(A Wedding, EUA, 1978)
Direção de Robert Altman, com Desi Arnaz, Jr., Caroll Burnett, Geraldine Chaplin
Uma das muitas facetas de Robert Altman era sua fascinação pela improvisação. Em Nashville e O Jogador, isto foi um diferencial que praticamente elevou tais filmes ao status de obras-primas, pois além da sinceridade expressa pelas cenas, o trabalho do diretor tornou-se muito mais natural, leve, fluído. E apesar desse perfil neo-dadaísta, ainda é impressionante constatar que Cerimônia de Casamento nasceu de uma piada. Quando perguntado por uma repórter qual seria seu próximo projeto, em tom irônico ele respondeu que filmaria um casamento, e refletindo na idéia, decidiu levá-la adiante.
Impressionante aliás é um adjetivo perfeito para o filme. O elenco conta com 48 atores (um recorde), a esmagadora maioria desconhecidos, e Altman magistralmente situa o expectador quanto a cada um deles, sempre através de suas relações e de forma não isolada.
As famílias Corelli e Brenner celebram sua união planejando um glorioso casamento, e como todo evento do tipo, nada sai exatamente como planejado. Depois da cerimônia, uma grande festa aguarda a todos os convidados na mansão dos Corelli, onde a matriarca os aguarda em seu leito - e não demora muito a constatar - de morte. Está armado o palco para uma verdadeira maratona de absurdos e humor ácido, amarrados de forma deliciosa em duas horas de filme.Já na primeira cena, Altman dá o tom de sua comédia. É o casório, no qual o senil bispo mal lembra do protocolo para a ocasião. A noiva, Muffin (um nome original, sem dúvidas), é apresentada na triunfal entrada pro altar, mas o instante é arruinado com o sorriso metálico exibido pela moça. É um daqueles momentos em que surge o som de um disco riscado nas nossas cabeças. Os tipos presentes também chamam a atenção, sem sequer abrirem a boca: o afoito primo nerd, o entediado irmão da noiva e seus pais pomposos, a irmã incomodada com a falta de atenção (Mia Farrow, umas das únicas estrelas no cast), entre muitos outros integrantes de uma coleção curiosa de personagens.
Mas é na mansão onde a história realmente se desenvolve. O diretor, de forma muito despretensiosa, perambula com sua câmera por entre todas as conversas, falsidades e rituais burgueses, pouco a pouco derrubando a máscara de cada pessoa, e o casamento em si revela-se o menos importante ali (aliás, os noivos têm pouquíssimo tempo em cena). Enquanto vemos as trocas de casais, escaladas sociais, flertes e narizes empinados, o cadáver da matriarca jaz em seu quarto, e o segredo não vaza para a festa não ser arruinada. E dando um show a parte, a ultra-zelosa equipe responsável pela segurança, a qual começa a desconfiar até mesmo dos convidados. "Senhor, não me faça ter que te neutralizar" diz a agente mais arrecatada a um estranho.
O filme foi lançado em 1978, mas nada está datado, a história funciona perfeitamente para os dias de hoje (o que comprova o talento e criatividade de Altman também como roteirista). A invasão da contra-cultura é notada na periferia dos acontecimentos, e é perfeitamente compreensível que em um ambiente tão artificial, vários convidados fogem para a roda de maconha. Durante toda a projeção, percebe-se como o próprio diretor está se divertindo com tantos absurdos, criando um círculo vicioso de inspiração. Cerimônia de Casamento é irreverente, provocante, ácido e uma bela adição na genial filomografia de Altman.
Taí um Altman que eu não conheço. Me deu vontade de assistir - o tom do texto me faz lembrar alguns filmes latinos, e só de pensar nisso tudo aliado com a habitual maestria do Altman em contar histórias com muitos personagens, é de salivar.
Na lista.