do destino e da história, um misto de deusa pelo talento e de imperfeição por ter nascido e vivido em uma época e um país destinados a marcar negativamente a história do século XX.



Texto escrito e compilado a partir de inúmeras fontes em inglês e alemão. Alguns títulos originais em alemão podem conter erros de grafia. Não sou expert na língua, então me desculpem caso aconteça.

4 Comentários:

  1. Pedro Henrique Gomes disse...

    Muito bom visitar blogs que "divulgam" filmes como esse. A Deusa Imperfeita é um filme interessante e, acima disso, um clássico.

    Abraço!

  2. Fábio Rockenbach disse...

    Não cheguei a ver "A Deusa..." quando foi exibido, mas lembro da repercussão do documentário ter redimido o nome de Leni. À parte a questão do regime, que não foi culpa dela, sempre achei ela um gênio, apesar de só ter visto "Olympia" e "O Triunfo da Vontade"

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