Golpe de Mestre

Escrito por Fábio Rockenbach

( The Sting, EUA, 1973)
Direção de George Roy Hill, com Paul Newman, Robert Redford, Robert Shaw



Sátira que promove a enganação total com inegável charme, "Golpe de Mestre" é o ápice da ironia refletida em si própria: enganou tão bem que ganhou o Oscar de melhor filme, mas acabou enganado pelo próprio tom de farsa que cria e mantém em toda sua projeção. É mais um daqueles filmes de visão unilateral e completamente irreal do mundo - aquele, verdadeiro, que enxergamos todos os dias na televisão. Mas longe de ser um filme ruim. "Golpe de Mestre", aliás, funciona que é uma maravilha na primeira vez que é visto - constrói uma bela empatia com o público, tem atores que claramente estão se divertindo e um clima de farsa que remete às estórias de Arséne Lupin. Mas é um filme que foi vitimado pelo tempo, e perde muito de seu impacto quando é visto uma segunda vez. Pior é quando o encanto inicial acaba dando espaço à um pingo de razão. Em "Golpe de Mestre", a violência é estilizada, apenas sugerida, e os bandidos são simpáticos. Aliás, é um barato ser trapaceiro: vigaristas respeitam uns aos outros, mantém laços de amizade, lembram dos feitos com saudosismo e são, todos, boa gente, sem exceção. É a velha mania americana de transformar foras-da-lei em mitos romantizados, sejam eles reais - como vilões do velho oeste ou Bonnie & Clyde - ou idealizados, como aqui.

George Roy Hill repete aqui a parceria afinada com Paul Newman e Robert Redford, mas não é, nem nunca foi, um grande diretor. Os méritos de suas duas realizações famosas( a anterior é "Butch Cassidy" de 1969 ) estão em frente às telas, na química da dupla Newman - Redford. É através deles que ambos os filmes deslizam suavemente em sua narrativa, cativam o público e, por fim, ficam marcados, e não por qualquer habilidade maior de Hill. Aliás, é numa daquelas revisões que "Golpe de Mestre" acaba sucumbindo em alguns pontos, quando, em certos momentos, torna-se indeciso entre o tom farsesco e o cuidado mais verossímil com certos aspectos da trama, especialmente com o personagem de Redford - o de Newman é, claramente, um ser à parte, quase superior, em torno do qual a trama se desenrola sem que ele seja, propriamente o responsável, ainda que a estória tente nos provar o contrário. O tom de farsa é escrachado, mas essa definição em aspectos cruciais poderia dar mais liga à estória de dois trambiqueiros de marca maior que se unem para dar um golpe em um chefão da máfia que ameaçou de morte ( sem saber ) um deles. Tudo gira em torno de um golpe envolvendo corrida de cavalos, e é em alguns aspectos da verossimilhança em torno da montagem do plano que "Golpe de Mestre" acaba pecando.

Mas é um problema idiota se for comparado com toda a mis-én-scene já falsificada em que o filme se equilibra com louvor desde as primeiras cenas - e os desenhos que dividem a narrativa, apresentando os "capítulos" tornam ainda mais deliciosa a farsa, criando um clima de expectativa que funciona maravilhosamente bem na primeira vez que se assiste. Se a diegética da narrativa já supõe essa fuga da realidade, se a intenção é ser ingênuo, teatral e muito divertido, então ponto para o trio - e para a já popular música te Scott Joplin. A obra acusa seus defeitos, mas para fugir a eles, a receita talvez seja assistir - e se divertir - apenas uma vez. É a chance de ser enganado como o público foi nos anos 70: um filme absolutamente normal, apesar de charmoso e cativante, que desbancou "O Exorcista", "Loucuras de Verão" e "Gritos e Sussurros" na corrida do Oscar.

Coisa de vigaristas charmosos... mas ainda vigaristas.

4 Comentários:

  1. Jacques disse...

    Bom filme, cujo mérito foi de ter sido realizado com muito empenho por toda a equipe cinematográfica - atores, diretor de arte e Roy Hill. Entusiasma pelo profissionalismo. E só.Abcs.

  2. Pedro Henrique Gomes disse...

    Devido ao meu desleixe ainda não conferi Golpe de Mestre! Mas estou visitando os trabalhos do Paul Newman.

    Abraço!

  3. Fábio Rockenbach disse...

    Jacques, concordo... é um trabalho redondo, bem feito, mas nada extraordinário. Apenas divertido.

    Pedro, não é uma obra-prima, mas vale a pena. É diversão garantida.

    Estou prestes a ver um trabalho diferente de Hill, "Matadouro 5". Algo me diz que esse pode ser "o" filme da carreira de Hill, feito entre os dois que eu citei na crítica

  4. Anônimo disse...

    Comigo aconteceu o contrário, Fábio. Revi-o recentemente e gostei mais do que da primeira vez.

    Acho que o tom de farsa e sem muitos compromissos dá um charme à obra e me fez nem pensar muito nas questões de como tratar o vilão ou a origem de tudo aquilo. Pode soar um pouco episódico, mas o filme e é isso mesmo e acho que nunca esconde a proposta - daí a divisão por capítulos. E extremamente divertido, cumprindo, portanto, com tal perspectiva.