Orson Welles e o Toque da Maldade

Escrito por Fábio Rockenbach

Muitos cineastas, em cem anos de cinema, podem ser chamados de gênios - menos, porém, do que o senso comum acredita. Pouquíssimos são lembrados como malditos. Orson Welles foi maldito. Foi um maldito com idéias próprias, inteligência acima da média e uma bem vinda teimosia, sem a qual ele talvez desistisse do cinema para se dedicar a qualquer outra forma de arte - muito provavelmente teria algum tipo de sucesso nessa empreitada. Welles foi maldito porque teve a infelicidade de cruzar com as pessoas erradas na hora errada. Fosse Europeu, talvez tivesse a liberdade - apesar de não poder contar, então, com o financiamento - para realizar seus filmes do modo como imaginava. Welles foi maldito numa América cinematográfica em ebulição, mas provavelmente agradeceria por não ter vislumbrado as mazelas sociais que Rosselinis, DeSicas e outros encararam na mesma época. Welles foi maldito porque quem controlava o processo, naquela época, não tinha o alcance que sua mente tinha ao pensar o cinema. E acima de tudo, Welles foi maldito porque ousou enfrentar William Randolph Hearst, e pouco restou para ele num ambiente movido à influências e ao poder da mídia que seu inabalável talento. “A falsidade é tão antiga quanto o jardim do Éden.” disse ele . Mais do que uma constatação óbvia, um desabafo.


Antes de provocar, quando conseguiu controlar o processo criativo, deu ao mundo a história de Charles Kane, e já então, mesmo recebido com entusiasmo como um gênio precoce aos 25 anos, recebeu o recado da indústria do entretenimento no Oscar: apenas um prêmio, o de melhor roteiro.
O tempo legou a "Cidadão Kane" as honrarias, devoções e lideranças em listas de todas as línguas e tempos como o filme dos filmes, mas para Welles, os anos 40 e 50 foram um misto de experimentação, descoberta, desilusão e perseguição. Estava sempre à frente ao se mencionarem os grandes nomes do cinema daquela época, e também era o mais lembrado quando se mencionavam os mais perfeccionistas e problemáticos. Talvez essa devoção a ver inteligência nas telas, e de experimentar o que fosse possível com uma câmera nas mãos assustasse tanto executivos de estúdios, buscando enfrentar a concorrência da televisão e saciar a sede de diversão do público. Talvez Welles devesse ter nascido na França, mas aí então a própria história do cinema seria diferente.
A maldição sobre o enfant terrible durante 4 décadas. A genialidade que lhe trouxe a ovação foi a mesma que lhe fechou caminhos e impediu que visse nas telas sua visão para filmes essenciais no exercício de compreender o cinema. Visitou Shakeaspeare, Mellville e Kafka, deixou inacabados projetos utópicos e, na maior das utopias, jamais conseguiu transformar em filme sua visão para o Don Quixote de Cervantes. Entre 1941 e 1955, passeou entre a história de um milionário e a vida conservadora ( e os valores fúteis e ultrapassados ) da família Amberson, destilou charme e mistério com A Dama de Shangai e emprestou seu rosto e seu carisma para Carol Reed fazer de O Terceiro Homem o melhor filme britânico da história, segundo o Brittish Film Institute. E em 1958, dez anos depois de filmar pela última vez na América - Macbeth, de 1948 - Orson Welles voltava a dirigir uma produção de um estúdio americano, graças à influência de Charlton Heston, e sob desconfiança da Universal. No seu retorno, acabaria entregando outra jóia ao cinema, "A Marca da Maldade “ ( Touch of Evil ). Welles, como era de praxe, ignorou as recomendações do estúdio, reescreveu o roteiro e transformou "A Marca da Maldade" num clássico que não envelhece.
Responsável pela contratação desconfiada de Welles para retomar a direção nos Estados Unidos pela mesma produtora para a qual ele já havia dirigido “O Estranho” na década anterior, Charlton Heston é, talvez, um dos que melhor definiram o gênio:
“Ele não conseguia nenhum filme para dirigir porque, entre outras coisas, era considerado pródigo e perdulário. [ ... ] Hoje todo mundo reconhece que Orson merecia ter tido mais sorte na indústria cinematográfica, mas também é verdade que ele poderia ter sido mais compreensivo com as necessidades da indústria”.
Para Heston, que Welles dirigiu e contracenou em “A Marca da Maldade”, Welles era pródigo em conquistar a equipe inteira com seu gênio ativo e mente aberta – uma certa cumplicidade – cativando atores e equipe técnica, mas pecava por não dispender o mesmo tempo e esforço para cativar os homens que pagavam os seus filmes: Welles desprezava os executivos dos estúdios e não conseguia ver inteligência neles, “generalizando” a classe.
No caso de “Touch Of Evil”, Welles foi impedido de filmar em Tijuana, o que, segundo ele, seria perfeito para dar o clima necessário ao policial ambientado na fronteira entre México e Estados Unidos – e ele bem sabia porque. O estúdio queria mantê-lo por perto para poder controlá-lo. Sabiam que, sozinho, sua impulsividade o levaria a vôos maiores do que eles estavam dispostos a pagar ou suportar.
Foi John Ford quem ensinou a Welles, anos antes, a tática: “dê a eles o que querem por dois dias e tenha dois meses de tranqüilidade”. Um circo foi armado para os primeiros dois dias das filmagens, sob a conivência de Heston, Leigh e os demais membros da equipe, ciente estava Welles que pelo menos um ou dois espiões do estúdio estariam nas gravações. E nos dois primeiros dias, impecavelmente, as filmagens começaram na hora e renderam de forma surpreendente – 13 páginas do roteiro haviam sido filmadas, para alegria dos exultantes e temerosos executivos, que a cada duas horas eram informados do andamento das gravações. Passados os dois dias, o diretor desabafaria à equipe: “Agora que não temos que dar satisfações a ninguém, vamos nos concentrar no filme”.
“A Marca da Maldade” é um filme que pertencia, literalmente, a Welles. Após assumir a responsabilidade pela direção e receber carta branca sobre o roteiro, reescreveu página por página a história baseada no livro de Whitt Masterson, “Badge of Evil”. Mais do que isso, durante as filmagens, Welles reescrevia as falas do elenco e o roteiro durante o dia – as gravações eram feitas à noite, para evitar visitas inoportunas. “Se alguém deve receber algum crédito por uma história banal se tornar o que se tornou, é Orson” admite Heston, já que mesmo os atores só sabiam suas falas horas antes da gravação.
Antes de se tecer mais comentários acerca da obra de Orson Welles e da genialidade ( mais uma vez ) demonstrada pelo enfant térrible americano em "A Marca da Maldade", é preciso relembrar como começa a incursão de Welles no noir, ambientado na fronteira entre Estados Unidos e México. O ano é 1955, e a obra, apesar das décadas que se passaram até conhecermos a visão de Welles, tornou-se para muitos o segundo grande filme da carreira de Welles - se é que alguém que fez A Dama de Shangai, Soberba e este Touch of Evil pode ter a qualidade de seus filmes rotuladas em uma mera lista de qual é melhor ou porque.
É na sequência inicial que Welles mostra que não encarava a produção como um mero filme B. Raramente um filme era para ele pouco menos do que uma chance de exercitar idéias brilhantesm não necessariamente novas, mas aplicadas de formas inéditas. Nesta seqüência inicial, acompanhamos um desconhecido colocando uma bomba em um carro, e nos três minutos seguintes, vamos viajar pela cidade de fronteira, idealizada por Welles e pelos diretores de arte Robert Clatworthy e Alexander Golitzen, num único plano sequência sem um corte sequer, passando sobre telhados ao som da música de cabaret, contemplando as ruas movimentadas de viajantes e moradores locais que transformam a fronteira num shopping informal. Acompanhamos a trajetória do carro mostrado no início da cena, enquanto somos apresentados ( também informalmente ) aos personagens de Charlton Heston e Janet Leigh. Dezenas de metros de movimento de câmera e perfeita orquestração de atores e figurantes sem um corte sequer, até o final da cena, que irá, também, definir o começo da genial trama que coloca "A Marca da Maldade" ao lado de clássicos como Á Beira do Abismo e O Terceiro Homem.
Los Robles é o povoado na fronteira onde o polivial Vargas ( Heston ) e sua esposa Susan ( Janeth Leigh ) passam a lua de mel. É justamente na fronteira que uma bomba explode matando um milionário e iniciando um tenso jogo de valores morais e éticos entre Vargas e o xerife Hank Quinlan ( Welles, assustadoramente gosto como uma baleia ) . Como a bomba foi armada em território mexicano, o racista Quinlan precisa aceitar a intromissão do mexicano Vargas nas investigações – e essa intromissão acaba entrando em choque com as noções de justiça de Quinlan.
Não que o xerife Quinlan seja de forma simplista o vilão da história. É o elemento a ser criticado, abominado e rejeitado, mas, como sempre, valores e comportamentos não são expostos com apenas dois lados na visão de Welles, bem ou mal. Marlene Dietrich, fazendo uma ponta como uma cafetina decadente, é a que melhor define o caráter do personagem de Welles: “Um excelente detetive, um péssimo policial”. Desde que perdeu a esposa – cujo assassino jamais foi preso – Quinlan prometera jamais deixar um assassino sair livre de suas mãos outra vez, nem que para isso fosse necessário criar um culpado. Sua noção de justiça, baseada nos seus pressentimentos e na sua intuição. Não importa o que fosse preciso ou quem devesse morrer, alguém pagaria pelos erros – mesmo que de outros.



É quando Quinlan planta duas bananas de dinamite no quarto de um mexicano que havia tido um caso com a filha do milionário que suas posições se chocam com força com os valores do honesto Vargas, e para tirar mais esse peso do seu caminho, ele se junta à máfia local para eliminar Vargas, usando a inocente Susan como armadilha.
Foi em “A Marca da Maldade” que Janeth Leigh, cinco anos antes de ser esfaqueada em um chuveiro no Bates Motel, descobriria uma das grandes diferenças de Welles para outros grandes nomes da época. Ele encarava o processo de criação de roteiro e dos personagens como um processo em constante evolução e desenvolvimento ao longo das filmagens. Umka característica bem diferente da que Leigh encontraria nas mãos de Alfred Hitchcok, por exemplo: “Mr. Hitchcok chega ao set com o filme pronto na cabeça, e não admite uma alteração sequer. Orson entende que o filme é um processo em evolução que pode melhorar sempre”.
Talvez tenha sido esse tipo de improvisação e evolução que tenha deixado tão confusos os montadores contratados para montar o filme de Orson, e com os quais ele se desentendeu. Temerosos pelo sucesso da produção após assistirem a uma cópia não acabada do filme, montada segundo as concepções de Orson, o estúdio proibiu o diretor de chegar próximo à sala de edição e filmou cenas adicionais para “amarrar melhor a trama”, ou o público, segundo eles, não entenderia. Na verdade, a montagem de Welles previa ações ocorrendo ao mesmo tempo e alternando-se na tela, algo avançado demais para os executivos da Universal. Eles haviam adorado o que viram no copião, mas ficaram assustados na montagem. Desiludido, Welles ainda foi obrigado a participar da gravações das cenas extras – implorou para poder dirigi-las, ao menos, mas nem isso lhe foi permitido.
Na década de 90 uma carta escrita por Welles para o estúdio, pedindo que fosse mantida sua visão original da história – e dando instruções de como fazê-lo – serviu como base para o relançamento do clássico seguindo a visão que seu criador tivera. E não havia sido a primeira vez: em 1942,. “Soberba” sofreu o mesmo tipo de mutilação, perdendo 40 minutos do núcleo central imaginado por Orson e teve seu final gravado por outro diretor.
O título inicial de “Touch of Evil” foi trocado por Welles mudando o Insígnia do original ( Insígnia da Maldade ) por Toque ( Toque da Maldade, o “Marca” daqui é privilégio do departamento de distribuição da Universal nos anos 50 ) mais condizente com a personalidade de seu personagem. Para Welles, não era o distintivo ou a função de Quinlan que eram maus. Não é o senso de dever de Quinlan que remete à maldade, são seus métodos. Em seu íntimo, ele realmente acredita estar fazendo o certo para punir quem sua intuição diz que é culpado. E na visão torpe de Quinlan, a corrupção e a falsidade não são formas de fraqueza, mas veículos para se alcançar a justiça dos homens, aquela que ele poderá contemplar com deleite. Welles poucas vezes pôde contemplar a justiça dos homens no que diz respeito aos seus filmes,
O toque de maldade que ele reconheceu e rotulou em Quinlan acabou sendo o mesmo que o rotulou como uma pedra no sapato por Hollywood, como uma prova plantada para justificar que usassem de seu talento até o momento que julgassem necessário, em uma época onde o respeito à criação era subordinado ao domínio absoluto dos donos dos estúdios. Como ele mesmo afirmou, “O pior é terminarmos de escrever um capítulo e não ouvirmos o aplauso da máquina de escrever.” Talvez, para Welles, maior que a silenciosa ovação dos que o reconheceram ao longo de 4 décadas de inspiração tenha sido o sutil boicote da ignorância.

MALDIÇÃO

Escrito por Fábio Rockenbach



Difícil entender porque algumas distribuidoras simplesmente não fazem juz ao título original e decidem inventar novos títulos para vender um filme no mercado brasileiro, ignorando tudo a respeito da produção. "An American Hauting" (Uma Assombração Americana) foi vendido no Brasil com o deprimente título de "Maldição" (?!?!?!) dando claras mostras de que o responsável pela tradução não sabia nada a respeito do que estava fazendo.
"An American Haunting" é o maior exemplo de como um filme pode ser bem vendido em cima de uma verdadeira indústria que surgiu nos últimos dez anos: criação de trailers e marketing visual. Um daqueles exemplos de como um trailer para cinema contém tudo de bom que um filme pode oferecer... e só. Uma pena, porque a história que dá origem ao filme era digna de algo muito melhor.
A história da Bruxa de Bell é conhecida no folclore americano, e faz parte da cultura popular na terra do Tio Sam. Conta que, no começo do século XIX, uma família foi violentamente atormentada por um espírito, que tinha especial predileção pela filha do casal, a jovem Betsy. Violentamente, o espírito atormentou durante 3 anos os Bell até provocar o que seria, pelo folclore, a única morte documentada de um ser humano causada por um espírito. Tão chocante é a história, documentada no Tenessee, que o escritor Brent Monahan decidiu escrever "The Bell Witch: An American Haunting" baseado em relatos da época. A história era perfeita para um conto assustador, o cenário ( a cabana rural da família no interior ) e a época (1818-1820) eram tudo que um bom diretor poderia querer para criar um pequeno marco dos filmes de terror. E era tudo que o diretor Courtney Solomon precisava, certo? Errado.
Contrariando todas as previsões e o empolgante trailer exibido nos cinemas, "An American Hauting" mostra, desde sua cena inicial, que concessões foram feitas para se adequar ao público. O prólogo e o final ambientados nos dias atuais não contribuem para trazer o espectador para dentro do pesadelo dos Bell. Eles funcionam como um respiro, algo que, para um filme que se pretende assustador, não é uma boa idéia. E os momentos de pavor da jovem Betsy Bell com o espírito, se no início são impactantes, logo tornam-se repetitivos. Falta ao diretor Solomon compreender a lição de alguns mestres do cinema: a de que o suspense é mais impactante que o visual. Concentrar atenções na jovem Betsy sendo puxada pelos cabelos, levantada no ar e esbofeteada por um espírito funciona no começo, mas torna-se cansativo depois. Melhor seria mostrar o medo que antecede as aparições, e principalmente, deixar que o público sentisse que algo está para acontecer de assustador, ao invés de simplesmente fazer surgir o pesadelo da família Bell.
Não bastassem as inconsistências de colocar cenas passadas nos dias atuais e não trabalhar o suspense, o filme peca ao tentar resolver o que é um folclore popular, procurandor explicações para o fenômeno - e apelar para complexos psicológicos como justificativa para o surgimento do poltergeist é o maior tiro no pé do filme. Os esforços de Sissy Spacek e Donald Sutherland à frente do elenco, por mais esforçadas que sejam, não surtem efeito para dar mais consistência à história.
Apesar de correto em sua trilha sonora e interpretações, "An American Haunting" é a prova de que não basta ser um operário do cinema ( como é o diretor, que assinou também o horrível "Dungeons and Dragons ) para provocar emoções no público: é preciso, no mínimo, ter um pouco de inteligência para não mudar o que já estava certo. E a história da Bruxa de Bell era, até mexerem nela, tudo que ele precisava respeitar. Infelizmente para nós, ele seguiu o caminho oposto. E o título nacional, por sua vez, não ajuda em nada...

A CASA DO LAGO - Amor com Alma Latina

Escrito por Fábio Rockenbach



O realismo fantástico encarado de forma natural em “A Casa do Lago” é herança da maneira latina de ver o amo e a vida


Poucos cineastas têm tanta predileção pelo fantástico quando os diretores latinos. Vale o mesmo para a literatura. O toque mágico que permeia certas histórias, principalmente histórias de amor, é inserido de forma sutil e brilhante na literatura e cinema latino/hispânico. Alfonso Arau, por duas vezes, destilou essa magia em “Caminhando nas Nuvens” e no excelente “Como Água para Chocolate”. Isabel Allende escreveu “A Casa dos Espíritos” com leves toques de realismo fantástico – e quem melhor do que Gabriel García Márquez para inserir realismo fantástico em suas histórias?

Realismo fantástico é o elemento que permeia, também, “A Casa do Lago”, produção da Warner a partir de um roteiro escrito por David Auburn e dirigida pelo argentino Alejandro Agresti ( roteirista de Um Mundo Menos Pior, de 2004 ). Planejado pela Warner para ser um veículo para os astros Sandra Bullock e Keanu Reeves, “A Casa do Lago” consegue, apesar de inverossimilhanças, fugir de algumas armadilhas e até surpreender em alguns momentos. Acima de tudo, o fantástico da história de Auburn é captado de forma maravilhosa pelas lentes de Agresti.
Alex ( Reeves ) é arquiteto, seguiu a profissão do pai, um renomado expoente da arquitetura americana com quem tem problemas de relacionamento, e vive uma vida voltada para seu trabalho. Preza a solidão e compra para si uma casa no lago, construída pelo seu pai décadas atrás. Kate ( Bullock ) é uma médica solitária, que arrasta sua vida amorosa em torno de um relacionamento dos tempos de faculdade, que alugou para si uma casa no lago, construída por um famoso arquiteto décadas atrás.
Ambos moram na mesma casa, mas jamais se viram. Isso porque Alex está em 2004, e Kate, em 2006. Mesmo separados pelo tempo, os dois trocam cartas pela caixa de correspondências da casa onde ambos moram. O realismo fantástico dessa relação de paixão separada pelo tempo é abordado de forma tão sutil por Agresti que, envolvidos pelo clima de nostalgia e romance, pouco importa ao público que seja inusitado ou impossível. É quando se faz sentir uma das máximas da sétima arte: importa ao público o sentimento mais do que a razão quando se busca o escapismo na sala escura do cinema. Semelhante ao que já havia acontecido numa pequena jóia romântica, “Em Algum Lugar do Passado”, de 1980, onde o amor rompe as barreiras do tempo para se consolidar, e a situação é aceita e abraçada pelo público. A maneira latina de ver o realismo fantástico está presente na visão sutil de Agresti, que filma a história como se fosse algo absolutamente normal e corriqueira.

Por mais que a situação do conflito entre pai e filho não funcione como elemento dramático, ilustra a importância do local onde se passa a história. Nostalgia e lembrança são sentimentos constantes quando se assiste a “A Casa do Lago” e, fato raro, Agresti consegue manter no espectador o mesmo frescor de descoberta que surge nos primeiros 15 minutos, por mais que a situação já seja conhecida – porque aí, trata-se da descoberta dos personagens, à qual assistimos com um leve sorriso nos lábios. O que seria um produto para dois astros torna-se um pequeno filme com vida própria. E por mais que Keanu Reeves normalmente seja um robô de poucas expressões, cai perfeitamente bem no papel de Alex ( a experiência anterior de Reeves em outro romance manjado pelo público, “Doce Novembro”, acaba ajudando a criar o clima de suspense no clímax da história, criando o misto de tristeza e expectativa que amplia as emoções do filme ).“A Casa do Lago” não mudará vidas, não marcará filmografias e não fará parte da história do cinema. Mas tem potencial para ganhar lugar em muitas estantes por aí.

OBRIGADO POR FUMAR - Nicotina para o Cérebro

Escrito por Fábio Rockenbach



A indústria do fumo já foi analisada com seriedade inquestionável no filmaço "O Informante", num dos raros momentos em que Michael Mann foi um diretor mais voltado para a mensagem do que para o visual. Agora, é um novato que tem peito para renovar o discurso anti-tabagismo com genialidade usando de um recurso que somente quem sabe o que está fazendo pode usar sem cair no lugar comum: o humor negro e a ironia. "Obrigado por Fumar" de Jason Reitman é um sopro de inteligência no meio de um deserto de boas idéias.
Nick Naylor ( Aaron Heckhardt ), o porta voz da Academia de Estudos do Tabaco, maior instrumento de lobby da indústria tabagista em Washington, define seu trabalho já no início do filme: "Meu trabalho é reinterpretar os fatos. Tenho uma licenciatura que termina com qualquer rival." enquanto o som de sua lábia infalível é substituído pela rajada de uma metralhadora. Naylor é isso mesmo: uma metralhadora de palavras afiadas que consegue convencer qualquer um a respeito do que for necessário. Consegue até mesmo colocar num defensor do anti-tabagismo a culpa pelo câncer em uma criança de 15 anos diante de uma platéia pré-disposta a crucificá-lo, e sem tirar o sorriso dos lábios. Todo o ardil usado por Naylor na defesa da indústria tabagista e na busca por exposição no cinema, nova cruzada encomendada a ele, o torna o centro da atenção de uma jornalista ( Katie Holmes, inexpressiva como sempre ) e alvo de uma ameaça de morte que pode mudar sua maneira de ver as coisas - principalmente quando ele se dá conta de quem o filho está tomando como modelo.
O maior mérito do inteligente roteiro de Reitman é nos apresentar como um homem como Naylor pode viver defendendo uma causa que todos repudiam e abominam - e como seus valores morais e éticos são desvirtuados por ele mesmo, ao ponto de ele deixar de se importar com as conseqüências dessa indústria. Somente rindo da desgraça alheia ele pode, por exemplo, discutir com os dois outros membros do auto-intitulado "esquadrão da morte" – representantes das indústrias de álcool e comércio de armas, que se reúne com ele para um bate-papo em uma mesa redonda tétrica - acerca de qual indústria representada por eles mata mais ao dia e ao ano - estatística da qual ele orgulhosamente sai vencedor
Inteligente e extremamente irônico, "Obrigado por Fumar" conquista o espectador já nos seus primeiros cinco minutos, com uma sucessão de tiradas geniais que mostra que não será preciso falar sério para apresentar o problema: todos sabem os males causados pelo cigarro, todos sabem que Nick Naylor é um calhorda, mas em determinado momento passamos a torcer por ele, não importando qual causa ele defenda. É Jason Reitman mostrando que muitas vezes a causa é substituída por outras razões na hora de escolhermos um lado. O roteiro escrito pelo próprio diretor usa de todos os subterfúgios para destilar o máximo possível de crítica ao politicamente correto, aos Estados Unidos e da própria (falta de) inteligência no cinema moderno.
Ao contrário de filmes como "O Senhor das Armas", "Obrigado por Fumar" escolheu tornar o drama em comédia e rir da própria desgraça. Melhor para o público, que mesmo apoiando o calhorda anti-herói de Aaron Heckhart, ainda vai encontrar espaço para se perguntar como impedir alguém de fazer alguma coisa quando essa pessoa já faz, deliberadamente, o que ela sabe que é errado. Como Naylor diz, "Michael Jordan joga. Charles Manson mata. Eu falo". E como fala...


Humor (negro) politicamente (in)correto
"Matei chineses em 51 na Coréia. Hoje são nossos melhores clientes. Pelo menos da próxima vez, serão menos para nós matarmos."
“Capitão” ( Robert Duvall ), um dos chefões da indústria tabagista.

“Vocês mataram quantos ano passado? Cem mil? 270 por dia? Há... isso é fichinha”
Nick, em conversa informal com a furiosa representando da indústria do álcool

Nick: "Mas um cigarro no espaço não explodiria a nave por causa do oxigênio?"
Jeff Megall, produtor de cinema: "Tem razão. Mas nada que uma linha a mais no roteiro não resolva. - Graças a Deus inventamos o artefato qualquer coisa"

“Hoje, se alguém fuma num filme, ou é psicopata ou é europeu”
Nick Naylor, formulando a estratégia para ganhar novamente os jovens.

Jeff Megall : “Esse é Nick. Ele quer que nos nossos filmes não sejam apenas os RAVs a fumarem”
Nick: “RAVs?
Jeff Megall : “Russos, árabes e vilões”

“Não digo aos outros o que pensarem. Toda informação está disponível. Eu não decido pelos outros: seria moralmente presunçoso”
Jeff Megall, tirando o seu da reta quando a questão é a moral e a saúde no cinema.

"Quem disse que o nosso governo é o melhor do mundo? Não é nem um dos melhores... talvez o mais divertido. Escreva aí como somos bons em executar nossos réus."
Nick Naylor, orientando o filho a responder à pergunta “Porque o Governo dos Estados Unidos é o melhor governo do mundo?” formulado pela professora.