(Gran Torino, 2008)
Direção de Clint Eastwood, com Eastwood, Christopher Carley, Bee Vang
Direção de Clint Eastwood, com Eastwood, Christopher Carley, Bee Vang
Clint Eastwood é “o” grande diretor contemporâneo do cinema norte-americano. Perdoem-me os fãs – também sou – de Martin Scorsese. Ou de qualquer outro grande nome, como Steve Soderbergh, mas o velho Clint versa sobre tantos temas em seus filmes, com tamanha eficiência, e sem cansar de surpreender pela maturidade artística e discursiva, que não consigo encontrar outro expoente que faça tão bom uso de imagens e diálogos para calar fundo na alma o que muitos cineastas não conseguiriam rasurar em uma carreira inteira.
E o surpreendente é que o velho Clint não precisa de muito. Bastam algumas semanas, poucos takes em gravações sempre rápidas para entregar obras que, pela maneira com que nos batem na cara, permanecem ao nosso redor por um longo tempo. Não em nossas retinas, o velho não é esmerado em fazer filmes visualmente arrebatadores, apesar de sempre saber emendar um plano geral perfeito, de inserir seus elementos no local exato, de entender a hora de trabalhar com as palavras e a hora de trabalhar com as imagens. – ou mesmo com a trilha, quase inexistente aqui em seu último trabalho. O que permanece são as sensações que seus filmes provocam. E “Gran Torino”, sem último rebento, é um desses exemplares. Poderá ser para muitos um filme “menor” de Clint, poderá nunca se comparar à densidade dramática de “Sobre Meninos e Lobos”, a força de “Os Imperdoáveis” ou o discurso maduro e sem vaidades de “Cartas de Iwo Jima”. “Gran Torino” é parente próximo de “Menina de Ouro”, pela maneira como constrói escadas sobre muros altos demais usando, inevitavelmente, o ser humano como matéria-prima.
Dizer que Walt Kowalsky, personagem de Clint no filme, é um racista é simplificar as coisas. Walt é um americano com muitas marcas pelo corpo para esquecer. Seu estilo de vida ficou para trás, o mundo tornou-se um estranho. Seu bairro tornou-se reduto de imigrantes asiáticos, e ele parece ter sido tudo o que restou daquele americano de classe média que ainda mantinha a bandeira pendurada em frente à sua casa. E o pior para Walt é que, vivendo entre asiáticos, ele rosna e maldiz entre palavrões e piadas infames a herança deixada pela Guerra da Coréia e pelo fato de que a própria família tornou-se um elemento estranho a ele – e logo seu filho foi vender carros japoneses depois que Walt passou a vida trabalhando na Ford, fazendo o “legítimo carro americano”.
É uma visão simplista, e Clint logo deixa isso claro. “Gran Torino” poderia ser uma mera história de como um homem pode mudar seus conceitos. Walt se aproxima de seus vizinhos, um dos quais tentou lhe roubar seu Gran Torino 72 de sua garagem, e logo se dá conta de que “há mais semelhanças entre mim e esses gooks do que com minha podre família”. Mas a história contada por Clint não termina em oportunidades de redenção para um homem que afirma conhecer muito da morte, e pouco da vida. A morte, que ele conhece tão bem, começa a se aproximar de Walt ao mesmo tempo que seus novos amigos enfrentam dificuldades com a tensão provocada pelas gangues no bairro, mesmo que pertencentes ao mesmo sangue. E Walt logo se dá conta de que eles nunca terão paz enquanto aqueles marginais rondarem o bairro.
Gran Torino” é mais um de seus atestados de maturidade artística que certamente encontrará detratores no que muitos poderão chamar de pretensão travestida de lentidão. Para mim, é um filme que ganhará pontos a cada revisão, porque vai sendo construído tijolo por tijolo. Arma em punho, discurso ranzinza, lembranças de guerra, os dedos formando uma arma, apontando... é um discurso que fica enraizado na imagem do inconsciente popular que o próprio Clint criou de si próprio ao longo da carreira. E não deveria ser surpreendente que Clint use essa imagem pré-estabelecida e que ela seja alimentada ao longo de todo o filme para deixar claro a forma como Walt irá resolver tudo aquilo. E não deveria ser surpresa, mas é nessa momento que Clint nos surpreende novamente. Um baque no estômago, um momento em que tudo o que vinha sendo cuidadosamente jogado em doses homeopáticas, despretensiosas, ganha sentido pleno, as peças se encaixam, os gestos se justificam, as intenções se revelam de forma bruta. E o cineasta maduro e inteligente surge, mais uma vez, em sua melhor forma.
Um dos grandes filmes do ano, e só poderia vir do velho...
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