O Imperador do Norte

Escrito por Fábio Rockenbach

( The Emperor of the North, EUA, 1973 )
Direção de Robert Aldrich, com Lee Marvin, Ernest Borgnine, Keith Carradine


"Você nunca será Imperador do Norte. Você tem disposição, mas não tem coração, e eles caminham juntos. Você tem combustível, mas não tem sentimento, e ninguém pode ensinar isso a você. "

As duas horas de "O Imperador do Norte" são preenchidas com um sentimento de miserabilidade, de incapacidade de crescimento, de falta de perspectivas. Somente assim para homens tornarem tão importante uma disputa de poder enraizada em um desafio movido à orgulho e dinheiro. Claro, há o aspecto mais importante: toda a ação se desenrola durante a violenta crise que assolou os Estados Unidos depois da quebra da bolsa em 1929, mas os protagonistas - e os coadjuvantes - desse drama travestido de aventura constróem um universo particular, e elegem suas conquistas nesse pequeno mundo de importância restrita como maiores do que realmente são. "O Imperador do Norte", mesmo esculpido como uma aventura tradicional, tem muito a falar em seus frames, em suas interpretações, em seus conflitos movidos a olhares raivosos e sutilezas, porque quem dirige é um certo Robert Aldrich.

A trama se restringe a um pequeno universo, as ferrovias americanas em 1933, e constrói um microcosmo dentro desse meio habitado por pessoas miseráveis buscando sobreviver à crise. Versa sobre vagabundos sem casa ou trabalho que usam os trens para andarem de um lado a outro do país... menos no trem número 19, onde Shack ( Ernest Borgnine ) pune com violência aqueles que ousam viajar clandestinos. É o desafio perfeito para "Número 1" ( Lee Marvin ), apelido dado ao vagabundo de Ernest Borgnine, espécie de herói informal da classe, dono de feitos incríveis e de fama peculiar. Número 1 desafia Shack: escreve em letras garrafais, por onde passa, que viajará até Portland de carona no Trem 19. Motiva apostas em dinheiro, mas acima de tudo mexe com os brios do violento Shack. O restante do filme divide-se entre a disputa pessoal entre Shack e Nº 1 e a relação deste último com Cigaret ( Keith Carradine ), um aspirante a vagabundo que segue seus passos, aprende com suas manhas e aspira tornar-se, ele próprio, o "Imperador do Norte" do mundo miserável habitado por aqueles vagabundos.


Aldrich reduz o mundo a essa disputa particular, não sai do seu microcosmo, não mostra o outro lado da moeda. Tudo gira em torno dessa ambiente e de sua pobreza, literal e de espírito. Para aqueles personagens, no entanto, as conquistas que eles buscam ali são importantes. Reafirmam, por breves instantes, suas condições de homens, de pessoas com capacidade de ser algo, mesmo que apenas importe a eles - e não importa mais nada senão essa busca por realização pessoal patética ou por comida. Há, de forma gritante, o apelo social da estória dirigida por Aldrich, uma certa tensão movida pela diferença não de classes, mas de posições ditadas pelas circunstâncias, não por berço. É por isso que Nº 1 não respeita Shack: para o vagabundo, o guarda do trem não é diferente dele. Apenas teve mais sorte na hora certa. É uma espécie de figura enjeitada pela classe, um pária tão odiado quanto a sociedade em crise onde eles tentam sobreviver.


O grande mérito de Aldrich está em não tentar criar um discurso em cima da situação, em romantizar ou idealizar a classe - algo que até já foi feito com louvor, por exemplo, em "As Vinhas da Ira". Aldrich não lembra o espectador a cada diálogo ou frame de que aqueles personagens são atingidos pela tragédia, mas coloca-os como indivíduos que aprenderam e aceitaram a realidade em que vivem. Isso faz com que entremos nesse mundo de forma natural - até por não sermos apresentados a outras realidades senão aquela ao longo de duas horas. Não é um filme visualmente brilhante ou inovador em sua narrativa, mas é uma obra madura, travestida por momentos até noonsense de humor ( há uma sutil lembrança dos keystone cops dos filmes de Chaplin, também vilões de uma sociedade marginalizada, em uma cena com um diálogo hilariante entre o policial e Nº 1, depois do roubo de um peru ) e uma interpretação afiada de Lee Marvin, mais conhecido como um brutamontes, mas que demonstra um talento incondicional para trazer à tela um personagem ambíguo, que nunca demonstra suas emoções ou suas motivações, e ainda assim nos cativa. No discurso final, Aldrich ( cineasta acostumado a buscar o ser humano escondido atrás da miséria, em todos os sentidos ) sinaliza como era pequeno o universo habitado por esses personagens e suas conquistas, com o trem afastando-se, diminuindo na tela, a voz que grita ficando cada vez menor, até desaparecer. "Imperador do Norte" não pode ser considerado um mero filme menor do diretor de "A Morte num Beijo" e "Os Doze Condenados": ele tem sua própria grandeza, dentro de seu universo. É provável que o filme ganhe alguns pontos na minha percepção com o passar do tempo, porque ele tem capacidade inata para isso: a de trabalhar com o tempo uma certa memória afetiva de seus personagens e suas motivações.



6 Comentários:

  1. Pedro Henrique Gomes disse...

    Assim como você, gosto de dar bastante atenção aos clássicos. Até porque, o cinema era muito melhor na época, por exemplo, de "O Imperador do Norte", que ainda não conferi...

    Abraço!

  2. ATorres disse...

    Olá Fábio.

    Saberia onde encontro este filme?

    Infelizmente a produtora não se interessou em lança-lo no Brasil e só o encontrei na Amazon.

    Até cópia eu aceitaria, pois vi este filme na tv a muuuuitos anos atrás e gostaria de assistí-lo novamente.

    Um abraço

    Ayrton Torres

  3. Fábio Rockenbach disse...

    Ayrton, para você ter uma idéia da dificuldade, só encontrei esse filme com áudio em espanhol na rede P2P, e inclusive tive que assistir com legenda em espanhol. A vontade era grande demais, meu sogro vivia falando dele e não encontrava de jeito nenhum nem para locar ou para vender.

  4. ATorres disse...

    Ok Fábio.

    Imagine eu, que assisti em 1979...

    Estou negociando a compra do filme em inglês com legenda em português.

    Te manterei informado.

    Um abraço

  5. Anônimo disse...

    intiresno muito, obrigado

  6. Anônimo disse...

    Bom...vale citar que está a venda no site www.2001video.com.br, não sei se ainda interessa. mas fica ai a dica. ótima resenha, parabéns.
    abraços