O Demônio da Noite

Escrito por Fábio Rockenbach

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A idéia de um filme quase de “não-ficção” em uma produção de estúdios seria ousada em termos de retorno nas bilheterias hoje. O que dirá de 1948, quando “O Demônio da Noite” foi produzido e lançado pelo Eagle-Lion, pequeno estúdio britânico que se especializou em pequenos filmes “B”, alguns com notável valor artístico, e foi encerrado em 1954. Assisti “O Demônio da Noite” há duas semanas, mas somente neste final de semana me lembrei do filme quando vi “Um Certo Capitão Lockhart”, de Anthony Mann. O fato é que Mann seria o diretor não-creditado que responde por “O Demônio da Noite” - e a magnífica cena final nos esgotos de Los Angeles seria um belo indicativo de que Mann assina pela produção, efetivamente, mais do que Alfred Werker.

Há três elementos que se sobressaem em “O Demônio da Noite”. O primeiro deles é a fotografia em claro-escuro que marcou o cinema noir, mas Werker ( ou Mann ) não utilizam o contraste para acentuar nenhuma personalidade, nenhum personagem ou nenhuma intenção: é apenas um estilo que, num todo, não traz implicações na compreensão dos elementos do filme. Richard Basehart faz isso por si próprio, criando um personagem - o assassino procurado pela polícia - baseado em uma personalidade inconstante e imprevisível ( mas é bom ressaltar o belo trabalho de profundidade de campo que Orson Welles revolucionou em 1941, e que Werker - ou Mann - trabalham de forma eficiente, apesar de vazia de significado, em muitos momentos )

O segundo elemento é a frieza trazida pela decisão de fazer, do filme, quase um documentário sobre o processo de investigação forense da polícia atrás de seu assassino - baseado em um caso real ocorrido nos anos 40 em Los Angeles. Esse processo também sucumbiu ao tempo, não como estilo de narrativa, mas como elemento da narrativa: é ingênuo e documental demais, principalmente em seu argumento.

O terceiro elemento é o senso de urgência que, mesmo na frieza, gera sequências que definem o que há de melhor no filme: sua técnica. O cerco à casa do assassino, após um policial se disfarçar de entregador de leite, e a climática sequência final - já se comentou de como ela decorre dos clímax dramáticos de filmes dos anos 30 - nos esgotos de Los Angeles são cenas marcantes demais para relegarem ao filme o papel de obscurantismo que ele ganhou com o passar dos anos. A ironia é que, se fosse assinado por Anthony Mann, seria lembrado como um passo fora da estrada do diretor, mas um passo bem dado. Como é assinado por Werker, é um filme “interessante” mas relegado ao esquecimento.

Não é uma obra-prima, mas mostra como o talento pode fazer a diferença, mesmo tocando de leve a superfície.

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