Especial LOTR - A Idolatria por uma obra superior...

Escrito por Fábio Rockenbach

Especial "O Senhor dos Anéis - Parte 1": explicando a importância da obra literária e o respeito da adaptação com os fãs

É um prodígio constatar o respeito quase sagrado com que Peter Jackson tratou a adaptação para os cinemas de “O Senhor dos Anéis”. Para quem conheceu a obra somente a partir da repercussão das adaptações para o cinema, existe uma ausência de um background que explica essa reverência. Sempre fui um defensor de que as versões para o cinema sobrevivem sozinhas – eis porque também defendo as alterações feitas na adaptação – mas também sou um defensor ferrenho de que saboreia muito mais as três obras quem conhece Tolkien, quem as conheceu antes sequer dos filmes serem anunciados e saciava seus desejos da Terra Média observando os desenhos de Alan Lee, dos irmãos Hildebrandt, Ted Nasmith, John Howe e Angus Mc Bride. Esses fãs, que dessa forma mantiveram acesa a chama da obra, recebem nos filmes um presente especial.


Antes de mais nada, muita gente não entende a idolatria em torno da obra de Tolkien. Falta para muita gente esse conhecimento. “O Senhor dos Anéis” foi eleito o livro do século na Grã-Bretanha. Em números absolutos, só um livro no ocidente foi mais lido do que ele, a Bíblia. A trilogia do anel é o ponto máximo de uma obra que é absurdamente fabulosa. J.R.R. Tolkien, seu criador, notabilizou-se como lingüista, contemporâneo de C.S. Lewis e outros gênos. Lecionou em Oxford, e através de sua paixão por línguas antigas concebeu um universo fantástico. A rigor, considere que O Senhor dos Anéis só existe pela paixão de Tolkien pela lingüística. Encare assim: Tolkien criou línguas com uma estrutura gramatical perfeita: criou os símbolos que representam as letras, criou a fonética, definiu a gramática e até mesmo as exceções gramaticais. O Sindarin, as runas dos anões, a língua élfica, as línguas de vários povos que formam o background da trilogia foram criadas de forma perfeita por Tolkien – a tal ponto que existem comunidades na Inglaterra que falam entre si em élfico – mas para dar um sentido a essas línguas, Tolkien precisava de um mundo. Criou a Terra Média, fez um mapa de suas terras e acidentes geográficos, cada qual com sua particularidade.

E como todo mundo precisa de sentido, criou sua história e seus habitantes, desde o aspecto mitológico – os deuses que criaram a Terra Média – dividindo sua história em 3 eras. É como se a obra de Tolkien fosse o Antigo Testamento e o Novo Testamento da Terra Média. E esse mundo é completo: geograficamente, historicamente e linguisticamente. É a obra de uma vida, espalhada em diversos livros principais( O Silmarillion – o “Velho Testamento” da obra -, Contos Inacabados da Terra Média, O Hobbit, O Senhor dos Anéis... ) com outros complementares – como é o caso de As Aventuras de Tom Bombadil.

Esse processo começou nas trincheiras da primeira guerra mundial, quando esboçou o que seria O Senhor dos Anéis, mas começou com O Hobbit, aventura infanto-juvenil lançada pouco depois que fez enorme sucesso. Os apelos para uma continuação deram origem a “O Senhor dos Anéis” uma obra mais robusta, sombria e pesada, que só seria concluída na metade da década de 50. De lá até 2001, “O Senhor dos Anéis” manteve o posto de obra mais idolatrada da literatura mundial, e a referência para tudo o que se ouvia falar de mitologia: o mago de barbas brancas, trolls, elfos, dragões, anões, paladinos... enfim, todo o universo de aventuras de capa-e-espada e RPG. Não por acaso, a obra de Tolkien foi uma das maiores inspiradoras para George Lucas criar “Star Wars”, espécie de substituto futurista da mitologia de Tolkien. E Tolkien foi inspiração para que CS Lewis criasse “AS Crônicas de Nárnia”.

Quando me refiro ao respeito com que Jackson trata os fãs me refiro à maneira como ele traz vida e mostra aos fãs – como ele, um fã declarado da obra – a sua interpretação. Durante décadas, o mundo de Tolkien foi visto e discutido por artistas e fãs, baseado nas descrições detalhadas que Tolkein dava em seus livros. É por isso que, quando entra na casa de Frodo pela primeira vez, Gandalf dirige-se à sala e a câmera movimenta-se de cima abaixo de forma reverenciosa. É Jackson mostrando com detalhes, e com calma, a casa em Bolsão que durante mais de 40 anos só foi imaginada e vista em desenhos pelos fãs. É por isso que ele desvenda, lentamente, os caminhos, colinas e pequenos cantos do Condado quando Gandalf entra por ele no começo do primeiro filme – porque a visão do condado era algo que pertencia a cada fã, baseado na criação muito particular de Tolkien. É por isso que ele faz questão de dar um close em Isengard antes de desviar a câmera para Gandalf e Saruman em seu primeiro encontro: porque a Isengard que está ali foi imortalizada nos desenhos de Alan Lee durante décadas, e é prontamente reconhecida pelos fãs.

Esse texto é apenas uma introdução. Não tenho a bagagem literária – apesar de ter liso a obra duas vezes – para introduzir o universo de Tolkien. Queria apenas provocar quem não entende toda a louvação em torno de filmes e obras, de que há um imenso universo por trás das 12 horas de filmes vistas nos cinemas, ou mesmo além das milhares de páginas do livro. Um bom passo inicial para conhecer isso é conhecer os artistas que representaram Tolkien para o mundo por décadas. É o assunto do próximo post ( em meio aos posts, estou absorto em uma maratona de 16 horas de filme. Para quem já assistiu, é a melhor forma de entender e sentir novamente toda a carga de emoção e magia imposta por Jackson, bem como sentir melhor a diferença entre os filmes. Até a segunda, devo terminar ela... )

Para quem quiser saber mais sobre Tolkien
http://pt.wikipedia.org/wiki/Categoria:Tolkien
http://duvendor.com.br/
http://www.valinor.com.br/



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Fim dos Tempos

Escrito por Fábio Rockenbach

( The Happening, EUA, 2008 )
Direção de M. Night Shyamalan, com Mark Whalberg, Zoey Deschanel, John Leguizamo


A rigor, “Fim dos Tempos” marca a primeira ocasião em que M. Night Shyamalan repete a si mesmo. Ou melhor, tenta, já que ele passa longe de conseguir. Seu mais novo filme é um festival de equívocos de roteiro, interpretação, intenções e traduções. Esse último, aliás, parece ser um dilema na vida do diretor. Quem lança seus filmes no Brasil costuma a) entender tudo errado ou b) apostar em sensacionalismo para atrair um público bem diferente daquele que poderá apreciar os filmes do indiano. Essa publicidade errônea já fez "Sinais" ser entendido de forma errada e arruinou muito da publicidade de “A Vila”. Aqui, o título original, “O Acontecimento”, transforma-se em um apocalíptico “Fim dos Tempos”. Claro que a imensa maioria sai frustrada do cinema, não recebem o que pagaram para ver. O problema é que, dessa vez, nem os defensores de Shyamalan – e eu sou um deles – conseguiram sorrir no fim do túnel.

Comentei em outro artigo que Shyamalan costuma como poucas pessoas disfarçar histórias individuais em dramas coletivos. É a segunda vez que ele usa um grande acontecimento catastrófico para contar uma simples história pessoal. A diferença está, entretanto, em todos os elementos que diferenciam “Sinais” e “Fim dos Tempos”, os dois filmes que seguem essa linha: enquanto Sinais versava sobre uma invasão extraterrestre no planeta, e optava pelo suspense ao esconder o inimigo, apesar de todos saberem quem ele é, “Fim dos Tempos” opta por colocar a natureza se rebelando contra o homem, mas não há suspense que possa se conter quando a ameaça invisível não desperta o mesmo sentimento de curiosidade e tensão do primeiro filme. E o grande diferencial: em “Sinais”, o drama individual é formado por falta de fé, destino, sinais e o drama de um padre que perdeu a fé e sua família, abalada pela perda da mãe. Em “Fim dos Tempos” o drama individual é... um casal em crise de relacionamento. Pasmem.

É constrangedor como o próprio Shyamalan parece perceber a fragilidade de seu roteiro, de sua história condutora e da trama de fundo que escolheu para mover a história do professor vivido por Mark Whalberg e sua esposa, vivida por Zoey Deschanel. Em crise no casamento, eles acabam se unindo quando fogem pelo país após uma misteriosa toxina emitida pelo ar começar a afetar o cérebro de diversas pessoas, que passam a perder a noção de risco e integridade, e a se matar.Com eles, está a filha do melhor amigo do professor, vivido por um desperdiçado John Leguizamo. Shyamalan força demais a barra. Acaba subestimando a inteligência da platéia. Faz surgir um personagem que, do nada, emite a suspeita sobre o que realmente estaria causando toda a confusão. E ainda coloca de forma forçada na boca do personagem, em duas ocasiões, uma explicação detalhada de como isso acontece, inclusive com exemplos, como se o próprio Shyamalan soubesse da fragilidade do seu plot e dissesse: “vêem, isso aconteceu nesse e naquele momento. Pode acontecer aqui também.”

Tão deprimente quanto esse uso infantil de um personagem explicativo está a reação de uma mãe que, quando não consegue falar com a filha, coloca-a no viva voz para que todos – inclusive o público – ouça o que acontece com ela. Quem faria isso numa ocasião dessas, sinceramente? Até as reações do personagem de Whalberg são forçadas, e alguns diálogos que saem da boca de Deschanel são deprimentes.

Já o surgimento da velha senhora que mora em uma casa isolada denota a falta de fatos novos para Shyamalan inserir no roteiro. Essa sub-trama desnecessária e forçada, entretanto, reserva um dos poucos momentos perturbadores do filme. Com exceção dessa pequena cena e das seqüências iniciais, muito pouco está presente do cineasta de “Sinais” e “O Sexto Sentido”. A incerteza em relação ao roteiro é tamanha que o filme simplesmente cessa sua ação inesperadamente para pular para o final que pretende ser original, mas acaba sendo clichê – não menos do que a inserção de um cientista na televisão explicando tudo o que aconteceu, assim como fazia o personagem citado anteriormente. Ou Shyamalan despreza a inteligência do público ou ele viu algo aqui que nós só seremos capazes de ver após muitas revisões. Não acho que seja esse o caso. É uma pena, porque a idéia inicial poderia permitir vôos muito mais altos. Em termos visuais, narrativos e até na sua trilha sonora, é mais decepcionante do que “A Dama na Água”, que pelo menos denotava ainda uma certa pessoalidade do diretor na sua criação. Aqui, até mesmo isso é negado. Que não neguem ao público o direito de clamar pela volta dos bons tempos do indiano...

Em breve...

Escrito por Fábio Rockenbach


Na crítica sobre "Dança com Lobos", logo abaixo, comentei sobre uma síndrome de filmes extremamente populares começarem a ser depreciados com o tempo. Acredite ou não, começo a sentir que é o caso dos filmes da trilogia "O Senhor dos Anéis". Talvez pelo fato de terem feito imenso sucesso - e algumas pessoas consideram que o trio superprodução - bilheteria - efeitos é sinônimo de filme meramente comercial. Numa humilde opinião, "O Senhor dos Anéis" representa um dos maiores triunfos do cinema como espetáculo visual, como entretenimento, como adaptação e como veículo capaz de dar vida ao inimaginável.
A partir da semana que vem, o blog estará publicando uma série dedicada à trilogia: resenhas dos três filmes - e análise das edições estendidas -e dos desenhos lançados décadas antes, análise da trilha sonora de Howard Shore, artigos e até a comparação entre os filmes e os desenhos conceituais criados décadas antes por Alan Lee, fielmente retratadas na tela. Como bônus, ainda espero autorização dos artistas de coverart para disponibilizar em alta resolução as capas customizadas criadas lá fora para a trilogia.
Aguarde pelo um anel... ou ignore completamente se você concorda com a afirmação destacada acima. Mas também, não me dirija mais a palavra........

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Cenas Eternas - "Dueling banjos..."

Escrito por Fábio Rockenbach

Uma represa vai fazer desaparecer, para sempre, as corredeiras do rio Cahulawassee. Lewis ( Burt Reynolds ), Bobby ( Ned Beatty ), Ed ( John Voight ) e Drew ( Ronny Cox ) decidem deixar a atribulação da cidade num final de semana e descer, de barco, as corredeiras antes que elas sumam para sempre. O que eles encontram durante essa descida transforma o final de semana do grupo em um inferno traumatizante. Esse encontro da civilização com o mundo rural, da educação com a barbárie resultou em “Amargo Pesadelo”, um dos mais crus e violentos filmes dos anos 70, reverenciado por grande parte da crítica, e desconhecido por grande parte do público – de fato, uma das grandes obras do cinema de John Boorman. Antes que eles pusessem o barco na água, a primeira mostra do choque entre esses dois mundos é mostrada de forma magistral em uma cena antológica: o duelo de banjos entre Drew e um garoto com algum tipo de síndrome. Uma cena que entrou para a história. O filme, por sinal, merece muito mais consideração – um lançamento de edição especial em DVD viria a calhar.



O filme, em si, vai merecer uma crítica um dia...

Dança com Lobos

Escrito por Fábio Rockenbach

( Dances with Wolves, EUA, 1990 )
Direção de Kevin Costner, com Costner, Mary McDonell, Graham Greene


Sinceramente eu não entendo porque alguns filmes tornam-se desprezados, com o passar dos anos, como se gostar ou elogiar suas qualidades fosse tornar alguém inferior intelectualmente. O curioso é que esse tipo de fenômeno acontece com filmes imensamente populares. Há um certo desprezo ao sucesso, à popularidade. É como se filmes assim se tornassem de tal forma comuns que perdessem suas qualidades justamente por não ter nada novo, ou que outros não conheçam. Eu preciso admitir que sou um bastardo de coração mole que adora ser enganado pelos sortilégios do cinema: as belas imagens, a música triunfal, uma história que só caberia em uma tela, grande ou pequena. Mas a racionalidade costuma falar mais alto quando o espetáculo acaba e a emoção cessa. Em alguns casos, porém, essa manipulação fdp das emoções é acompanhada com conteúdo... Cinema sempre foi emoção, mais do que razão ou discursos psicológicos, no meu entender. É por isso que a cada vez que revejo “Dança com Lobos”, me deixo levar por uma história engrandecedora, por uma trilha sonora maravilhosa e por paisagens que parecem explodir da tela. Se carroças cortando o oeste diminutas na vastidão do deserto ou homens a cavalo andando ao pôr-do-sol, com uma trilha imponente ao fundo, é a repetição de mais do mesmo, que m.... Kevin Costner conseguiu ser mais do mesmo com uma competência assustadora.

A essa altura, acredito ser pouco necessário falar muito da história de John Dunbar, tenente do exército confederado, durante a Guerra da Secessão, que tenta se matar durante um combate e acaba, involuntariamente, tornando-se herói de guerra. Como recompensa, acaba sendo transferido, por pedido dele próprio, a um posto na fronteira do oeste americano. O lugar é esquecido por Deus e os homens, e Dunbar descobre que não há ninguém lá, apenas ele. Ele e os índios que habitam a região, com quem inicia uma relação marcada pela desconfiança, a curiosidade, descobertas e admiração. Existe um ponto fraco em Dança com Lobos, sim, e é a história de amor envolvendo Dunbar e “De pé com Punhos”. Não que ela não pudesse existir. Mesmo que soe clichê, essa história de amor tem suas lições. A principal delas vem de um esplêndido Graham Greene, pai adotivo da moça, ao ouvir dizer que eles estão apaixonados: ” Faz sentido, eles são iguais” . Em “Dança com Lobos”, Costner adapta em 3 horas de filme um bom livro de Michael Blake, que não tem a metade da competência do filme que originou. Mas Blake auxiliou no roteiro, o que foi crucial para que Costner se sentisse à vontade para produzir um western – gênero em decadência em 1990 – com mais da metade dos diálogos falados em Sioux ( a recíproca é interessante quando se sabe que Costner, 4 anos antes, foi quem encorajou Blake a escrever o livro, que durante dois anos foi rejeitado pelas livrarias. )

Mesmo que a história de Blake seja boa, ela não seria percebida se não fosse transformada em filme. Porque Costner fez de “Dança com Lobos” uma obra marcante em termos cinematográficos. Convenhamos, acompanhar a história de um personagem que passa a maior parte do tempo conversando com seu cavalo e brincando com um lobo não é tarefa das mais fáceis. Mas na época em que filmou “Dança com Lobos”, Costner era o maior astro do cinema americano – e se há uma característica peculiar no ator é que ele envolve facilmente a platéia em torno de seu carisma na maioria dos seus filmes. A rigor, a história de John Dunbar divide-se em três partes. A primeira delas, que narra as descobertas do homem – com o território, com os índios e consigo próprio, como ele narra nas páginas do seu diário – é a mais interessante e envolvente delas. O terceiro ato é o mais fraco: representa a quebra de um paraíso idílico pela presença do homem branco, mas representa também o quão brilhante é a construção desse cenário irreal, porque nos sentimos quebrados ao meio, da mesma forma que Dunbar. Criar essas emoções no espectador não é tarefa fácil, ela cabe às obras realmente diferenciadas. E por mais que haja defeitos no ritmo de Dança com Lobos – e o alongamento da estória de amor é o maior defeito, porque rompe com um estilo narrativo que era vitorioso até então para se concentrar em uma história fragmentada – o resultado final é harmonioso, mesmo que em alguns momentos soe verdadeiramente manipulador e forçado ( e repare como os homens brancos que surgem no "horizonte perdido" de Dunbar são porcos, sujos e fedorentos. Costner usa a expressão exterior para denotar a alma suja, e não poupa nem os "bons" homens brancos que cruzam nesse processo, que terminam vítimas do conceito comum que os índios têm da raça )

Não por acaso, a imagem que fica no inconsciente não é das relações com os índios, dos conflitos com inimigos ou o homem branco – nem mesmo da espetacular seqüência da caçada de búfalos, uma das grandes cenas do western e da história do cinema, livremente inspirada (homenageando) a seqüência do estouro da boiada do clássico Rio Vermelho. O que fica no inconsciente são as cenas de Costner perdido na vastidão do deserto, sozinho, entremeado por composições de cena belíssimas, épicas, e uma trilha sonora não menos que grandiosa de John Barry ( e ao contrário de outras trilhas que influenciam no filme de forma gratuita, a trilha de Barry é parte dessa jornada, ajudando a contar o filme pelo espírito que o personagem principal é apresentado ). Não por acaso a melhor das composições dessa trilha monstruosa não é nenhum dos temas famosos, como “John Dunbar Theme” e “Buffalo Hunt”, mas “Two Socks”, música tema do lobo que Dunbar encontra e aproxima-se em seu acampamento. É um dos mais singelos, simples e arrebatadores momentos de Barry no cinema. Só poderia ser surgido em um grande momento do cinema na década de 90.

PS: Sempre haverão aqueles que se sentirão órfãos de Scorsese e de “Os Bons Companheiros” que perdeu o Oscar em 1990 para “Dança com Lobos”. Vai um recado: não é preciso desmerecer um grande filme porque outra obra-prima foi preterida. E “Dança com Lobos” é cinema de primeira qualidade.

PS2: Faltou aquela meia estrela lá em cima porque ainda não tive a chance de ver a versão de 237 minutos que Costner lançou anos atrás. De tudo que ouvi, os acréscimos deixaram a dança perfeita. É essa a versão que ainda preciso ver para saber se as quebras no ritmo do filme acabaram acontecendo exatamente pela necessidade de reduzir a metragem para um nível mais aceitável comercialmente.


Cerimônia de Casamento

Escrito por Victor Barreto

(A Wedding, EUA, 1978)
Direção de Robert Altman, com Desi Arnaz, Jr., Caroll Burnett, Geraldine Chaplin


Uma das muitas facetas de Robert Altman era sua fascinação pela improvisação. Em Nashville e O Jogador, isto foi um diferencial que praticamente elevou tais filmes ao status de obras-primas, pois além da sinceridade expressa pelas cenas, o trabalho do diretor tornou-se muito mais natural, leve, fluído. E apesar desse perfil neo-dadaísta, ainda é impressionante constatar que Cerimônia de Casamento nasceu de uma piada. Quando perguntado por uma repórter qual seria seu próximo projeto, em tom irônico ele respondeu que filmaria um casamento, e refletindo na idéia, decidiu levá-la adiante.

Impressionante aliás é um adjetivo perfeito para o filme. O elenco conta com 48 atores (um recorde), a esmagadora maioria desconhecidos, e Altman magistralmente situa o expectador quanto a cada um deles, sempre através de suas relações e de forma não isolada.

As famílias Corelli e Brenner celebram sua união planejando um glorioso casamento, e como todo evento do tipo, nada sai exatamente como planejado. Depois da cerimônia, uma grande festa aguarda a todos os convidados na mansão dos Corelli, onde a matriarca os aguarda em seu leito - e não demora muito a constatar - de morte. Está armado o palco para uma verdadeira maratona de absurdos e humor ácido, amarrados de forma deliciosa em duas horas de filme.Já na primeira cena, Altman dá o tom de sua comédia. É o casório, no qual o senil bispo mal lembra do protocolo para a ocasião. A noiva, Muffin (um nome original, sem dúvidas), é apresentada na triunfal entrada pro altar, mas o instante é arruinado com o sorriso metálico exibido pela moça. É um daqueles momentos em que surge o som de um disco riscado nas nossas cabeças. Os tipos presentes também chamam a atenção, sem sequer abrirem a boca: o afoito primo nerd, o entediado irmão da noiva e seus pais pomposos, a irmã incomodada com a falta de atenção (Mia Farrow, umas das únicas estrelas no cast), entre muitos outros integrantes de uma coleção curiosa de personagens.

Mas é na mansão onde a história realmente se desenvolve. O diretor, de forma muito despretensiosa, perambula com sua câmera por entre todas as conversas, falsidades e rituais burgueses, pouco a pouco derrubando a máscara de cada pessoa, e o casamento em si revela-se o menos importante ali (aliás, os noivos têm pouquíssimo tempo em cena). Enquanto vemos as trocas de casais, escaladas sociais, flertes e narizes empinados, o cadáver da matriarca jaz em seu quarto, e o segredo não vaza para a festa não ser arruinada. E dando um show a parte, a ultra-zelosa equipe responsável pela segurança, a qual começa a desconfiar até mesmo dos convidados. "Senhor, não me faça ter que te neutralizar" diz a agente mais arrecatada a um estranho.
O filme foi lançado em 1978, mas nada está datado, a história funciona perfeitamente para os dias de hoje (o que comprova o talento e criatividade de Altman também como roteirista). A invasão da contra-cultura é notada na periferia dos acontecimentos, e é perfeitamente compreensível que em um ambiente tão artificial, vários convidados fogem para a roda de maconha. Durante toda a projeção, percebe-se como o próprio diretor está se divertindo com tantos absurdos, criando um círculo vicioso de inspiração. Cerimônia de Casamento é irreverente, provocante, ácido e uma bela adição na genial filomografia de Altman.

O Nevoeiro

Escrito por Fábio Rockenbach

( The Mist, EUA, 2007 )
Direção de Frank Darabont, com Thomas Jane, Marcia Gay Harden, Laurie Holden, Andre Braugher, Toby Jones, William Sadler

OK. Frank Darabont arriscando uma fantasia de M. Night Shyamalan é cool. Muito cool. São, afinal, dois dos meus diretores prediletos – ainda que Darabont tenha escorregado no sentimentalismo em Cine Majestic. Talvez justamente por isso ele tenha optado voltar ao terreno seguro das adaptações de Stephen King, mas, convenhamos, segurança é a última coisa que ele vai conseguir com “O Nevoeiro”. Não são poucas as pessoas por aí sentindo que compraram gato por lebre. Assim como nos filmes do indiano, as aparências enganam. Há todo um aparato por trás da história sobrenatural que move “The Mist”, mas ela é apenas uma base para que King e Darabont discutam algo muito mais próximo daquelas pessoas, presas em um supermercado, rodeadas por uma neblina. O que está escondido na névoa é algo muito menos perigoso do que aquilo que cada um traz dentro de si.

“Adjetivos” como “filme-de-terror-que-não-assusta, pouco empolgante e clichê são comuns por aí. Ví em vários blogs espalhados pela rede. É esse o preço que se paga por seguir na esteira de Shyamalan, ainda um gênio em contar estórias pessoais disfarçadas em dramas coletivos. Em “O Nevoeiro” o aparato está em contar a história de um grupo de pessoas que fica ilhada em um supermercado, em uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos, quando uma misteriosa neblina surge do nada após uma tempestade e traz, com ela, estranhas criaturas. Não é preciso nem explicar que as tais criaturas são um risco à vida de todos. E até a metade do filme, associar o nome de Frank Darabont ao que parece ser uma história de George Romero e seus zumbis é uma idéia estranha. Mas entre ataques das criaturas, planos para sobreviver e o clichê “não podemos ficar aqui”, surge algo. É a luz no fim do túnel que começa a mostrar que tudo aquilo tem uma razão, que nada é o que parece. A luz no fim do túnel se chama Marcia Gay-Harden, e ela está fabulosa.

Competentíssima atriz que já passou pelas mãos dos irmãos Coen, Clint Eastwood, Sean Penn e um pequeno punhado de gente talentosa, Harden injeta vida em uma história aparentemente insossa, como uma fanática religiosa que usa a situação para pregar o apocalipse e angariar fiéis à sua causa. A maior prova da grande interpretação da atriz está no fato de que, desde as primeiras cenas, ela causar repulsa no público. Ninguém fica indiferente às cenas em que ela aparece. A reação que a platéia tem à sua participação é, também, uma das conseqüências de tudo o que Darabont e King estão falando: quão selvagem é o ser humano quando colocado em posição de risco? O cartaz do filme anuncia: “O Medo muda tudo.” E é a partir de Harden e do isolamento que essa máxima começa a ser explorada. Os monstros, a partir de então, tornam-se um mero instrumento, um background de luxo . Os 20 minutos finais de “O Nevoeiro” é a lembrança de que Darabont, antes de diretor, foi um roteirista, e a função o deixou com o dedo para escolher bons textos e boas estórias. Existem furos, existem pontas fracas, alguns personagens surgem pouco convincentes ou sequer reais e as relações entre muitos deles são superficiais, mas é apenas a ponta da corda com a qual o diretor envolve a história de King.

“O Nevoeiro” prega sobre fé, selvageria, socialização, dessocialização ( existe? ), fanatismo, religião, atitudes frente ao pavor e à falta de caminhos. Os monstros que cercam o supermercado são apenas uma parte do perigo. O final, para o qual muita gente torceu o nariz, é a mostra perfeita de que, se a fé em excesso nos deixa cegos, a falta dela pode ser traumática. As críticas às atitudes dos personagens no final só refletem que, nesse ponto, Darabont conseguiu provocar as reações que queria. Faltou só esse público entender essas reações e tudo o que aconteceu nas duas horas anteriores. Darabont não falou para as paredes, mas já sabe o que Shyamalan costuma sentir a cada novo filme. “O Nevoeiro” tem suas falhas, principalmente na primeira metade, mas dizer que ele é um “filme-de-terror-que-não-assusta” é o atestado de ter perdido duas horas de sua vida em vão e não saber nada sobre o homem atrás das câmeras.

Sessão Nostalgia - Confessa...

Escrito por Fábio Rockenbach

Quando se sabe o que vai acontecer, o impacto não é mais o mesmo, óbvio. Mas pode confessar: no sofá, na cadeira, de pé, no cinema ou em casa... quando viu da primeira vez, você pulou.
Confessa...



E a quem cabe o crédito: ao Hopper ( diretor ) ou ao Spielberg?

Conta Comigo

Escrito por Fábio Rockenbach

( Stand by Me, EUA, 1986 )
Direção de Rob Reiner
Com Wil Wheaton, River Phoenix, Corey Feldman, Jerry O'Connel, Kiefer Sutherland, John Cusack



"

Eu nunca mais tive amigos como os que eu tive aos 12 anos. Jesus, e quem teve?"


É difícil escrever sobre “Conta Comigo” sem escorregar no sentimentalismo, mas a tarefa fica mais fácil quando se sabe que, ao fazer isso, ninguém cai no lugar comum. Quem afinal não tem um lugar guardado na lembrança para essa pequena fábula nostálgica que consegue a proeza de soar absurdamente lírica e real ao mesmo tempo? Porque é de memórias e lembranças ao mesmo tempo tristes e dolorosas que é preenchido cada frame de um filme que, a rigor, não foi concebido para ser grandioso, apenas sincero. Quando a primeira cena do filme mostra Richard Dreyfuss estupefato dentro de um carro, com um recorte de jornal, e a melodia lenta de “Stand by Me” move a cena ao fundo, já somos agarrados de imediato. Dois jovens amigos de bicicleta passam pelo carro de Dreyfuss, que olha para eles com o olhar perdido no tempo. É uma viagem apenas de volta para uma época de inocência e descobrimentos, de onde não nos sentimos retirados nem quando o filme termina, amargo é verdade, mas como uma celebração da verdadeira amizade.

Muita gente estranhou que a história seja uma adaptação de um conto de Stephen King, mas os elementos mais ricos da carreira do escritor estão lá. Não me refiro, claro, aos sonhos e pesadelos que habitam a mente deste americano que se tornou o maior nome da literatura de horror moderna. Me refiro às pessoas e ao cotidiano insólito que somente a imaginação - e nesse caso a lembrança – de King conseguem evocar. A pequena cidade do interior, perdida de tudo, ligada à civilização mais por um fiapo de curiosidade e imaginação de seus habitantes é quase um paraíso da infância ( “Eu vivia em uma pequena cidade no Oregon chamada Castle Rock. Tinha apenas 1200 habitantes, mas para mim era o mundo inteiro.”). E Castle Rock é, usualmente, o nome que King dá às cidades onde ambienta suas histórias.

Nesse pequeno universo, havia mais espaço para a amizade e a descoberta do mundo, em um tempo onde as horas passavam lentas. É no personagem Gordie Lachance (Wil Wheaton) que a narrativa é centrada, e em como ele se refugia do esquecimento dos seus pais após a morte do irmão – e na culpa que eles colocam nele em não ser igual ao irmão – junto com três grandes amigos: Chris Chambers ( River Phoenix ), seu melhor amigo, marcado por pertencer à uma família de vagabundos e marginais, o louco Teddy Duchamp ( Corey Feldman ), absolutamente desligado da realidade e de qualquer noção de risco e o afoito Vern Tessio ( Jerry O’Connell ) que leva o grupo a uma aventura insólita: encontrar o corpo de um garoto que 12 anos que desapareceu dias atrás. Uma conversa entre o irmão e um amigo de Vern revela que eles encontraram o garoto morto ao lado de uma ferrovia, milhas de distância de Castle Rock. E é baseado mais na possibilidade de se aventurar e ficarem famosos do que na curiosidade de ver um cadáver que os quatro embarcam em uma viagem pelas idílicas paisagens do interior do Oregon.

"Acontece às vezes. Amigos vão e vêm de nossas vidas..."

Com um roteiro primoroso de Raynold Gideon e Bruce Evans, que respeita toda a nostalgia e os elementos próprios do conto de Stephen King, Rob Reiner preocupa-se apenas em transmitir beleza a uma história que serve para afirmar os valores da amizade e para decretar o fim da inocência. Conta com um elenco jovem primoroso, é verdade, mas toma o cuidado de permanecer no limite entre o burlesco e o caricatural, sem nunca escorregar. Assim, mesmo centrando a narrativa em Gordie, consegue transformar todos os quatro em personagens palpáveis, cativantes, cada qual com suas características. E se Gordie é o centro da narrativa, é o Chris Chambers de River Phoenix que confere a base e a força que conduzem “Conta Comigo”. É aqui, mais do que em qualquer outro de seus filmes, que se lamenta a perda precoce do ator, anos depois, por overdose. Ele transforma Chambers em uma pequena tragédia, um jovem que passa uma imagem forte aos outros, mas para seu melhor amigo revela toda a incerteza quanto ao futuro. E quando chegam ao fim da jornada, eles percebem como é duro o golpe da realidade quando batida de frente com o sonho. Percebem também que a experiência decretou, instintivamente, o fim de uma época. A inocência, aquela que guiou os quatro até o fim da jornada, foi extinguindo-se ao longo do caminho. Restou apenas a lembrança.

A história secundária envolvendo o bando de delinqüentes liderado por Kiefer Sutherland apenas completa a construção do quadro que, na verdade, poderia ser formado apenas pelos quatro protagonistas. Quando os dois grupos se encontram, tudo o que deveria ter sido assimilado já é passado. O fim da jornada tem um sabor amargo, mas é temperado por uma nostalgia triste que se mescla com a lembrança de tudo o que aconteceu até ali. "Conta Comigo", na verdade, é quase um exemplo vivo de inveja: todos sonhamos em um dia ter vivido essa história, com amigos como aqueles, em lugares como aquele. E é, afinal, de lembranças que essa estória é movida. Poderia ser “história”, com H mesmo, porque mesmo quem nunca viveu naquele tempo ou teve experiências semelhantes guarda um pouco da experiência como se fosse algo só seu, lá dentro. E quantos filmes um dia conseguiram fazer isso em qualquer platéia?

E se você não viu logo abaixo, aqui está uma amostra pura de nostalgia

http://seculodaluz.blogspot.com/2008/06/sesso-nostalgia-em-algum-lugar-na-nossa.html

Sessão Nostalgia - E se...

Escrito por Fábio Rockenbach

Monty Python encontrasse Star Wars?
Uma das mais hilárias cenas de "O Cálice Sagrado"serve de base para um vídeo, no mínimo, bem, hilariante.
Pra não me alongar, imperdível. Clica e confere...


Para rir muito...

A Vida de Brian

Escrito por Fábio Rockenbach

(Monty Python's Life of Brian, ING, 1979 )
Direção de Terry Jones, com Graham Chapman, John Cleese, Terry Gilliam, Eric Idle, Terry Jones, Michael Palin


"A Vida de Brian" não foi eleito em diversas pesquisas entre críticos e público ( em enquetes da Tottal film, Channel 4 e Channel 5 ) o melhor filme de comédia de todos os tempos ( e o 6º melhor filme britânico da história pela mesma Tottal Film ) sem motivos. O timing para a palavra certa, a reação certa e a tirada certa nunca estiveram tão ajustados pelo grupo Monty Python quanto aqui. É comum a maioria das pessoas considerarem “O Cálice Sagrado” como a melhor comédia do grupo e o filme mais engraçado de todos os tempos. No quesito” quantidade de gags e piadas”, é provável que seja, mas em termos técnicos, de narrativa, ritmo e qualidade visual, “A Vida de Brian” é o melhor filme do hilariante grupo inglês que fez escola no humor mundial. Em uma opinião muito particular, é também a melhor comédia de todos os tempos. Quer saber alguns porquês?

Um exemplo desse timing ajustado: numa das mais hilárias cenas de todos os tempos, Pilatos interroga o judeu Brian, um pobre coitado que nasceu em uma manjedoura vizinha à de Jesus Cristo e seria, pelo resto da vida, confundido com o Messias. Preso durante uma invasão à sede do poder romano em Jerusalém ( e após uma briga entre os incontáveis grupos contrários ao domínio romano na galiléia ), Brian é escoltado pelo centurião e dois soldados. E encara um Pôncio Pilatos que troca o “r” pelo “l”.

Pilatos: Qual seu nome, Judeu?
Brian: Brian, senhor.
Pilatos:Oh, "Blian", é?
Brian: Não não, Brian.
( bofetão na cara )
Pilatos:Oh, o pequeno judeu tem "espílito".
Centurião: O que senhor?
Pilatos:" Espílito"!
Centurião:Ah, sim, claro.
Pilatos:Não, não. "Espílito", "blavula", ímpeto.
Centurião:Oh, sim... Uns 11, senhor.
...
Pilatos:Então... "quelia" nos fazer uma "sulplesa"?
Brian: Fazer o que senhor?
Pilatos:Insolente. "Allebent" com ele, centulião?
(bofetão na cara )
Centurião:E "atilamos" no chão senhor?
Pilatos:Que?
Centurião:"Atilamos" ele no chão senhor?
Pilatos:Oh, sim. Atile-o no chão.
(jogam-no no chão)
Pilatos:Agora, judeu "alogante".
Brian:Não sou judeu. Sou romano.
Pilatos:"Lomano?"
Brian:Não, não. Romano.
(bofetão na cara )

Alguns segundos depois dessa troca de idéias hilariante – que se repete ao longo de todo o filme em diferentes situações e locais e tem muito mais sentido vista do que escrita – Pilatos tenta saber o que há de tão engraçado no nome romano do pai de Brian. E a menção de “biggus dikkus” ( Enormus Pintus ) desencadeia também na platéia risos incontroláveis. Até que, depois de praticamente torturar seus soldados citando o nome do amigo – e eles não podem rir – vem um silêncio de alguns segundos, enquanto Pilatos observa seus soldados. Esse silêncio é quebrado por uma frase, simples, que revela a magnitude desse timing ajustado.
- Ele tem uma esposa, sabiam?
Não é preciso muito para que todos saibam que as próximas palavras serão o clímax da cena. E como esse, esses pequenos clímax surgem ao longo de toda a projeção. Em termos gerais, “A Vida de Brian” é mais coeso e “fechado” do que “O Cálice Sagrado”, também uma obra-prima da comédia, e tem momentos inesquecíveis.

Aliás, o grupo inglês mexeu com fogo ao brincar com todo o catecismo referente à passagem de Jesus na terra, ironizou dogmas católicos e fez pouco de conceitos caros à qualquer religião, como a idéia de um messias, votos de silêncio e sacrifício. Tudo isso vem por terra quando acompanhamos a vida do pobre Brian no tempo de Cristo. Não há muito o que resumir dessa epopéia do humor, exceto que o filme oferece poucos minutos de descanso e, ao contrário de comédias besteirol cheias de gags da atualidade, seu humor é construído em cima do diálogo – que muitas vezes requer até certo nível cultural para ser perfeitamente compreendido. Em “O Cálice Sagrado”, o humor de uma das cenas, por exemplo, surge na discussão sobre feudalismo, servidão e propriedade privada. Diálogo cabeça com tiradas hilariantes. Em “A Vida de Brian”, a troca de idéias rápida, e as vozes e caras impagáveis dos membros da trupe, que se revezam em diversos papéis denotam uma versatilidade supreendente. E como a cerne de qualquer filme do grupo não são momentos de beleza visual ou roteiros profundos, o melhor é apontar alguns "porquês" do status dessa obra-prima cômica.

Momentos inesquecíveis ( apenas para citar alguns )
- a cena inicial, onde toda a pompa sugere o início de um antigo épico cristão, para logo ser desmascarado com a confusão dos Reis Magos, dando presentes a Brian. A recepção da “mãe” de Brian é hilariante.
- O que fazem aqui a uma hora dessas da madrugada.
- Somos 3 Reis magos, viemos prestar homenagem ao seu filho.
- Homenagem? Vocês estão é bêbados. Fora daqui.

- as mulheres que compram barbas postiças para comparecerem aos apedrejamentos em público e precisam disfarçar a voz.

- Brian é pego pichando o muro com mensagens anti-romanas e repreendido por um centurião, que o ensina a escrever direito, e depois manda ele escrever 100 vezes a frase correta no muro.

- os romanos indo e vindo à casa do velho onde os conspiradores se reúnem para revistar os aposentos e buscar encontrar um dos diversos membros conspiradores escondidos no pequeno barraco. Eles encontram uma colher e entregam ao centurião.

- Brian foge dos seguidores que acham que ele é o messias e se envolve com um eremita que não abria a boca há anos. A hilária seqüência termina com os seguidores prestando homenagens a Brian e perguntando a ele o que fazer.
- Vão se foder. – diz Brian
Todos levantam a cabeça e começam a se olhar, vagarosamente.
- Como fazemos isso, senhor?

- Os dois carrascos fingindo-se de débeis mentais para o centurião.

- A lista dos crucificados, onde o centurião pergunta a cada um que passa qual sua pena e indica o caminho para cada um pegar sua cruz. A um deles, ele pergunta.
- Crucificação?
- Ah, não. Liberdade. Disseram que eu não fiz nada e poderia sair e viver em algum lugar por aí.
- Oh, bem, isso é ótimo. Então, pode ir.
- Ah, não. Brincadeirinha. É crucificação mesmo.
- Oh, ótimo. Então pode ir e pegar sua cruz.

- Toda a seqüência de crucificação: o engano referente ao nome ( “Meu nome é Brian, e o da minha esposa também” ), o pelotão suicida e a hilariante cena final com os crucificados cantando “Sempre veja o lado bom da vida” alegremente.

O melhor mesmo é rever para dar ( muitas ) gargalhadas.

Sessão Nostalgia - Em Algum Lugar em 1985...

Escrito por Fábio Rockenbach

Faz parte daquela pequena imensa legião de admiradores de "De Volta para o Futuro"?
Faz o seguinte: aperta play, assista até o fim e volte no tempo...





Hugh Anthony Cregg III alcançou estrondoso sucesso com "The Power of Love"em 1985, música que marcaria a trilogia De Volta para o Futuro. Mais conhecido pelo nome Huey Lewis, era o líder da banda Huey Lewis and the News, e atuou como ator também em filmes como Shot Cuts, Duets, Esfera e Rede de Intrigas. Em "De Volta para o Futuro" faz uma ponta como juiz do concurso de bandas em que Marty é desclassificado.
"The Power of Love" foi indicado ao Oscar e ao Globo de ouro de melhor canção. Não venceu em nenhuma categoria - como se isso influenciasse no sucesso que a música faz ainda hoje.

Sessão Nostalgia - Em algum lugar na nossa infância...

Escrito por Fábio Rockenbach

Para todos aqueles que sentiram um misto de nostalgia de um tempo que nunca viveram, que se viram refletidos na amizade, nos gestos, nas atitudes e nos dramas de 4 amigos em "Conta Comigo", vai um presente, estrelado por Ben E. King, Wil Wheaton e River Phoenix, gravado pelos 3 algum tempo depois do filme.




Ben E. King (nascido Benjamin Earl Nelson em 28 de setembro de 1938, em Henderson, Carolina do Norte) mudou-se para o Harlem, em New York, com a idade de 9 anos. Começou como cantor de soul no ínicio dos anos sessenta.
Em 1958, Ben Nelson juntou-se a um grupo de "doo wop" chamado "The Five Crowns". Mais tarde, naquele ano, o agente do "The Drifters" despediu todos os membros e trocou-os pelo pessoal do"The Five Crowns". Nelson ajudou a escrever "There Goes My Baby", o primeiro sucesso dessa nova versão dos "The Drifters". Também fez o vocal solo em "Save the Last Dance for Me", uma canção escrita por Doc Pomus e Mort Shuman. Cantou, também, em "Dance With Me", "This Magic Moment", "I Count the Tears" e "Lonely Winds". Ben E. King gravou dez canções com o "The Drifters".

Leia mais em
http://lagrimapsicodelica.blogspot.com/2008/02/ben-e-king.html

Ano a Ano - 1981

Escrito por Fábio Rockenbach

1981 foi um ano riquíssimo, e começou a sinalizar a separação definitiva com o clima mais pesado dos anos 70, ainda presente no ano de 1980. Foi em 1981, por exemplo, que começou a popularização das continuações ( estrearam naquele ano Halloween II, Mad Max 2 e Sexta-Feira 13 Parte 2 ). Os dois filmes de terror nessa lista são o indicativo de que o público adolescente já era o principal alvo dos estúdios, reflexo da mudança causada por blockbusters como Tubarão, Guerra nas Estrelas e Superman nos anos 70. As duas séries citadas se tornariam combustível para inúmeros filmes explorando o mesmo filão. Produtoras começaram a lançar no mercado imitações baratas – não que os originais, com exceção do primeiro Halloween, de 1978 – fossem algo muito melhor. Mas foi o início ao culto do personagem, mais do que do ator: nomes como Jason Vorhees, Michael Myers e Freddy Krueger ( a partir de 1984 ) seria figurinhas fáceis em um gênero desprezado pela crítica, mas amado pelo público, principalmente após o advento do videocassete e o hábito de trocar o cinema pelo conforto dólar. Disputas entre os sistemas de vídeo – Betamax e VHS – iriam ganhar espaço nos anos seguintes, e locadoras começariam a se proliferar. Tudo no rastro dos dólares deixados nas bilheterias pelo público adolescente.
(Leia mais após a relação de meu Top 10 daquele ano).

Filmes do ano já comentados
Carruagens de Fogo
Os Caçadores da Arca Perdida

Top 10 de 1981
1. Os Caçadores da Arca Perdida
2. Um Tiro na Noite
3. Um Lobisomem Americano em Londres
4. Mad Max 2, a Caçada Continua
5. A Guerra do Fogo
6. Gallipoli
7. O Barco – Inferno no Mar
8. Excalibur
9. Pixote, a Lei do Mais Fraco
10. Mephisto


Se filmes de terror – e mais adiante comédias adolescentes com temáticas sexuais – iriam marcar a década, nem tudo nesse bolo pode ser descartado. Na mesma linha, os grandes estúdios descobriram que valia a pena gastar grandes quantias para criar superproduções que renderiam inúmeras vezes mais nas bilheterias. A fórmula do filme feito para agradar o adolescente começava a ser delineada. Mas nesse processo, algumas obras-primas surgem. Toda essa trajetória começada nos anos 70 pode ser considerada estabelecida de vez nos anos 80 após o sucesso, no ano anterior, de “O Império Contra-Ataca” e de “Os Caçadores da Arca Perdida”, lançado em 1981, marcando a primeira parceria entre George Lucas e Steven Spielberg. Ao custo de US$ 23 milhões, o primeiro filme de Indiana Jones lucrou mais de US$ 200 milhões nas bilheterias e recebeu sete indicações ao Oscar, incluindo filme e diretor.

Outros (bons) filmes de aventura conquistaram o público em 1981. Wolfgang Petersen começou a aparecer no mercado mundial com “O Barco – Inferno no Mar”, aventura de guerra consistente e emocionante. O mestre dos efeitos visuais stop-motion Ray Harryhausen ajudou a transformar “Fúria de Titãs” num dos últimos representantes dos filmes de fantasia a usarem o recurso de forma massiva, em uma aventura que promove um misto de referências mitológicas que tornou-se um clássico de sessão da tarde. Esse gênero, que criou anteriormente obras como “Jasão e os Argonautas” e as aventuras de Sinbad, começaria a dar lugar para heróis mais humanos, mesmo que envoltos em épocas fantasiosas. É o caso de “Mad Max 2 – A Caçada Continua”, eletrizante continuação do sucesso australiano de 1979 que lançou Mel Gibson ao estrelato mundial. O mesmo Gibson, por sinal, astro da aventura de guerra “Gallipoli”, um filme mais contemplativo e nostálgico dos fatos trágicos de uma batalha na segunda guerra mundial que elevou o nome do diretor Peter Weir. E o ( anti ) herói de “Fuga de Nova Iorque”, Snake Plissken ( Kurt Russel ) é um mercenário prisioneiro que precisa resgatar o presidente americano de uma Nova Iorque transformada em prisão. Em outra frente, “Dragonslayer” revolucionou pelos seus efeitos visuais na criação de um dos mais convincentes e assustadores dragões já vistos no cinema, em uma aventura ao estilo RPG que angariou fãs e só cresceu de conceito com o passar dos anos. Já “Os Bandidos do Tempo” é uma aventura de ficção que não encontrou seu público, apesar das qualidades e de ter por trás nomes como o diretor Terry Gilliam e o ator John Cleese, do Monthy Pyton, além de Sean Connery e Shelley Duval ( Connery também alcançou relativo sucesso com “Outland – Comando Titânico ").

Se obras de suspense baratas como as séries Sexta-Feira 13 e Halloween começavam a abundar, bons filmes de terror também surgiram em 1981. Lobisomens foram o tema de dois exemplares que tornaram-se clássicos modernos: “Um Lobisomem Americano em Londres”, bem sucedida investida do diretor John Landis em criar um misto de terror e humor que foi, em parte, pouco entendido pela crítica, e “Grito de Horror”, filme de terror sufocante de Joe Dante que reflete a paranóia do aumento da criminalidade e não faz concessões ao humor. Cult desde seu lançamento, deu origem a continuações fracas e mal-sucedidas. Não é o caso de “A Morte do Demônio”, nome (mal traduzido ) em português de “Evil Dead”, a produção independente de baixo orçamento feita pelo diretor Sam Raimi, com ajuda de colegas de faculdade, que se transformou em fenômeno e foi durante mais de 10 anos proibida em diferentes países, pelo seu conteúdo escatológico e violência explícita. ( Raimi optaria pela mescla com o humor nas duas continuações que faria posteriormente, a primeira praticamente uma refilmagem com mais recursos ).

Das produções que chamaram a atenção por sua excentricidade, “Excalibur” de John Boorman e “A Guerra do Fogo” de Jean Jacques-Annaud dividiram opiniões em sua época. A primeira é uma aventura pesada baseada no visual brilhante e luxuoso das histórias do Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda – e que tornou conhecida a ópera Carmina Burana. O segundo é cinema antropofágico, baseado em uma extensa pesquisa e trabalho de interpretação gestual, sem uma única palavra, que narra a busca de hominídeos para encontrar o fogo que eles perderam de seu acampamento.

Filmes de suspense adulto e temática sexual, como “Corpos Ardentes” e “O Destino Bate à Sua Porta” fizeram a tela pegar fogo com a química dos casais William Hurt/Kathleen Turner e Jack Nicholson/Jessica Lange. Fogo também pegou a tela com “Scanners – Sua Mente Pode Destruir”, de David Cronenberg, mas o grande suspense do ano é “Um Tiro na Noite”, de Brian DePalma, com John Travolta – formaria um trio de filmes inesquecíveis feitos nos quatro primeiros anos daquela década por DePalma, ao lado de Dublê de Corpo e Vestida para Matar.

O Oscar, no ano, foi para Carruagens de Fogo ( o prêmio é entregue nos primeiros meses do ano seguinte, lembre-se. Carruagens ganhou o Oscar 1982, mas é de 1981. Em 1981, o prêmio foi entregue a Gente como a Gente, e em 1980, a Kramer VS Kramer, sempre filmes dosanos anteriores ao da entrega ). Para muitos, uma injustiça: os grandes favoritos eram, alémde “Caçadores da Arca Perdida”, o drama “Reds”, de Warren Beatty, livra adaptação de “Os 10 Dias que Abalaram o Mundo” contanto a história do jornalista John Reed durante a revolução russa.
E o cinema nacional deu as caras com força: ao lado de “O Mistério de Oberwald”, “A Noite de São Lourenço” e “Mephisto”, “Pixote – A Lei do mais Fraco” de Hector Babenco pode ser considerado um dos melhores filmes estrangeiros do ano.


Em Breve, o ano de 1982

Mais curiosidades de 1981:
- Katherine Hepburn ganha seu quarto Oscar por “Num Lago Dourado”, a primeira a ganhar tal número de premiações da Academia.
- A MGM adquire a United Artistis, abalada pelo fracasso de “O Portal do Paraíso”.
- Em 24/07 é lançado o canal MTV, que acabaria influenciando filmes como Flashdance e Footloose e todo o estilo do ano.
- Natalie Wood, aos 43 anos, morre afogada durante as filmagens de Brainstorm, de Peter Hyams, lançado em 1983.
- O primeiro prêmio Framboesa de Ouro é dado a Can’t Stop the Music, de 1980.
- Ainda que só tenha sido lançado em 1984 nos Estados Unidos, “Os Deuses Devem Estar Loucos” foi lançado em 1981, e tornaria-se o maior sucesso de bilheteria do cinema estrangeiro até então nos Estados Unidos, após quebrar recordes mundo afora.
- Reagan apóia uma campanha da Adolescent Family Life Act ( AFLA ) em prol da abstinência sexual e cuidados contra a gravidez para adolescentes. Essa ação não daria muito certo ao longo da década, repleta de comédias adolescentes com temática sexual.



Pacto de Sangue

Escrito por Fábio Rockenbach

( Double Indemnity, EUA, 1944 )
Direção de Billy Wilder, com Fred MacMurray, Barbara Stanwyck, Edward G. Robinson, Porter Hall


Se nas primeiras cenas o vendedor de seguros Walter Neff grava na sala de seu chefe a confissão do assassinato que sua companhia estava investigando, e que é o tema desta obra-prima – provavelmente o pai de todos os “noir” – o que mais resta para a platéia assistir nessa intricada história roteirizada por Raymond Chandler e dirigida pelo genial Billy Wilder? Resta muita coisa. Desde a primeira cena, vendo o estado do protagonista, sabemos que algo deu (muito) errado. Sabemos que ele é o assassino. Saber por que um vendedor de seguros cometeu um assassinato e como isso aconteceu é o fio condutor de uma estória que resume boa parte de uma trama básica que vem se repetindo há milhares de anos: o homem que mata por sexo e dinheiro, enganado pela mulher que pensa apenas nos benefícios que o ato lhe trará.

Billy Wilder considerava Alfred Hitchcok seu grande “rival” do cinema americano, no bom sentido. Não havia feito, até então, um grande filme realmente inesquecível. Adaptar “Doublé Indemnity” de James M. Cain ( também autor de “O Destino Bate à Sua Porta” ) foi uma dádiva para o diretor, que, se não podia contar com Cain para ajudá-lo no roteiro, teve a parceria – na maior parte do tempo pouco harmoniosa – do brilhante Raymond Chandler (“Um homem que parecia um vendedor de seguros, um cara normal, menos um escritor de estórias policiais” como descreveria o próprio Wilder ). E foi Chandler quem auxiliou para que a estória de Cain, brilhante na literatura, fosse transcrita para o cinema da forma que Wilder imaginou, já que os diálogos do livro, brilhantes, eram longos e sofisticados demais para a tela.

Essas histórias, presentes no ótimo documentário que acompanha a edição em DVD que a Versátil lançou no Brasil, apenas retratam um pouco do processo para transformar “Pacto de Sangue” em uma obra-prima. Se Chandler parecia um vendedor de seguros, colocou muito dessa impressão dele próprio na figura do personagem principal, Neff. Se desde o início sabemos que ele é culpado, acabamos de forma cúmplice acompanhando atentos sua trajetória porque ele não parece, de modo algum, um assassino. É um tolo, um americano raso enganado pela malícia e sedução de Phyllis Dietrichson ( Bárbara Stanwyck, um demônio na tela, e a mais bem paga atriz na época em que o filme foi rodado ), a mulher que trama com Neff a morte do marido para que eles recebam a milionária apólice de seguros. Só Neff pode planejar o crime perfeito, por conhecer o modo de pensar de Barton Keyes ( Edward G. Robinson ), seu superior na empresa, uma raposa em farejar fraudes e assassinatos. Mas como o próprio Keyes diz, não existe o crime perfeito, e “quando duas pessoas cometem um crime juntas, é como se entrassem em um bonde do qual não pudessem sair sozinhas, e o destino do bonde é sempre o cemitério.”

A fotografia de John Seitz é esplêndida por conseguir, em ambientes de pouca ou nenhuma luz, contar uma história captando a essência de cada ambiente. O apartamento de Neff tem áreas claras e escuras, o escritório de Keyes é sempre bem iluminado e a sala de Phyllis, onde tudo começa e termina, é envolvo em escuridão – e a luz que passa pelas janelas foemam nas sombras a impressão de grades, aprisionando os personagens. É como se quem habitasse aquele ambiente estivesse permanentemente, e antecipadamente, carregando o veredito de culpado. E a narração em off de Neff é a oportunidade de ouro para Chandler jogar frases fenomenais: troca de diálogos de duplo sentido, sexual ou literal, em uma época onde o código Hays minava intenções mais diretas voltadas ao público. “Temos um limite de velocidade nesse estado sr. Neff, e ele é de 72 Km/h.” “E a que velocidade eu estava indo?” “A pelo menos 90km/h”. É com esse diálogo que se traduz a maneira como Neff investe sobre Phyllis no seu primeiro encontro. Na primeira vez que se vêem, ele fala sobre os problemas de seguro do carro do marido de Phyllis, a futura vítima, avisando dos problemas que aconteceriam se acontecesse algo e os carros não estivessem “cobertos”. Na sua frente, Phyllis estava coberta apenas com uma toalha.

A narração em off também se tornaria uma marca registrada do “Noir”. Seria usada muito tempo depois, inclusive em paródias e homenagens, para fazer referência ao gênero. E ao optar por colocar a platéia como cúmplice e observadora impotente do drama de Neff, que vê sua situação piorar a cada dia que passa, torna essa história de crime e castigo ainda mais absorvente – um recurso semelhante ao usado por Hitchcok incontáveis vezes, para tornar a audiência cúmplice do protagonista, ainda mais quando ele se configura como um pobre coitado que voou alto demais na ambição.

Durante toda a projeção, quem acende o cigarro a Keyes é Neff, simbolizando a confiança e a auto-estima – e McMurray, um ator de segunda linha, cabe perfeitamente no papel do homem tolo e ingênuo com seu sorriso desbocado – até que, em uma única cena, a situação se inverta para mostrar também que Neff está “descendo do bonde”. Seguramente um dos melhores filmes de todos os tempos e do próprio Wilder, o que não é pouco para quem fez “Testemunha de Acusação”, “Quanto mais Quente Melhor”, “Inferno 17”, “Se meu Apartamento Falasse” e “Crepúsculo dos Deuses”.

Rio Vermelho

Escrito por Fábio Rockenbach

( Red River, EUA, 1948 )
Direção de Howard Hawks, com John Wayne, Montgomery Clift, Walter Breenan, Joanne Dru, Coleen Gray, John Ireland



Existe um pedestal imaginário onde certos filmes estacionam e do qual simplesmente não é possível removê-los. Muitos clássicos até chegam a passar por ele, mas não resistem ao tempo. Outros permanecem imóveis, não importa que passem 40 ou 50 anos. “Rio Vermelho” está estacionado nesse pedestal há 60 anos, e não há jeito de fazê-lo descer. A obra-prima de Howard Hawks não é somente um exemplar magnífico de porque os críticos da Cahiers du Cinema valorizavam tanto o gênero - pregando que havia mais do que mocinhos, bandidos, índios e duelos por trás da cortina de poeira e fumaça que os simbolizava. O filme, talvez a obra definitiva de Hawks em uma carreira de muitas obras definitivas – e sei que isso parece ridículo de ler – consegue juntar em pouco mais de duas horas um turbilhão de homenagens, sentimentos e discussões que é raro se encontrar em qualquer filme, de qualquer época.

Apropriadamente, Pauline Kael, talvez o maior símbolo da crítica cinematográfica mundial, chamou “Rio Vermelho” de ópera a cavalo. Indeed. Mas por mais que a crítica se derrame – e eu concordo – pelo embate psicológico do duelo entre pai e filho adotivo, o gênio americano homenageia o próprio gênero que ele aprendeu a admirar vendo os filmes de John Ford ( e o próprio Hawks admitiria que aprendeu a fazer cinema observando aos filmes de Ford ) e toda a mis-en-scéne que incrivelmente foi sendo esquecida ao longo do tempo, apesar de servir de motivação. Se a história americana passa pela conquista do oeste, uma terra desbravada, selvagem e regida pela lei do mais forte, foi feita também pelos vaqueiros, pelas grandes criações de gado e pela brutalidade das relações entre esses homens. Hawks retrata tudo isso aqui, num verdadeiro cinema de macho, regido pela força. Das palavras, dos atos, da bala. De ataques de índios a comboios, passando por duelos e as impressionantes cenas de 10 mil cabeças de gado sendo conduzidas, que povoam 80% das cenas do filme, Hawks filmou tudo no braço. Em uma época sem computadores, mostrou como o cinema respira melhor quando é feito ao natural, mostrando relações naturais.

Essa história que espelha um pouco dos sentidos da colonização do oeste serve de base sólida para o embate entre Dunson ( John Wayne, compondo um personagem quase tão complexo quanto o Ethan Edwards de “Rastros de Ódio” ) e Matt ( Montgomery Clift, conferindo uma força particular ao filme em cada aparição ), duas personalidades magnéticas. Dois muros batendo um contra o outro. Uma história de conflitos que começa 14 anos antes, quando Dunson encontra o jovem Matt perdido após um ataque de índios destruir o comboio onde ele viajava – e que vitima também a mulher que Dunson pretendia trazer para junto de si tão logo levasse a cabo o plano de iniciar sua criação de gado e fundar seu rancho. Desde o primeiro encontro, essas personalidades se chocam e se atraem, de forma estranha e plausível. Enquanto aborda a história de homens como Dunson, que começaram do nada e fundaram o alicerce do país na base da força, Hawks conduz de forma hábil a relação conflituosa entre pai e filho quando, anos depois, eles decidem levar 10 mil cabeças de gado por mil milhas para o norte, onde o preço por cabeça não foi atingido pela desvalorização após a guerra da Secessão. Os rumos que tomarão após iniciar a jornada é que impõem o conflito insustentável entre Matt, conciliador e sempre calmo, e Dunson, uma personalidade doentia por quem a platéia sente admiração e repulsa. Se o tema já era forte, a simples frase “Eu vou atrás de você, e vou te matar.” - dita por Dunson quanto é abandonado com seu cavalo pelo filho e pelo grupo – transforma esse épico a cavalo em um espetáculo ainda mais absorvente.

Por mais que Hawks demonstra a inabilidade em lidar com o universo feminino e das relações das mulheres com os homens, aqui superficiais e sem solidez, a personagem de Joanne Dru é quase um divã para os dois personagens que cruzam o caminho. É através dela, e em uma cena reveladora com John Wayne que todo o conflito interior dos personagens é explicado ao público sem soar artificial, o que dá mais peso à tensão que se arma até o momento em que eles se encontram, em um embate memorável que entrou para a história do cinema.

Toda essa história é narrada, nas entrelinhas, pela trilha sonora de Dimitri Tiomkim, que faz uso de diversos temas clássicos da cultura do western americano, desde canções entoadas pelos vaqueiros na jornada, passando pelo clássico tema “Red River Valley” até o aproveitamente, de forma sutil e brilhante, de canções populares como “Oh Susannah” (que John Ford usou tão bem dois anos antes no clássico “Paixão dos Fortes” ). Tudo para aproximar o filme de Hawks, realmente, de uma homenagem ao espírito dos temas representados na tela. E se não bastasse, a melodia clássica de Red River foi usada em outro momento antológico na filmografia de Hawks e do próprio gênero, a cena musical de Dean Martin e Ricky Nelson em “Onde começa o Inferno” que o próprio Hawks filmaria pouco mais de dez anos depois.

Não bastassem todos esses elementos, que dançam em torno do roteiro brilhante de Borden Chase – baseado em uma história do próprio Chase publicada no Saturday Evening Post – ainda há a fotografia de Russel Harlan, que transforma “Rio Vermelho” num dos mais belos espetáculos visuais já filmados, motivo pelo qual grande parte dos críticos defende que este é o tipo de filme que deveria ser visto em uma tela grande ( as imagens que ilustram esse texto falam em prol dessa afirmação ). É o tipo de oportunidade que não deve acontecer tão fácil em tempos onde clássicos só conseguem refúgio na tela do televisor. Menos mal: que “Rio Vermelho” permaneça intocado no pedestal onde ele se encontra. Tem estado lá por 60 anos, e não há lugar melhor para que ele permaneça, acima da grande maioria dos filmes de qualquer gênero.

O Exército Inútil

Escrito por Victor Barreto

(Streamers, EUA, 1983
De Robert Altman, com Matthew Modine, David Alan Grier, Mitchell Lichtenstein, Michael Wright, Guy Boyd e George Dzundza


Este filme se passa inteiramente dentro de um quartel de soldados às vesperas de viajar pro Vietnã. Existem apenas alguns momentos da parte externa do alojamento mostrados, mas mesmo esses são filmados de dentro, e isso criou uma atmosfera angustiante, levemente claustrofóbica, casando com o drama enfrentado pelas personagens.

A história foca-se em seis homens, dois oficiais superiores que estão sempre bêbados, e quatro recrutas, os quais entram em conflito por suas crenças e preconceitos, e os temas variam desde homofobia até diferenças de classes. Desta vez, o artifício utilizado por Altman para dar abrangência à história foi o aspecto teatral de todos os elementos, em especial o texto (e o fato do filme ser baseado em uma peça provavelmente contribuiu para isso). A crítica do diretor não serve apenas para a época do Vietnã, mas a qualquer guerra, mostrando o despreparo emocional no qual se encontram aqueles que enfrentarão a mais cruel situação a que um homem pode ser submetido, e teoricamente deveriam ser preparados para isso. O próprio título original já é uma metáfora disso, Streamers seriam os "charutos", pára-quedas que não abrem e portanto estão condenados (e a cena onde um dos generais relembra esta situação que literalmente ocorreu quando estava na guerra da Coréia é uma das mais poderosas do filme, o desconforto é estampado sutilmente na cara dos soldados quando o escutam).

Apesar da ótima direção (câmera sempre em movimento, buscando ilustrar a narrativa visualmente), o maior triunfo deste filme é seu elenco, laureado com o prêmio de Melhor Ator em Veneza. Matthew Modine surpreende em suas expressões, jamais descobrimos sua verdadeira opção sexual, mas no entanto sentimos o tormento dentro de sua mente por ter preconceitos originados de sua educação. Já Mitchell Lichtenstein tem uma postura claramente homossexual, mas surpreende seus companheiros ao revelar isso, e incrivelmente nos faz ter dúvidas quanto a verdade. E Michael Wright é o mais instável de todos, e faz a sua simples presença ser ameaçadora. David Alan Grier, Guy Boyd e George Dzundza completam o elenco, todos funcionam muito bem em seus respectivos papéis.

Pecando apenas no seu ritmo maçante, este é uma das muitas jóias escondidas do Altman (e é triste não saber se ainda há rolos disponíveis do filme no mundo).