Indomável

Escrito por Fábio Rockenbach

Paul Newman (1925 - 2008 )

Se existe um Deus, ele às vezes é um tremendo f.d.p.

Estabelece contratos com cláusulas irrevogáveis quando, em alguns casos, deveria haver incisos revogando certos termos. Não deveria existir câncer para atores como Paul Newman.

Talvez as gerações mais novas não entendam, principalmente porque não se interessam em assistir à filmografia de Newman, o porquê de todo o alvoroço em torno de seu nome. Em sua época, havia Paul Newman, Robert Redford, Steve McQueen. Talvez Delon e Belmondo na França. Com certeza, Mastroianni na Itália. Eram os equivalentes aos grandes astros de hoje. Newman, McQueen e Redford foram para sua época o que Clooney, Pitt e Cruise são para o cinema atual. A diferença? Newman recebeu nove indicações ao oscar, se isso serve para diferenciar físico de talento.

Nove!

Não deveria existir câncer para atores como Paul Newman, mas ao menos existe a imagem para provar que ele circulou por aí.

A vida ás vezes é filha da puta...


Relacionado:

  • A Cor do Dinheiro ( The Color of Money )

    Para lembrar:
  • Marcado pela Sarjeta (1956), Gata em Teto de Zinco Quente (1958), Exodus (1960), Desafio à Corrupção (1961), O Indomado (1963), Butch Cassidy (1969), Golpe de Mestre (1973), Inferno na Torre (1974), Ausência de Malícia ( 1981 ), O Veredito (1982), A Cor do Dinheiro (1986), O Início do Fim (1989), O Indomável (1994), Estrada Para a Perdição (2002)




Onde Começa o Inferno

Escrito por Fábio Rockenbach

( Rio Bravo, EUA, 1959 )
Direção de Howard Hawks, com John Wayne, Dean Martin, Ricky Nelson, Walter Brennan, Angie Dickinson





Um dos mais divertidos westerns já feitos. Hawks impregna seu filme com tamanha leveza que, em nenhum momento, sentimos que a infalibilidade dos protagonistas está em jogo. Foi a resposta do diretor ao xerife Will Kane, de “Matar ou Morrer”, de Fred Zinnemann. Amedrontado pela chegada de um pistoleiro no trem do meio dia, que o ameaça de morte, o xerife Kane pede ajuda á população, mas ninguém o acode. Hawks achou um disparate um xerife se amedrontar e pedir ajuda a civis. Lançou sua resposta quatro anos depois, e fez do seu John T. Chance vivido por John Wayne o exemplo oposto elevado ao quadrado. Chance aprisiona um assassino em sua cadeia, e sabe que o irmão e amigos tentarão tirá-lo de lá. Precisa guardar o criminoso por seis dias até a chegada do delegado federal, e conta apenas com a ajuda de um velho ( Walter Breenan ) e um bêbado ( Dean Martin ). Obviamente, e contra toda a lógica, recusa toda a ajuda que recebe – menos a do jovem Colorado (Ricky Nelson, com a interpretação contida que se poderia esperar de um cantor, dando conta do recado ).

Wayne faz de John Chance um de seus personagens mais auto-confiantes - os protagonistas de "Rio Bravo", em geral, não hesitam um segundo em entrar em saloons recheados de inimigos, de caminhar pelas ruas repletas de olhos à espreita, de encarar de frente inimigos armados – e nunca sentimos que, de fato, eles estão em perigo. Nem era esse o objetivo. As cenas de ação são boas, mas não chegam a ser exemplares como em outros filmes do gênero – dentro do western, Mann e Ford foram melhor executores de cenas de ação do que Hawks. Mas, cineasta habituado a oscilar entre vários gêneros, Hawks sabia melhor do que qualquer outro como introduzir outros elementos à mitologia consolidada do western. Aqui, o humor combina perfeitamente com a interação inspirada do quarteto de protagonistas – principalmente na figura do dono de hotel, o mexicano Carlos, e do velho Stoompy, risada debochada e sempre uma frase afiada na boca enquanto guarda a prisão. Até mesmo a contraparte amorosa da estória, vivida por Angie Dickinson (belíssima, diga-se de passagem ) consegue a proeza de não ser tão inverossímil como poderia se esperar quando John Wayne está envolvido ( o ator notoriamente não tinha jeito para as sub-tramas românticas de qualquer de seus filmes ). Mesmo sem a carga de tensão que uma estória assim poderia transmitir, Hawks adia ao máximo um confronto que o público sabe que vai acontecer desde os primeiros cinco minutos, apostando na interação de seu elenco, e nas estórias pessoais de cada personagem para fazer o filme fluir admiravelmente. Wayne, visivelmente, se divertiu fazendo o filme ( o mesmo pode ser dito de todo o elenco ), mas o grande destaque é Dean Martin: seu “Dude” alterna a imagem no público entre admiração e pena.

O argumento é tão bom que Hawks refilmou, pouco depois, como “El Dorado”. Nos anos 70, John Carpenter adaptou a mesma base para fazer “Assault on Precint 13”, refilmado alguns anos atrás. Para assistir do início ao fim sem sentir o tempo passar.

No vídeo: vale a pena rever o momento que ficou como um “hino” do western americano, “My Rifle, My Pony and me”. Mágico.

Inimigo Meu

Escrito por Fábio Rockenbach

(Enemy Mine, EUA, 1985 )
Direção de Wolfgang Petersen, com Dennis Quaid, Louis Gosset Jr.,



Em determinado momento de “Inimigo Meu”, dois personagens têm uma importante conversa, frente a frente, sobre um assunto que obviamente será importante para a trama. Subitamente, a cena é cortada para um dos personagens correndo por uma caverna, chamando pelo outro, que desapareceu. Esse é apenas um pequeno e gritante exemplo de como o filme de Wolfgang Petersen parece ter sido feito às pressas, sob encomenda, e finalizado sem maiores preocupações – seu roteiro também parece sequer ter passado por uma revisão, tamanho o número de cenas que o espectador facilmente percebe necessitarem de maior desenvolvimento ou mesmo um complemento. Um filme de grande orçamento fatalmente passaria por uma pós-produção mais cuidadosa que indicaria a necessidade, no mínimo, de gravar cenas adicionais. “Inimigo Meu”, no entanto, é assumidamente uma produção B de classe, que contou com um bom elenco e um diretor, na época, já consagrado fora dos Estados Unidos ( por “A História sem Fim” e “O Barco – Inferno no Mar” ), começando uma carreira no exterior. Menos mal que “Inimigo Meu” ganhou bom público no mercado doméstico, porque Petersen poderia ter queimado seriamente seu filme fora da Alemanha.

A trama é ótima, como já havia sido quando foi usada no clássico “Inferno no Pacífico” de John Boorman. O começo é promissor também, quando destroços de uma espaçonave cruzam a tela junto dos restos de um piloto, enquanto somos informados de que, no futuro, a humanidade conseguiu se pacificar, mas passou a enfrentar, fora da Terra, uma guerra sangrenta com uma raça alienígena, os Dracs. E assim, sem apresentação alguma dos protagonistas, somos jogados no meio de uma dessas batalhas espaciais onde um humano (Dennis Quaid) e um Drac ( Louis Gosset Jr, debaixo de pesada maquiagem e ainda assim a melhor coisa do filme ) caem em um planeta inóspito. Perdidos, eles levam a guerra do espaço para seu ambiente selvagem, até acabarem, por força das circunstâncias, tendo de conviver para sobreviver.

É um argumento promissor – provavelmente promissor demais para tão poucos recursos. Uma pena. É até constrangedor, em certos momentos, a precariedade da produção para retratar não apenas o planeta como as criaturas que habitam nele – vale lembrar que alguns meses depois tivemos, por exemplo, “Aliens, o Resgate” para efeito de comparação dos efeitos e das criaturas. Não é preciosismo na análise, nada é mais importante aqui do que a premissa da história, mas ela é prejudicada por essa escassez de recursos técnicos. Na época, provavelmente, isso era pouco notado. Lembrava com carinho de “Inimigo Meu” entre os filmes que me marcaram na infância. Descobri que o que me atraiu foi o conflito de personalidades, de raças, a mútua admiração cercada de desconfiança que nascia da relação – e os efeitos, ou os furos do roteiro, pouco me importavam, nos meus 10 anos. Talvez devesse ter deixado o filme lá atrás, sepultado na lembrança. Pelo menos, é uma estória poderosa que, nas mãos corretas – e com o orçamento correto – poderia render muito mais. Minha nostalgia ferida agradeceria.

Top 10 - 10 Beldades que valem ( ou valeram ) o ingresso

Escrito por Fábio Rockenbach

O desafio partiu do Jacques do E-motion Movies . Então, se é para escolher 10 beldades que fazem a cabeça, instaurei a mim mesmo duas regras: deixei de lado as divas hors-concours, como Audrey, Brigitte e Rita ( prometo prestar devida homenagem a elas em tempo ), e as que fazem minha cabeça aqui mostram que beleza põe mesa sim, independente do talento. Essas são as mulheres que fazem minha cabeça no cinema, não pelos dotes de interpretação - que algumas, inegavelmente, têm - mas porque elas fazem a tela ficar mais iluminada quando aparecem. Algumas uma geração mais antiga - lá dos idos dos anos 80, que ainda aparecem e mostram estar muito em forma. Outras, bem atuais.

Para mim, elas valem a entrada - ou valeram, há 20 anos.

Monica Bellucci
Sedutora e misteriosa em "O Pacto dos Lobos"


Jane Seymour
Eternamente bela em "Em Algum Lugar do Passado"


Diane Lane
Madura e sexy em "Sob o Sol da Toscana"


Angelina Jolie
Terrivelmente sensual em "Pecado Original"


Jessica Lange
Ridiculamente bela e inocente em "King Kong ( 1976 )"


Rachel Weisz
Naturalmente bela sempre


Keira Knightley
Símbolo do amor impossível em "Simplesmente Amor"


Natalie Portman
Pecado ambulante em "Closer"


Megan Fox
Ridiculamente sexy em "Transformers" ( e em que outro filme seria?)


Kate Hudson
Linda demais em "Como Perder um Homem em 10 Dias"



Deixo o desafio ao Róbson, no dia em que ele der sinal de vida

Paixão dos Fortes

Escrito por Fábio Rockenbach

( My Darling Clementine, 1946)
Direção de John Ford, com Henry Fonda, Victor Mature, Jane Darwell, Walter Brennan


Em certos momentos de "Paixão dos Fortes", a impressão louca é que John Ford resolveu brincar com alguns postulados de fotografia típicos do filme noir. E a loucura de ver o contraste entre claro e escuro tão presentes em um filme de faroeste só é menor do que perceber que John Ford não está, propriamente, fazendo um tradicional "filme de bangue-bangue". Ford está prestando reverência. Às vezes formal demais, é verdade, mas uma bela reverência. A todos os que apontavam diferenças gritantes entre a popular história do xerife Wyatt Earp e o famoso duelo contra os irmãos Clanton no Curral OK - e o filme apresenta várias discrepâncias com a história retratada em outros filmes - Ford respondia que a versão apresentada por ele fora ouvida da boca do próprio Wyatt Earp. O fato de ter tido contato direto com o maior nome da colonização do oeste pode explicar também porque há tanta reverência ao personagem. Isso não diminui o apelo deste clássico, no entanto, como cinema dos bons.

Os puristas, aqueles que sempre criticaram os preconceitos exibidos por Ford em alguns dos seus filmes acharão desnecessária a menção ao índio bêbado ("Que tipo de cidade é essa que vende álcool aos índios?" ) e à amante de Holliday ( convenientemente chamada Chihuahua, dona de moral duvidosa ). Mas são elementos secundários na concepção geral do filme. Henry Fonda, possivelmente, seja o melhor Wyatt Earp apresentado no cinema. Não exibe a dureza sanguinária, quase obsessiva, de Kurt Russel em "Tombstone", tampouco faça concessões a querer ser "real" como foi Kevin Costner em "Wyatt Earp" ( e por isso mesmo acabasse parecendo dois ou três personagens diferentes ao longo do filme ). Fonda está contido, mas sabe alternar entre a dita reverência buscada por Ford e seu brilho próprio. Pena que muito pouco acabe sendo revelado do próprio personagem, em prol de mantê-lo em um nível mais elevado - Ford apenas o expõe como homem simples, tímido em certos momentos, como forma de humanizá-lo, mas imagina que todos os públicos saibam quem é Wyatt Earp e, por isso, não vê necessidade de apresentá-lo. Parece, em certos momentos, um filme feito para o público norte-americano.



"Paixão dos Fortes" não é um filme de ação como outros westerns mais movimentados do próprio Ford. Não demonstra o profundo envolvimento de Wyatt com sua família, catalisadora das emoções presentes em todas as versões da história, e também peca pelo pouco envolvimento expresso entre Doc Holliday e Earp - pouco sentimos de emoção quando algo acontece a um deles porque pouco nos identificamos, apesar do tempo em cena elevado dos dois personagens, e é uma pena que o diretor não tenha conseguido trazer James Stewart para compor a dupla de protagonistas ao lado de Fonda, como queria originalmente: Victor Mature está bem em cena, mas Stewart, com seu porte frágil, teria composto um Doc Holliday muito mais interessante e, com certeza, dramaticamente mais convincente. Mas é uma beleza de filme em seu ritmo calmo, que evolui sem pressa.

É curioso como, de certa forma, Ford acabe dedicando a narrativa não exatamente a Wyatt, ao duelo ou a Holliday, mas à Clementine, a mulher que cruza a vida dos protagonistas. Ela é o acontecimento mais importante para Earp - e a seqüência do novo corte de cabelo e do perfume mostra claramente isso - além, claro, do título do filme. Mas, estranhamente, esse personagem tão importante na concepção da própria visão dessa história é muito pouco desenvolvida ou aproveitada. Talvez porque ela seja mulher, gênero que obviamente Ford nunca soube retratar muito bem em seus filmes.

A reverência que John Ford presta ao personagem, também presta ao gênero que ele ajudou a criar. Conta uma história seminal na história popular dos Estados Unidos e a adota como se fosse sua, mudando com coragem conceitos aceitos pela cultura americana. Tinha peito para isso. John Ford está em um de seus momentos mais gloriosos visualmente, graças também ao brilhante trabalho de fotografia de Joseph MacDonald - pena que faltem alguns detalhes no roteiro de Sam Engel para que a narrativa fosse tão harmoniosa quanto o visual.

À Beira do Abismo

Escrito por Fábio Rockenbach

(The Big Sleep, 1946)
Direção de Howard Hawks, com Humphrey Bogart, Laren Baccal, Elisha Cook Jr., John Ridgely



“À Beira do Abismo” é um digno representante do noir americano, sem dúvida, mas é um tanto superestimado, provavelmente pelo rol de estrelas que flutua em torno do filme e dentro dele. A princípio está tudo lá: o detetive particular, o assassinato, a mulher fatal de longas pernas sedutoras e olhar cúmplice, personagens com interesses escusos que deixam, acima de tudo, a dúvida no ar: em quem confiar? Mas a adaptação para o cinema da novela “O Sono Eterno” de Raymond Chandler não se compara, por exemplo, ao trabalho de Wilder em “Pacto de Sangue”, adaptando James M. Cain, em termos de força. Lauren Baccal, ninguém poderá dizer o contrário, não pode ser menosprezada, e é mais bela do que Barbara Stanwyck, mas é muito menos atriz. Mesmo sua personagem não tem a força da femme fatale representada por Stanwyck no filme de Wilder e a trama, que seria o grande pilar do filme, acaba sendo um dos motivos dele ser menos do que poderia. Reuniu em sua concepção os nomes de Chandler, autor do original, e William Faulkner, no roteiro, mas diz a lenda que, em certo momento, até mesmo Faulkner confessou-se perdido em frente à própria criatura que ele alimentara.

Bogart recria praticamente o mesmo Sam Spade que o celebrizou em “Relíquia Macabra”, com a diferença que seu Phillipp Marlowe, aqui, é menos duro e gelado, e talvez um pouco mais esperto e intuitivo. Ele é contratado por um general reformado para resolver um problema de dívida com jogo contraído por uma de suas duas filhas. A mais velha acaba entrando na história deixando claro que há interesses maiores em jogo – uma sórdida trama envolvendo jogo, corrupção e assassinato. Há tantas idas e vindas, personagens entrando e saindo, que em determinado momento entendemos o drama vivido por Faulkner ao adaptar a estória. As pontas vão sendo atadas aos poucos, mas quando essa compreensão se faz presente, toda a fragilidade dessa estória vem à tona. Parecem ser muitos personagens envolvidos por muito pouco, e, sobretudo, parece ser estória de mais em tempo de filme de menos: muitos dos conflitos se resolvem rápido demais, para que haja tempo de outros se desenvolverem. De certo modo, a estória de “À Beira do Abismo” foi formulada de forma tão intrincada que duas horas a fazem atropelar a si mesma, mas ao mesmo tempo não tem força suficiente para sobreviver a tempo maior do que isso. É complicado, eu sei, mas não acho outra forma de definir.

O que faz com que “À Beira do Abismo” sobreviva bem ao julgo do tempo é a imensa capacidade do trio Bogart-Baccal-Hawks de tornar uma estória pedante – porque imagina ser melhor do que realmente é – em um elemento secundário. Não são os assassinatos e idas e vindas que eternizaram o trabalho, mas a presença magnética da dupla de atores, as falas afiadas e cínicas, a mobilidade promovida por Hawks para a estória - enquanto muitos noir acabavam transcorrendo em espaços limitados, Hawks faz sua estória mover-se por cenários diversos, o que confere uma amplitude maior à ação - e a segurança do diretor na condução de uma estória que poderia, sob pulsos mais fracos, perder-se completamente. “À Beira do Abismo” ganha muito do seus status pelo nome dos envolvidos, mas pode-se dizer com justiça que, não fosse por eles, seria apenas um bom filme. Consegue ser melhor do que isso, talvez graças até ao peso do tempo, que lhe conferiu a aura de clássico que o filme carrega.

Top - Diretores

Escrito por Fábio Rockenbach

Tempos atrás o Multiplot fez um TOP dos diretores, e a lista que está aqui é praticamente a mesma que coloquei lá, com exceção de um nome. Fazer uma lista de 10 grandes diretores é uma m... porque sempre vai ter gente ficando de fora, como aliás aconteceu. Dá para perceber que sou um fã dos cinemas americano e oriental, e apenas flerto com o cinema europeu. Provavelmente questão de oportunidades: quem sabe até o final do ano o pequeno ciclo europeu que estou preparando não mude um pouco as coisas.

Akira Kurosawa

Tive a sorte de ter minha primeira experiência com Kurosawa justamente assistindo a “Os Sete Samurais” em uma cópia VHS. Tinha não mais do que 14 ou 15 anos, e mesmo que a teatralidade às vezes exagerada dos atores nas reações e a língua tenham soado estranhas para um primeiro contato, nada ficou mais marcado do que a narrativa extremamente sólida, o conto de heroísmo sem os modismos americanos, sem as fanfarras musicais das trilhas modernas, sem a câmera lenta. A bandeira fincada sobre o túmulo dos samurais ainda assombra a mente, volta e meia. Digo que foi sorte porque Kurosawa nem sempre é bem aceito por todos, e começar com o pé direito na carreira do mestre japonês é essencial. Para consolidar, a segunda experiência foi com Yojimbo. E a partir de então, o que era um flerte se tornou relacionamento sólido – com a obra de Kurosawa e, em conseqüência, com o cinema oriental, que ganhou um fã nas obras do passado e do presente ( basta ver a presença de Zhang Yimou nesta lista também )


Billy Wilder
Wilder parecia ser um sujeito extremamente engraçado para quem não convivia com ele, mas difícil de engolir para quem estava ao seu lado. O humor irônico e sarcástico do diretor não poupava ninguém – basta procurar uma antologia de frases célebres ditas por ele, onde esculacha com o que for necessário, sempre com inteligência. Seus filmes não são marcados por cenas majestosas nem cenários grandiosos: são conduzidos com ritmo constante, diálogos afiadíssimos, humor mordaz e composições de cena sempre eficiente, mesmo as estáticas. Tinha absoluto domínio do espaço cênico. Como não poderia o diretor de Pacto de Sangue, Testemunha de Acusação, Crepúsculo dos Deuses, Quanto mais Quente Melhor, Farrapo Humano, Se Meu Apartamento Falasse, A Montanha dos Sete Abutres, A Primeira Página e Inferno 17 ficar de fora de qualquer lista desse tipo?


Alfred Hitchcok
Acredito que poucos cineastas tenham construído relacionamentos tão artificiais quanto Hitch. O careca gordinho não tinha vocação para romance na tela. Notadamente seus filmes, se fossem seres vivos, ficariam sem jeito em todas as cenas em que isso acontecia - e existe exemplo melhor do que a declaração de amor e pedido de casamento em "Correspondente Estrangeiro" para exemplificar? Porque começar falando mal de um dos diretores de um Top 10? Porque do outro lado, se perdia a mão em cenas românticas, construía como ninguém situações de suspense com o cotidiano usando de um absoluto controle das noções de edição, o tempo exato para cada cena, para cada frame, para cada reação. Hitch nunca precisou apelar para o paranormal - OK, nunca ninguém vai saber o que houve em Bodega Bay, nesse caso eu me rendo - apenas para situações onde a platéia era de tal forma identificada com seu herói/vítima, normalmente um pacato sujeito que poderia estar ali, sentado ao seu lado, que as lições de suspense do mestre ficaram cristalizadas: não surpreenda a platéia com uma bomba, diga a ela que a bomba está na sala, e aí sim você terá suspense. Se não bastasse, era um artesão das imagens. Tecnicamente, seus filmes são uma gramática completa.
PS: E se no ítem paranormal "Os Pássaros" poderia escorregar, no ítem romance há como encontrar uma brecha para "Um Corpo que Cai" e seu misto de obsessão e atração.


Martin Scorsese
Sempre achei impressionante a maneira como criatura e criador se fundiram em "Touro Indomável". DeNiro buscou Scorsese em uma clínica de reabilitação no final dos anos 70. Disse, não com estas palavras, mas neste tom: "Essa é a tua chance. Vou me arrebentar por esse papel, se arrebenta por mim." Os dois se arrebantaram. Acho que o Oscar para Scorsese deveria ter vindo antes. Deveria ter vindo já umas 3 ou 4 ocasiões, duas nos anos 70, duas nos anos 80. Mais uma, obrigatória, no início dos anos 90. Não acho que os últimos filmes façam juz ao cineasta que eu conheci lá da era onde a América começava a cordar do sonho. Scorsese é um sobrevivente. Coppola ficou pelo caminho, Spielberg deixou a inocência criativa para trás, DePalma esqueceu de ousar. Scorsese não melhorou, mas manteve o sopro que diz que, a qualquer momento, ele pode assombrar a tela com algo que faça com que nos lembremos pelos próximos 15 anos. O homem é uma enciclopédia de cinema ambulente e conseguiu o feito de se inserir a si próprio no livro que ele conhece de cor.


Steven Spielberg
Stevie, é o seguinte: sem boiolice, vou te chamar assim porque, no fundo, é uma relação de companheirismo antiga. Vê, eu aprendi a amar cinema, em parte, graças a você. Em uma época onde não existia toda essa mistura de conforto e falta de graça de assistir a filmes em casa, em uma televisão pequena e uma sala iluminada, a gente esperava meses para chegar aquele filme do qual todos falavam. Que estava nos álbuns das bancas. Que estava nas camisas. Que estava em bonecos espalhados pelas lojas. Eu sei que todo esse lance de cinema e marketing não foi exatamente bolado por você, mas que você ganhou uma bolada com isso. Mas nunca me importei, porque você sempre entregava o que prometia. E o caso é que, naquela época, só dava o teu nome espalhado por aí. Foi um tal de extraterrestre aqui, tubarão por lá, arqueólogo aqui, fantasmas do outro lado, goonies, gremlins, viagens no tempo... aff. Sinto um pouco de falta daquele tempo onde você exorcisava os fantasmas da sua infância sem pensar nos outros, apenas como um moleque brincando com o melhor brinquedo do mundo - isso explica porque eu, durante algum tempo, imaginava que iria usar barba ao crescer.


Carl Dreyer
De Carl Theodor Dreyer só assisti dois filmes. Bastaria um. É o único diretor que eu colocaria em qualquer lista por causa de um único filme, mudo, feito em 1928. Assisti "O Martírio de Joana D'arc" quando tinha cerca de 21 anos. A experiência foi tão marcante que sonhei com algumas das cenas que vi naquela noite. O rosto de Renné Falconetti impressiona, as faces despidas de maquiagem, o misto de raiva e desespero, fanatismo e falsidade. Um cara que consegue contar uma história poderosa como a do julgamento de Joana D'arc sem artifícios sonoros e transparecer mais profundidade no estudo da alma humana do que qualquer outro filme feito sobre o tema posteriormente merecia ser chamado de gênio, pensei eu. Quando assisti "Vampyr", constatei toda a carga importante da religião nos temas abordados pelo dinamarquês Dreyer em seu cinema. Ainda estou à cata de "Ordet"mas a mim basta o primeiro. O diretor de um dos 3 melhores filmes de todos os tempos na minha singela opinião tem que estar aqui...


Stanley Kubrick
Nunca fui um fã devoto de Kubrick. Sempre achei Kubrick meio cabeça demais - e sou meio Kaeliano de defender que filmes precisam, sobretudo, ser divertidos, antes de serem cerebrais. Mas a m... é que todas as vezes que dava de cara com os filmes do barbudo excêntrico eu não conseguia desgrudar os olhos da tela, mesmo que o que eu visse não fosse particularmente diversão. Mas desde o início - e o início foi lá pelos 12 anos - tudo sempre pareceu perfeitamente planejado. Orquestrado. No seu devido lugar, acontecendo no momento e maneira que tinha que acontecer. Eu não poderia deixar de admirar um cara que tivesse se proposto a indicar caminhos para o futuro da humanidade e a explicar a aurora do seu conhecimento - ainda que não seja particularmente fã de Nascido para Matar e De Olhos bem Fechados, bastam 3 obras de Kubrick para eu incluir o f.d.p. em qualquer tipo de relação dessas que venha a fazer.


Zhang Yimou
Obrigado Kurosawa. Antes de conhecer a obra de Akira, fugia do cinema oriental, assustado com a pronúncia e os gestos caricaturais que via de relance em alguns filmes. Não fosse por Kurosawa, talvez viesse a passar longe de Imamura, Kaige, Ozu, Mizoguchi e não viesse a conhecer Zhang Yimou em 1992. "Lanternas Vermelhas" abriu esse caminho. "Amor e Sedução" e "Tempo de Viver" consolidaram. "Herói" foi o passo definitivo para estar aqui. Depois do que assisti na estória do Rei de Qin, os 3 assassinos que o juraram de morte e a estória do guerreiro sem nome, será preciso muito para que possa considerar algum filme, qualquer que seja, mais belo que o épico feito em 2002 por Yimou. "O Clã das Adagas Voadoras" tem beleza, um certo quê de tragédia shakespeariana, mas foi apenas comprovação. Yimou trilha um caminho feito de equilíbrio e semiologia em belas imagens e estórias contadas pela paleta de cores e emoções de sua lente mágica.



John Ford
Ford foi uma espécie de professor informal de muita gente graúda do seu tempo. Até Howard Hawks, que viria a ser seu "concorrente" como grande nome do western, admitiu ter aprendido muito sobre cinema com Ford. Ainda que as noções de moral e macheza do diretor tivessem uma visão tão estreita quanto a do anti-herói Ethan Edwards de Rastro de Ódio, Ford sempre demonstrou em seus filmes uma força que transcendia os limites de uma simples estória de cowboys. Foi assim desde "No Tempo das Diligências", onde a carruagem atacada por índios é em si própria um microcosmo rico de tipos e atitudes menos simplistas do que seria de se esperar de um mero bangue-bangue. "Rastros de Ódio" é outro exemplo. Ainda que eles não tenham sido maioria, Ford foi o pastor de uma geração inteira de coroinhas que rezavam missa a seu lado. As Vinhas da Ira, O Homem que Matou o Facínora e Paixão dos Fortes estão aí, mais fortes do que nunca, para provar isso ainda hoje.


Sergio Leone
Um filme de Sergio Leone é inconfundível. Ou melhor, um western: está lá nos closes, no ritmo calmo que parece dizer "Vai com calma rapaz, eu não tenho pressa. Você tem pressa?". A história do western seria bem mais chata sem Leone, seus pistoleiros solitários e moral decadente para injetar um pouco de ironia, crueza e diversão - mesmo que a idéia original não tenha sido sempre dele, a voz do discurso sempre rouca, escondida por trás da barba. Um filme de Leone pertence a Leone. "Era uma vez na América" pode não parecer à primeira vista, mas tem parte desse DNA encarnado na forma como retrata expressões, no ritmo lento, no sentimento de que algo se perdeu e não se sabe ao certo para que. Talvez Leone ainda seja um mistério para mim, mas existem poucos cineastas dos quais eu tenha gostado de 100% das amostras às quais tive contato.

Ele Pisou na Cauda do Tigre

Escrito por Fábio Rockenbach

10 ANOS SEM KUROSAWA

Eram sete, mas um deles caiu. Sobre o túmulo do samurai, uma bandeira contando a história é fincada com raiva. Nos primeiros pingos de chuva, o samurai olha o horizonte e sorri. A silhueta de dezenas de cavalos surge nas colinas, vindo como avalanche em direção ao pequeno vilarejo.
- Até que enfim. Eles vieram!
Camponeses e samurais olham para o horizonte e vislumbram o inimigo. Serão seis guerreiros contra dezenas. Espada contra espada, o campo de batalha será o barro e a chuva. A recompensa: apenas viver ou morrer.



Existia um narrador na sala escura dos cinematógrafos japoneses do começo do século. Não era um pianista apenas, musicando a arte do filme silencioso. Havia um narrador, criando vozes, expressões e sentimentos, como um ator. E a profissão era de alta conta, afinal, a arte engatinhava ainda, mas atraía admiração e curiosidade onde quer que passasse. Em Tóquio não era diferente.
Heigo Kurosawa era um desses narradores, que viu desde os primeiros filmes americanos e franceses às comédias da Keystone e clássicos mudos do cinema oriental que estão, em sua maioria, perdidos para sempre. Heigo não apenas viu como narrou essas obras para platéias estupefatas e um irmão que, sempre grudado nele, começava a se apaixonar pela sala escura. O jovem Akira, mais novo de oito irmãos, conheceu e aprendeu assim a amar o cinema. Enquanto o irmão Heigo passava seus tempos em salas que se assemelhavam aos nickelodeons americanos, Akira também dedicava tempo para uma segunda paixão, a pintura – sempre sob a tutela do pai, um entusiasmado admirador da arte ocidental. E esses três elementos – Heigo, as pinturas e o pai - seriam vitais para mudar a história do cinema mundial.
Quando “O Cantor de Jazz” estreou nos Estados Unidos, já na metade final da década de 20, o cinema começou a mudar de duas maneiras: o silêncio deixava as telas e um cineasta começava a se formar por força do destino. Os filmes não precisavam mais de narradores, os atores podiam falar por si próprios. Heigo Kurosawa estava desempregado, e o choque foi demais para ele. Decidiu que não valia mais a pena seguir em frente. Com apenas 27 anos, suicidou-se. O jovem Akira demorou anos para aceitar, mas deu o troco da única forma que podia: tornou-se um cineasta.

A trajetória de Akira Kurosawa se confunde com uma tragédia de erros que pareceu teimar em acompanhá-lo ao longo de 88 anos. Felizmente, o talento de Kurosawa foi maior do que essa conjunção de fatores que poderiam ter feito qualquer um desistir – ele quase desistiu com 30 cortes nos pulsos nos anos 70 – e o que restou, do lado de fora da ilha onde nasceu, foi a mais absurda reverência. Na pequena ilha é que uma certa mágoa parece ter permanecido.
A tragédia da morte precoce do irmão não foi o único empecilho que o jovem Akira enfrentou. Pintor informal desde cedo, foi recusado no exame de admissão de uma escola de arte de Tóquio um ano após a morte de Heigo. Não desistiu. Expôs algumas obras e, depois de 8 anos, começou a trabalhar no cinema como diretor assistente. O irônico de tudo é que o pintor recusado na Escola de Artes sempre fez da pintura o primeiro passo de qualquer uma de suas obras-primas. Os storyboards dos filmes de Kurosawa sempre foram não desenhados, mas pintados. Literalmente, seus filmes nasciam como obras de arte antes mesmo da primeira cena ser rodada.

Ele só pôde colocar à prova sua visão de que a relação entre a tela de pintura e a tela do cinema eram células do mesmo corpo em 1943, quando enfim dirigiu oficialmente seu primeiro filme, Sugata Sanshiro. A filmografia do diretor nos anos 40 não é das mais expressivas, mas já demonstrava em seus primeiros filmes um humanismo característico, aliado a uma certa tendência de ocidentalizar alguns temas. Era tímida, mas a influência do pai e a paixão pelo ocidente começavam a guiar e ao mesmo tempo a minar a carreira de Kurosawa.

UMA HISTÓRIA, VÁRIAS ESTÓRIAS
Foram necessários 10 filmes para Kurosawa experimentar diferentes idéias até começar a criar um estilo muito próprio. Sua primeira grande obra-prima veio em 1950. O grande prêmio no Festival de Veneza e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de “Rashomon” são apenas uma maneira leviana de apontar a importância da obra que, definitivamente, abriu as portas que separavam oriente e ocidente nas telas. Alguém dizia, do lado de lá, que havia muita qualidade no que era feito na pequena ilha. Bastava querer olhar.

Em “Rashomon” tudo gira em torno do assassinato do marido de uma mulher que foi estuprada na floresta. Quando Kurosawa decide contar como isso aconteceu, começa a surpreender ao mundo. A mesma história é contada sob 4 pontos de vista diferentes, dependendo de quem a narra. É o subjetivismo em torno de um mesmo fato dando seu primeiro enfoque no cinema – um recurso já usado inúmeras vezes desde então. Até o falecido marido retorna dos mortos para dar a sua versão do que aconteceu.

“Rashomon” abriu as portas do ocidente para o Japão e abriu portas para o próprio Kurosawa. O ocidente passou a conhecer as obras de mestres como Yasujiro Ozu e Kenji Mizoguchi – Mizoguchi, aliás, um criador de obras-primas desde os tempos do cinema mudo. Os três formam o tripé que sustenta a história não apenas do cinema japonês, mas de todo o cinema oriental. Extramamente humanista, Ozu sempre foi reflexivo, e Mizoguchi, ligado ao universo feminino, sempre foi contemplativo, criando filmes que se assemelhavam a verdadeiras pinturas vivas.


DO OESTE AO JAPÃO FEUDAL
Kurosawa, diferentemente, foi um pintor que colocava movimento em suas obras, herança direta do cinema americano, principalmente dos westerns. E bebendo nessa fonte, fez concessões ao estilo oriental e transpôs o oeste americano para o Japão feudal. Trocou revólveres por espadas, pistoleiros por samurais e ronins. E, ironia das ironias, inspirando-se no western americano, inspirou grandes mestres a refilmarem obras suas em Hollywood posteriormente.

A primeira das incursões de Kurosawa é a mais brilhante: depois de entregar “O Idiota” ( 51 ) e a obra-prima “Viver” (52 ), o diretor voltou ao tempo do Japão feudal e contou uma estória singela de coragem e honra, quase um conto mitológico, pela simplicidade e referência a mitos clássicos universais: uma aldeia de camponeses é assediada por bandidos que roubam sua colheita e atacam as mulheres. Desesperados, os agricultores vão em busca de samurais que possam protege-los, em troca apenas de comida. Conseguem a ajuda de um, que aos poucos traz para sua causa outros seis – a maioria, ronins sem mestre, sem destino, sem donos. Os sete chegam ao vilarejo e decidem enfrentar, sozinhos, as dezenas de bandidos do bando. As mais de 3 horas de duração de “Os Sete Samurais” configuram-se em um dos maiores espetáculos da história do cinema mundial – um misto de tradições nipônicas, culto à história milenar japonesa e uma ode a elementos básicos de todas as mitologias. Além de tudo, Kurosawa fez um épico belíssimo, centrado em honra e coragem. Tão belo e cultuado que 7 anos depois Hollywood refilmaria como “Sete Homens e um Destino”. A história, tão poderosa, se tornaria um clássico também na cultura do western americano.

Não foi apenas com “Os Sete Samurais” que Kurosawa inspirou o western. Os italianos também beberam de sua fonte. Feito em 1961, “Yojimbo – O Guarda Costas” contava a história de um ronin ( samurais sem um mestre para defender ) que, vagando sem rumo no Japão Feudal, acaba em um pequeno vilarejo disputado violentamente por duas famílias. Fazendo um jogo perigoso, ele oferece seus serviços às duas famílias para enganar a ambas, até o destino cobrar dele a ousadia e fazer com que ele decida-se por um lado: o resultado é um duelo, mais uma vez, de um homem contra vários. Em vez de pistolas, a rua principal da cidade é balançada por gritos de dor e o zunido de espadas. “Yojimbo” inspirou Sergio Leone a filmar “Por um punhado de Dólares”, clássico do western spaghetti que impulsionou a carreira de Clint Eastwood – encarnando o mesmo personagem feito pelo inesquecível Toshiro Mifune, ator preferido de Kurosawa. O pistoleiro sem nome dos westerns spaguetti, imortalizados por Eastwood, são crias de Mifune e Kurosawa. Atravessaram o mundo e séculos de história para repousar no velho oeste.

Esta época, nas décadas de 50 e 60, marca o ápice da produção de Kurosawa, não por acaso centrada nos épicos samurais, normalmente ambientados no Japão Feudal. Mas justamente por priorizar o aspecto selvagem das estórias de ronins e samurais, por transformar belas paisagens nipônicas em background para filmes de ação, o director nunca foi tão considerado no Japão como conseguiu ser fora dos Estados Unidos. Sofreu nos anos 70 por conta desta discriminação. Em 1971, um ano após filmar Dodesdaken, tentou o suicídio. Cortou o pulso mais de 30 vezes. Não era a hora ainda. Kurosawa precisava pisar na cauda do tigre, aquele mesmo que o encurralava contra a parede, mas também o inspirava. Precisava domar o tigre e fugir ao destino traçado na década de 20 pelo irmão – este abandonado pelo progresso, Kurosawa posto de lado pelo conservadorismo da crítica nipônica. Veio do Ocidente, que ele inspirou e deixou-se inspirar, a ajuda que necessitava, depois de criar em 1975 a obra-prima “Dersu Uzala”, filmado na Rússia – e o único filme da sua filmografia falado em outra lingua que não a japonesa. Nos anos 80, os “moleques” que cresceram vendo seus épicos samurais trouxeram Akira de volta. George Lucas, que foi inspirado por ele até mesmo na criação da saga Guerra nas Estrelas ( os robôs C3PO e R2D2 são uma referência direta à dupla de coadjuvantes de “A Fortaleza Escondida”, de Kurosawa ) e Francis Ford Coppola financiaram o retorno do mestre japonês. Ele voltou a dois terrenos que amava: os samurais e as adaptações literárias. Ganhou a palma de ouro em Cannes e o Oscar por Kagemusha – A Sombra de um Samurai. Com o belíssimo e lento Ran, adaptado de Rei Lear ( Shakespeare ) voltou a arrebatar a crítica. Foi sua despedida do Japão Feudal. Nos três filmes seguintes, Kurosawa aproveitaria para expiar alguns fantasmas. “Sonhos” é um delírio visual que celebra a tela quase como uma aquarela em movimento. “Rapsódia em Agosto” é uma ária de reconciliação com seu país, o país que o acolheu e a mancha atômica que ficou entre ambos. E Madadayo, sua despedida, é uma tocante e singela homenagem aos mestres, como ele.

Kurosawa guardou sua espada para sempre em 06 de setembro de 1998. Não sem antes pisar na cauda do tigre…

Um Dia de Cão

Escrito por Fábio Rockenbach

(A Dog Day Afternoon, EUA, 1975)
Direção de Sidney Lumet,com Al Pacino, John Cazale, Chris Sarandon, James Broderick, Charles Durning



Cada frame do filme de Sidney Lumet é preenchido por um sentimento de ansiedade. Quando, depois de trinta minutos de projeção, Sonny ( Al Pacino )caminha furioso pela rua em frente à porta do banco que está assaltando, e grita "Attica! Attica!" para uma população em delírio e um grupamento de policiais perplexos, "Um Dia de Cão" finalmente explode em intenções e interpretações. É um filme feito basicamente desses elementos: ansiedade, intenções, interpretações.

O Sonny interpretado por Pacino é um pobre coitado, no sentido literal da palavra. Talvez esteja aí um dos grandes segredos da empatia que o público sente pelo ladrão de banco que comanda a desorganizada e tragicômica tentativa de assalto, ao lado do comparsa Sal ( John Cazale, um senhor ator que morreu cedo demais devido ao câncer ). A natureza farsesca do assaltante é tão descarada que não é apenas o público que simpatiza com seu drama: seus reféns também se solidarizam com ele, a ponto de uma deles recusar-se a sair para ficar com as outras dentro do banco, cercado por um contingente policial que torna-se absurdamente desproporcional ao tamanho da ameaça representada por Sonny. Sal, por outro lado, é o mais assustador dos dois, apesar de nunca falar alto, arregalar os olhos ou vociferar palavrões contra a sociedade. É o próprio retrato do quão dúbias são as motivações humanas - Sal e Sonny exprimem essa dualidade chocante. E o tragicômico dos dois vilões está na própria inocência mascarada:

"Vamos sair do país Sal. Tem algum país que você gostaria de conhecer?"
"Wyoming?"
"Não Sal... Wyoming não vale."


Durante as horas do seqüestro frustrado, Lumet não perde a chance de disparar contra a imprensa marrom ( "Eles dizem o que querem. Como eu vou dizer a eles o que colocar na tv?") e se despe de qualquer artifício que pudesse tornar seu filme um show como os que ele próprio critica: abre mão da música e de ações calculadas para depositar em seus atores e no premiado roteiro a base do espetáculo. Acerta na mosca.

Lumett concentra essa representação de uma história real, ocorrida um 3 anos antes, em ansiedade ( da curiosidade da platéia pelo que vai acontecer à dupla, e dos próprios personagens, pelo que vai acontecer com eles ), em intenções ( o propagado motivo do assalto de Sonny é escancarado por muitas sinopses e estraga uma das surpresas motivadoras da reação do público, então prefiro não revelar a quem não viu, e a própria intenção de Sal, que nunca é revelada ) e Al Pacino: seu Sonny reúne as qualidades que fizeram do ítalo-americano o grande ator dos anos 70, um dos maiores do século. Pacino exprime com a mesma força o olhar de surpresa mesclado com incredulidade, alternando em questão de segundos para o desespero e a raiva com uma naturalidade que é simplesmente assombrosa.