A Cor do Dinheiro

Escrito por Fábio Rockenbach

(The Color of the Money, EUA, 1986)
Direção de Martin Scorsese, com Paul Newman, Tom Cruise, Mary Elizabeth Mastrantonio, John Turturro, Bill Cobbs



Um dos grandes filmes da carreira de Scorsese, reúne em doses generosas um pouco de tudo o que um dos mestres do cinema americano assimilou e passou adiante em 15 anos de carreira – naquela época. Não é correto dizer que da primeira vez que Eddie Felson ( Paul Newman, merecido e tardio Oscar de melhor ator pelo papel ) viu Vincent Lauria ( Tom Cruise ), ele reconheceu o puro-sangue, como ele próprio o chamaria mais tarde. Nem da segunda.

“Diabos, esse garoto tem uma tacada e tanto”. O certo é dizer que Eddie Felson OUVIU Vincent na primeira vez e reconheceu um dom natural que ele é – não que ele tem, como ele diria a Vincent posteriormente. Na segunda vez que Eddie ouviu Vincent, nós vemos o rosto de Eddie e presenciamos acender uma chama que estava apagada. Scorsese mostra isso de forma bruta, rápida, com o primeiro dos muitos movimentos acelerados de câmera que marcam o filme. A cena inicial, ao som de “One more Night” apresenta a fumaça, as luzes fracas, a sujeira do cigarro e os copos de uísque marcados por dedos cheios de giz. Emergimos de imediato no mundo de Felson e Vincent para uma aula de cinema.

“A Cor do Dinheiro” retoma a trajetória de “Fast” Eddie Felson, personagem vivido pelo mesmo Paul Newman 25 anos antes em “Desafio à Corrupção”. A passagem do tempo real é a mesma no filme. “25 anos anos atrás alguém colocou meus parafusos no lugar” explica Eddie ao jovem Vincent e sua namorada e “empresária” Carmem ( Mary Elizabeth Mastrantonio ). Reconhecer em Vincent um talento tão espetacular frente a uma mesa de bilhar e se dispor a treiná-lo é, antes de mais anda, um homem anestesiado reconhecendo a si próprio quando jovem, tentando enxergar o próprio reflexo. O tempo passou para Eddie, antigos salões de bilhar tornaram-se depósito de móveis, mas uma coisa não muda: o jogo. “A Cor do Dinheiro” pode conter em sua trama a básica história de mestre e aluno, mas Tom Cruise e Mastrantonio são apenas suportes para Scorsese reviver a história de Eddie, e de ninguém mais. Não é no talento de Vincent, sua arrogância e seu processo de amadurecimento que está o grande mérito dessa obra ignorada por muitas pessoas como um filme “menor” do ítalo-americano, mas em retratar a jornada de um homem que se redescobre, no aprendizado de se ver novamente no espelho. Não é, sequer, sobre mestre e discípulo terem no meio deles uma mulher. Mas sobre renascer. E esse renascimento, em menos de duas horas, possui uma edição tão brilhante, tantas nuances, cenas e seqüências memoráveis que mereceria uma noite de discussões em uma mesa de bar.

Se há algo entre Eddie e Vincent, como o próprio discípulo estabelece ao mostrar que aprendeu as lições do mestre por vias tortas, já no final, é a disputa entre os meios e os fins para os quais usam o taco de bilhar. “Posso ganhar de você agora. Ou em Houston mês que vem. Ou em New Orleans mais tarde. Não é isso que importa.” sentencia Eddie. “I’m back!”

E a cor do dinheiro, é tão verde quanto a mesa de bilhar?
Filmaço!

Escritores da Liberdade

Escrito por Fábio Rockenbach

( Freedom Writers, EUA, 2007)
Direção de Richard LaGravenese, com Hillary Swank, Patrick Dempsey, Scott Glenn, Imelda Staunton


Você já viu essa história antes. Desde que Sidney Poitier estrelou “Ao Mestre, com Carinho”, clássico da Columbia de 1966, o tema professor idealista versus alunos problemáticos gerou um dos mais batidos temas do cinema: alguns com qualidade, outros completamente descartáveis. “Escritores da Liberdade” se insere em um meio termo em toda essa história. Parte de uma história real que foi, percebe-se, romantizada e preparada para emocionar, mas tem o mérito de tentar explicar as origens do problema confrontado pela professora iniciante interpretada por Hillary Swank, e não simplesmente jogar o problema a esmo se concentrando na luta do sempre persistente mestre em questão.

“Escritores da Liberdade” é, na verdade, o nome dado por estudantes de uma escola de ensino médio ao livro originado da experiência de anos promovida pela jovem professora Erin ( Swank ). A professora é o típico retrato do idealismo e da ingenuidade. Envolve-se em uma escola que promoveu a “integração” de classes e raças, e herdou uma turma de alunos problemáticos, repleta de conflitos envolvendo guerra de gangues, diferenças raciais e queixas sociais, apresentados como problemas graves de Miami. Erin logo descobre que não poderá ensinar língua inglesa e literatura da forma como idealizava. Troca o programa básico por um “alternativo”, visando primeiro entender o mundo dos seus alunos e socializá-los. Ganha pontos por essa medida: desde o início, o filme de Richard LaGravenese se preocupa em ambientar essa história real no ambiente onde ela se desenvolve, consciente de que só assim o roteiro pode ser perfeitamente compreendido. Não à toa, quem inicia o filme não é Erin, mas uma de suas alunas, relembrando como passou da ingenuidade à raiva em alguns anos de infância perdida.

O mais grave dos problemas é a necessidade absurda de encontrar um vilão para essa história, e ele não é a desordem social e a desigualdade – ou mesmo a violência. Ele concentra-se de forma caricata na diretora da escola de Erin, feita pela sempre competente Staunton, que nutre por ela um ódio inexplicável, e um conservadorismo irritante. É forçado demais. Por outro lado, guarda bons momentos ( o jogo da verdade, onde Erin coloca seus alunos sobre uma linha expondo os problemas com a violência que eles enfrentam e a seqüência ambientada no Museu do Holocausto são absorventes ). O melhor deles, no entanto, é a reação da aluna que abre o filme ao terminar de ler “O Diário de Anne Frank”, despejando sua raiva sobre Erin por não poder exorcisar seus medos nem nos livros : “Por que me fez perder tempo lendo se sabia que ela morreria?” E apesar de aproveitar muito pouco os talentos de Dempsey ( que melhorou muito como ator depois de Grey's Anatomy ) e Glenn, não se perde ao expor os problemas do núcleo familiar de Erin.

Repleto de clichês, manipulador e exagerado em vários sentidos sim, mas mais sincero do que muitos outros exemplos da mesma safra.

Antes só do que mal Acompanhado

Escrito por Fábio Rockenbach

(Planes, Trains and Automobiles, EUA, 1987)
Direção de John Hughes, com Steve Martin, John Candy, Laila Robins, Michael McKean, Kevin Bacon


Bons tempos onde se ia ao cinema para rir das peças que o cotidiano podia pregar em qualquer um. Onde comediantes não precisavam apelar para histerismos e caretas para provocar alguma risada. Steve Martin era assim... ainda é ( sou daqueles que acreditam piamente que falta a ele apenas um bom roteiro que não apele para situações insólitas como desculpa para o humor, como ter 12 filhos, por exemplos ). Até mesmo filmes do Jim Carrey dos anos 80, o comediante Chevy Chase, fazia uso do cotidiano para fazer rir, e não de uma situação extraordinária - vide um homem ter dupla personalidade ou não poder mentir durante um dia inteiro. E isso não quer dizer que esses recursos não existiam naquela época: o próprio Steve Martin, por exemplo, já interpretou um homem em uma situação extraordinária em "Um Espírito Baixou em Mim" ou em "Roxanne", talvez o melhor filme da sua carreira. "Os Safados", com Michael Caine, e este "Antes Só do que Mal Acompanhado" são bons exemplares do bom cinema de comédia daquela época.

Toda essa enrolação foi só para dizer que estão em Steve Martin e John Candy a grande graça deste filme de John Hughes que não se rende a caretas e histrionismos visuais para provocar riso e tristeza. A história do publicitário Neal ( Steve Martin ), que enfrenta situações inacreditáveis enquanto tenta voltar para casa, do outro lado do país, a tempo do almoço de ação de graças, é de uma simplicidade revoltante, mas é brilhante porque não se sustenta apenas nos percalços que surgem em seu caminho, e no caminho de Del, vendedor interpretado por Candy que surge como um karma para acompanhar a jornada de Neal. Hughes, autor do roteiro, apostou de forma sábia que a melhor maneira de tornar o filme um sucesso seria tornar a platéia não uma observadora do caos e das armações do destino na jornada da dupla, mas de torná-la quase uma companheira de viagem. Rimos, muito, do que acontece com Neal e Del não pela graça das situações em si, mas pela reação espontânea e natural de Candy e Martin. Por mais absurda que seja toda a estória, essa dupla de comediantes brilhante faz com que tudo pareça real, o que acentua o humor nervoso do filme. Candy ainda tinha a propriedade de se tornar um maldito animal indefeso quando queria, de propiciar pena com um olhar vago e perdido, e o que poderia soar como simples clichê emotivo acaba sendo um elemento importante de uma estória que fala de amizade e bons sentimentos acima de tudo. Acima até mesmo das risadas. Essas vêm como um brinde extraordinário.

Bons tempos onde fatos simples e pessoas comuns rendiam boas comédias, e não apenas para fazer gargalhar. Um mero sorriso no canto da boca ao final de um filme também faz muito bem...

Festim Diabólico

Escrito por Fábio Rockenbach

( Rope, EUA, 1948 )
Direção de Alfred Hitchcock, com James Stewart, John Dall, Farley Granger, Cedric Hardwicke, Joan Chandler


Festim Diabólico é um exemplar cruel do suspense mais sórdido que Hitchcok sabia compor como ninguém. O suspense pelo suspense, como único exercício de mexer com os nervos. Não bastasse fazer isso como ninguém, ainda aproveitou para criar um filme-exercício que ele nunca mais repetiu, mas serviu para atestar seu pleno domínio de cena, de espaço e de atores. Festim Diabólico é rodado inteiramente sem cortes. Nenhum. Os únicos cortes que existem acontecem a cada oito minutos, porque era o limite dos rolos usados na filmagem. Para não quebrar as seqüências, Hitchcok focava as costas de um dos personagens, trocava o rolo e reiniciava a ação partindo das costas para seguir em frente em seu teatro de suspense que, mesmo ambientado em apenas um ambiente, consegue prender a atenção do início ao fim.

O motivo para essa trama angustiante não poderia ser mais hitchcockiana: dois amigos cometem um assassinato no seu apartamento e escondem o corpo em um baú. O requinte de crueldade é que, minutos depois, os convidados de um jantar oferecido por eles chegam ao apartamento: os pais, a noiva, a tia e até o concorrente do morto pelo amor de sua noiva, que jantam na mesa montada em cima do baú onde está o corpo. Para provar sua genialidade, a dupla de assassinos convida também seu professor ( Stewart ), um homem perspicaz e de idéias avançadas, com a idéia de que, se eles conseguirem enganá-lo, provarão que um assassinato é, também, uma obra de arte, privilégio de inteligências e classes superiores.

Todo o nervosismo está no fato de que a platéia, aqui, é cúmplice dos assassinos, e não do lado bom da estória. É até irônico a forma como Hitchcok brinca com essa dualidade de sentimentos: ele coloca o público primeiro temendo pelo momento em que todo o estratagema pode ser descoberto- e são várias as ocasiões em que isso acontece - e gradativamente passa a colocá-lo ao lado do professor Rubert Cadell de Stewart, dividindo um misto de ansiedade e temor pelo que pode acontecer. E brinca com os nervos do público usando de simples objetos, como uma corda usada para amarrar livros. Faz com que a audiência, extremamente indecisa quanto à seus sentimentos, passe a simplesmente se angustiar pelo que quer que vá acontecer – um sentimento ampliado pela prepotência do cérebro da dupla criminosa, Brandon Shaw, que começa a jogar pistas a esmo sobre seu crime, e o desespero do inseguro Phillip com o jogo perigoso mantido pelo parceiro. Manter esse jogo durante 80 minutos em uma encenação sem cortes, com cada movimento e posição marcado e coreografado não é para qualquer um. Hitchcok amplia esse exercício com o movimento certo, com o close essencial, com a mudança de direção necessária enquanto amplia a tensão. É uma mescla entre o teatro e o cinema – repare como o cenário da cidade muda suavemente de tom, do fim de tarde até a noite – em uma história em tempo real onde a angústia, também, molda-se de forma quase imperceptível, mas extremamente palpável. Uma pena apenas que o final, extremamente abrupto e excessivamente teatral, não faça jus ao restante desse exercício primoroso, que apenas por isso é apenas (!) quase perfeito.

O Desafio das Águias

Escrito por Fábio Rockenbach

( Where Eagles Dare, EUA, 1968 )
Direção de Brian Hutton, com Richard Burton, Clint Eastwood, Mary Ure, Patrick Wymark


"O Desafio das Águias" faz parte do "pacotão" de filmes sobre a segunda guerra mundial que surgiram aos borbotões nos 25 anos que se seguiram ao fim da guerra, em 1945. A premissa básica, nesses filmes, é a de considerar a guerra como um background de luxo para missões intrincadas de espionagem. De fato, filmes como esse foram inspiradores de missões em jogos para computador como "Medal of Honor" e "Call of Duty". A diferença é que, nesses jogos, a ambientação foi toda tirada do cinema pós-Resgate do Soldado Ryan. Mas o apelo desses filmes - e dos jogos - ainda está na atração que a segunda guerra mundial construiu no imaginário popular. Durante 6 anos, os eixos do bem e do mal ficaram claramente definido no imaginário de muitas pessoas. Seria loucura o cinema não aproveitar de tantas possibilidades abertas.

Apesar disso, esse encontro entre Richard Burton e Clint Eastwood rende muito menos do que poderia render. É um desperdício de uma boa estória de Alistair MacLean, que foi "convidado" a escrever essa trama especialmente para o cinema após o sucesso de "Os Canhões de Navarone", obra literária sua. MacLean sabia o terreno que estava pisando. O problema maior não foi dele. Burton é um oficial do exército britânico encarregado de chefiar uma missão de alto risco: resgatar um oficial mantido prisioneiro em uma fortaleza alemã encravada no norte da Bavária. E só. MacLean adiciona bons elementos de surpresa em sua história, que envolve mais do que um simples plano de infiltração na fortaleza, passando antes por um vilarejo e um quartel general controlados pelos alemães. É uma pena que o oficial interpretado por Burton seja, sempre, tão senhor da situação, e tão intocável em meio aos perigos, que jamais chegamos a temer que algo aconteça a ele. Já Eastwood prova que, como ator, sempre foi um excelente diretor, mas seu personagem, um tenente norte-americano, ainda é mais crível do que o "herói" do filme, por estar alheio a todas as tramas que envolvem os personagens. Para piorar, um oficial da Gestapo que se anuncia como o grande vilão do filme simplesmente torna-se descartável sem que sua presença ao longo de todo o filme soe como minimamente justificável.

"O Desafio das Águias" é uma prova cabal de que uma boa estória, nas mãos erradas, torna-se apenas uma boa intenção - e é preciso mais do que boas intenções para fazer um grande filme (grande mesmo, com mais de duas horas e meia). O que restou foi, isso sim, uma vontade danada de conhecer os livros de Alistair MacLean - e de jogar de novo Medal of Honor.

O Procurado

Escrito por Fábio Rockenbach

( Wanted, EUA, 2008 )
Direção de Timur Bekmambetov, com James McAvoy, Morgan Freeman, Angelina Jolie, Terence Stamp, Thomas Kretschmann


Logo nas primeiras cenas de “O Procurado”, o Wesley Gibson de James McAvoy pergunta a si mesmo o que o pai que ele nunca conheceu pensaria se soubesse que seu filho se tornou o ser mais insignificante da face da terra. É a deixa para mostrar que o “herói” do filme de Timur Bekmambetov é um ser que passará por um aprendizado radical. Nem seria preciso saber mais da estória, baseada nas HQs de Mark Millar e J.G. Jones. O que não entendo é porque os mesmos Millar e Jones não participaram ativamente da roteirização do filme. Poderiam ajudar a compor melhor toda essa transformação, por conhecerem sua cria, e definir qual é afinal o objetivo do filme: mergulhar fundo no terreno do irreal, ou manter os pés na realidade e criar um misto ( a segunda opção é sempre mais perigosa ).

“O Procurado”, encarado por alguns como um “Matrix com mais humor” não tenta, em nenhum momento, jogar uma luz no seu espectador. Mostra uma irmandade de assassinos de séculos de existência dotados de poderes especiais, mas nunca tenta mostrar a origem de tudo isso, ou como eles têm essa habilidade. Nosso “herói” apenas pode fazer o que faz porque tem isso no sangue, seu pai era um membro da irmandade que foi assassinado por um desertor, que agora caça o filho. A ordem da vez é iniciar o aprendizado de Wesley e torná-lo a réplica dos talentos do seu pai, o único que poderia derrotar o desertor.

Sempre achei que o espectador do cinema deveria merecer o mínimo de respeito, e a resposta a uma pergunta simples: qual o sentido dessa estória existir, além de propiciar tiros , efeitos mirabolantes e seqüências que ninguém em sã consciência aceitaria? Matrix tinha um sentido de existir mais amplo, que justificava toda aquela realidade. “O Procurado” deixa um pé no fantástico e ancora-se na realidade, e assim sente essa ausência de uma definição de sentido– ou não fez força para jogar o público nessa luz explicativa, o que não posso afirmar porque não conheço as HQs. Julgo apenas o filme. E o filme, por mais que tenha bons momentos de humor e ação, fica na lembrança mais pelas cenas inverossímeis – e pela falta de quadril (literalmente) de Angelina Jolie – do que por qualquer apelo maior que buscasse. O que, convenhamos, não é o que se poderia esperar de um filme de respeito.