Frost/Nixon

Escrito por Fábio Rockenbach

(Frost/Nixon, 2008)
Direção de Ron Howard, com Michael Sheen, Frank Langella, Kevin Bacon, Sam Rockwell



Não é sem razão que, quando David Frost surpreende o ex-presidente Richard Nixon com uma primeira pergunta inquisidora, fora do acordo firmado, o personagem de Kevin Bacon em “Frost/Nixon”, novo filme de Ron Howard, usa uma luta de boxe para explicar o que começava a acontecer. A comparação com um primeiro golpe, e com a reação do adversário ao ver seu oponente surpreendendo-o é a mais direta das muitas menções que existem ao longo do filme comparando as famosas entrevistas acontecidas nos anos 70, pouco depois da renúncia do presidente norte-americano, com um combate. A surpresa, nessa cena em particular, é que não é David Frost quem triunfa ao fim desse round, mas um esperto homem político que, como uma cobra criada nos bastidores do poder, sabe dar as voltas a todas as inquisições de seu oponente, sentado à sua frente. Quem sente o golpe é o inquisidor.

A história de David Frost e Richard Nixon marcou a televisão norte-americana – ironicamente em uma entrevista desacreditada conduzida por um apresentador de talk-shows britânico. Pouco depois da renúncia de Nixon, David Frost conseguiu uma série de quatro programas entrevistando o presidente. Frost e seus pesquisadores queriam que Nixon tivesse, ao vivo, o julgamento do qual escapara com o perdão presidencial, mas não contavam que o velho homem aparentemente indefeso era uma cobra esperta no discurso e nos bastidores do jogo do poder. Os quatro programas tornaram-se uma disputa de gato e rato, onde os papéis continuamente mudavam de posição, até Frost conseguir fazer o que nenhum juiz ou tribunal havia conseguido.

O grande interesse do filme de Howard é colocar os antagonistas como homens com objetivos comuns. Uma notável cena de Nixon falando ao telefone com Frost nas vésperas da última entrevista exprime toda a base que conduz o roteiro de Peter Morgan. Ambos, Nixon e Frost, têm fantasmas em seu passado que os puxavam para baixo. Ambos chegaram ao topo, e ambos caíram. E ambos, também, querem desesperadamente dar a volta por cima. No argumento de Morgan, por sinal um dos melhores do ano no quesito, estão as palavras de Nixon que resumem a situação: “Serei seu adversário mais feroz, porque os holofotes só podem iluminar um, e ao outro só restará o esquecimento.”

“Frost/Nixon” é, certamente, um filme de interesse maior ao público norte-americano. Isso talvez explique a forma entusiasmada como ele foi recebido com diversas indicações aos principais prêmios do ano dados pela crítica dos Estados Unidos. Mas o filme de Howard não é notável como parte da crítica norte-americana sustenta. Ancora-se em dois ótimos atores que desviam a atenção de supostos erros. Howard mais uma vez adultera a ação para privilegiar a emoção – e alguns trechos da entrevista desaparecem no filme, são cortados, algumas reações são modificadas. O curioso é que, sozinho, “Frost/Nixon” sobrevive a tudo isso. Mas uma rápida olhada no YouTube nos verdadeiros vídeos da controversa entrevista mostram que a interpretação de Langella é soberba, mas a construção do personagem Richard Nixon perde pontos frente ao que realmente aconteceu. O Nixon do filme de Howard é um homem decadente, envelhecido, com uma expressão bem menos forte do que o verdadeiro político quando foi entrevistado. Isso transforma as demonstrações de lábia e Inteligência do personagem em momentos surpreendentes, mas a estratégia falta com a verdade. Michael Sheen, por sua vez, dá um belo salto em uma carreira irregular. Seu papel como Frost não é digno de prêmios, mas mostra que há muito o que extrair do ator confinado a papéis secundários em praticamente toda a carreira.

O Nixon de Frank Langella – pouco parecido com o personagem, mas hipnotizante quando está em cena - é visto como um homem sedento por poder, por dinheiro e extremamente preconceituoso – contra negros e homossexuais. Mas é também visto como uma personalidade marcante, capaz de dobrar sem palavras ou dificuldade seu mais ferrenho opositor, a ponto de fazê-lo apertar sua mão em um momento em que lhe faltam palavras. Kevin Bacon compõe um homem mais preocupado com a integridade de Nixon, movido mais pela fascinação que lhe exerce sua personalidade do que pelos atos que ele cometeu. É uma relação, quase, de filho protegendo ao pai. E Hans Zimmer faz uma de suas trilhas mais contidas. Intervém pouco no filme, e quando o faz alcança bons resultados com arranjos simples e crescentes – com exceção da trilha escandalosa em alguns momentos finais do filme.

O filme de Howard faz uso do recurso de inserir em meio à narrativa depoimentos dos envolvidos na história, mas feito pelos atores que interpretam as personagens, fugindo do enfoque realista e dando a esses personagens o estigma de reais. É um recurso interessante para emergir o público na trama como se ela fosse totalmente real, feita por aquelas pessoas, inseridos em um filme de ficção, mas o recurso acaba se tornando a comprovação de como Howard quer de tal forma manipular aquela história para que o público compre a SUA versão e esqueça alguns pormenores das verdadeiras entrevistas. Como o norte-americano gosta de supervalorizar seus ícones como superlativos, a maioria comprou o peixe. Se serve para enfatizar o potencial sempre discriminado de Frank Langella, tanto melhor: “Frost/Nixon” vale, e muito, por ele.

8 Comentários:

  1. André Renato disse...

    Olá, Fábio! Só pra avisar que você é um dos blogs maneiros (uma espécie de corrente de divulgação de blogs camaradas) do Sombras Elétricas... Maiores explicações estão lá no blog. Valeu!

  2. André Renato disse...
    Este comentário foi removido pelo autor.
  3. pblower disse...

    Fabio,

    Valeu pela dica sobre o filme Benjamim Button. Vou procurar o livro. Quanto ao filme, eu gostei, mas realmente faltava alguma coisa.

    beijos muitos diretamente de Caracas para Carlinha e vc.

  4. Alex Gonçalves disse...

    Parece que finalmente Frank Langella encontrou o papel de sua carreira, ainda que já esteja bem velho. Gosto pacas dele em "O Último Portal" de Roman Polanski, mas são poucos os filmes que se viu onde ele tinha um papel à altura de seu talento. Talvez eu veja em breve.

  5. Pedro Henrique Gomes disse...

    Deve ser um filmaço! Vou ver hoje junto com Slumdog, se tudo der certo!

  6. Robson Saldanha disse...

    Adorei ese filme, ele me surpreendeu mais do que esperava. Langella ajuda e muito e Sheen não fica atrás, mas a direção teve um grande papel e o filme merece destaque!

  7. Anônimo disse...

    Fábio,
    Este comentário está fora do lugar, mas queria dizer que só agora tomei conhecimento deste blog e fiquei agradavelmente surpreso com a qualidade de suas análises e comentários.
    Você é um ótimo crítico de cinema, muito melhor do que esses outros que freqüentam a grande mídia.
    Parabéns!

  8. Anônimo disse...

    Olá, Fábio! Cheguei a seu blog hoje e vi, no post anterior, que você "ameaçou" abandoná-lo por outro vinculado ao novo projeto, o Cinefilia. Embora o novo site seja aparentemente ótimo (ainda não o vi, mas vou ver e pela chamada parece mesmo muito bom), iria lamentar muito esse blog deixar de existir, porque é ótimo e muito bonito! A crítica de 'Frost/ Nixon' dá a entender que ele terá continuidade e espero que sim, hehe.

    Abraço e convido a uma olhadela no meu Boulevard do Crepúsculo.